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Cargo vago

O que Bolsonaro quer para o Ministério da Saúde. E por que Mandetta e Teich não entregaram

Presidente Jair Bolsonaro que alguém no Ministério da Saúde alinhado com o que ele pensa.
Presidente Jair Bolsonaro que alguém no Ministério da Saúde alinhado com o que ele pensa. (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

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A demissão do oncologista Nelson Teich deixa aberta a vaga na chefia do Ministério da Saúde pela segunda vez desde o começo da pandemia do coronavírus. No momento, o cargo é interinamente ocupado pelo general Eduardo Pazuello, secretário-executivo da pasta.

Os principais requisitos para essa vaga parecem ser três: a crença de que o isolamento social já pode ser flexibilizado; a convicção de que a cloroquina é um método eficiente para tratar a Covid-19; e a capacidade de se relacionar bem com o presidente Jair Bolsonaro.

O primeiro ministro da Saúde da gestão Bolsonaro, Luiz Henrique Mandetta, não cumpria bem nenhum desses requisitos. Chamado para substituí-lo, Teich não trocava farpas com o presidente publicamente, como fazia Mandetta, mas não fez grande mudança no plano de isolamento social de seu antecessor, e não se mostrava disposto a acompanhar o presidente em uma defesa intransigente da cloroquina.

O que Bolsonaro quer do Ministério da Saúde em relação ao isolamento social

Houve um breve momento durante a crise da pandemia em que o presidente Bolsonaro pareceu recuar, ao menos no tom da fala, sobre seu posicionamento em relação às medidas de isolamento social para conter a pandemia. Foi no dia 18 de março, quando a expansão do vírus começava no Brasil.

O presidente chegou a uma coletiva de imprensa de máscara e definiu a crise como “grave” e “preocupante” – embora tenha dito na mesma coletiva que algumas pessoas estavam tratando o avanço da doença com histeria.

Depois dessa data, no entanto, Bolsonaro foi sempre claro em relação ao que quer: acelerar a volta à normalidade, com a prática do chamado “isolamento vertical”, que limita as ações de distanciamento aos grupos de risco da sociedade – idosos e pessoas com doenças crônicas ou pulmonares, principalmente.

A partir daí, o presidente passou a fazer pressão para que as ações do Ministério da Saúde não afogassem a economia do país. “Sem produzir, as empresas não terão como pagar salários. Não tem como desassociar emprego de saúde. Chega de demagogia! Não há saúde na miséria!”, disse o presidente no dia 26 de março, via Twitter.

A permanência de Mandetta no cargo passou a ficar ameaçada justamente nessa época, já que sua proposta de isolamento social ampliado entrava em conflito com a ideia do presidente. Foi por conta da falta de sintonia nesse ponto que começaram as especulações sobre uma eventual queda do ex-ministro. Mandetta foi demitido em 16 de abril.

Quando Nelson Teich assumiu o cargo, a expectativa era de que ele fosse promover a flexibilização do isolamento. O segundo ministro da Saúde da gestão Bolsonaro nunca disse que era contra o distanciamento social, mas admitia a possibilidade de políticas diversas de acordo com as diferenças regionais e com o passar do tempo. “Não tem como fazer um pacote para o país inteiro”, dizia.

Retomada de atividades: inclusão de academias, salões de beleza e barbearia surpreendeu Teich

Ao menos publicamente, Bolsonaro não se mostrava especialmente preocupado com a forma como Teich abordava a questão do isolamento social. Ainda assim, uma reação do ex-ministro em uma coletiva de imprensa deixou transparecer que os dois não estavam totalmente alinhados nesse ponto.

Teich foi avisado por repórteres, durante a coletiva do dia 11 de maio, sobre um decreto do presidente Jair Bolsonaro que incluiu academias, salões de beleza e barbearias na lista de serviços essenciais durante a pandemia da Covid-19. Ao receber a notícia, o ex-ministro deixou claro que não estava a par do assunto.

“Não é atribuição nossa, é uma decisão do presidente”, respondeu ele, sem evitar uma expressão de surpresa.

O que Bolsonaro quer do Ministério da Saúde em relação à cloroquina

Embora o alinhamento de Bolsonaro com Teich em relação ao isolamento social não fosse completo, outro assunto parece ter motivado a cisão entre os dois: a cloroquina. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, Bolsonaro já mandou o general Eduardo Pazuello, ministro interino, assinar um decreto que vai liberar o uso da cloroquina em pacientes com sintomas leves de Covid-19.

Nesta sexta-feira (15), após a demissão de Teich, o Ministério da Saúde publicou uma nota dizendo que "está finalizando novas orientações de assistência aos pacientes com Covid-19" e que "o objetivo é iniciar o tratamento antes do seu agravamento e necessidade de utilização de UTI (Unidades de Terapia Intensiva)", em provável referência à permissão do uso precoce da cloroquina.

O remédio é considerado por alguns médicos e pesquisadores como uma esperança de tratamento para a Covid-19, com base em estudos preliminares.

Em março, dias depois de o presidente norte-americano Donald Trump, aliado de Bolsonaro, declarar que a cloroquina era uma boa opção para tratar o coronavírus, o líder brasileiro também adotou esse discurso.

Durante a gestão de Mandetta, o Ministério da Saúde admitiu recomendar o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina (derivado menos tóxico da cloroquina) em pacientes da doença com sintomas graves. No entanto, defensores do uso do remédio argumentam que ele é menos eficaz se usado só quando a gravidade dos sintomas tiverem aumentado, e defendem a recomendação já para os primeiros dias de sintoma.

Bolsonaro é favorável a essa ideia do uso precoce, defendida por médicos como a imunologista Nise Yamaguchi, que compõe um gabinete de crise do presidente. Tanto Mandetta quanto Teich resistiram a essa ideia.

No dia 23 de abril, em coletiva, Teich deixou clara sua restrição em relação à cloroquina. O ex-ministro disse que a recomendação pelo Ministério só poderia ser feita com "uma evidência científica clara de que o medicamento funciona”.

Boa relação com presidente também é requisito importante

Se não concordar totalmente com as visões do presidente, o novo ministro da Saúde terá o desafio de ao menos conseguir manter uma boa relação com Bolsonaro.

Mandetta se tornou um desafeto público do presidente. Em entrevistas e coletivas de imprensa, os dois trocaram farpas ao longo de semanas, até a demissão do ministro, em 16 de abril. Dez dias antes, auxiliares de Mandetta chegaram a limpar suas gavetas no ministério depois de uma reunião em que ele e Bolsonaro bateram de frente.

No dia 8 de abril, eles ensaiaram uma trégua após reunião particular no Palácio do Planalto, mas a situação ficou insustentável depois que Mandetta concedeu uma entrevista ao programa Fantástico, da TV Globo, com tom crítico às ideias do presidente.

Teich não chegou a entrar no mesmo nível de conflito com o chefe, mas declarações recentes de Bolsonaro já indicavam que o grau de confiança entre os dois não era alto. Depois de um tuíte em que o ex-ministro alertava sobre os efeitos colaterais da cloroquina, Bolsonaro disse à imprensa que conversaria com ele e afirmou: “quando eu converso com os ministros, eu quero eficácia na ponta da linha”.

Em seu discurso de saída, Teich evitou referências ao presidente e aos motivos da demissão.

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