A maioria dos ministros do Supremo hoje é da religião católica.| Foto: Dorivan Marinho/STF

Pela segunda vez em pouco mais de um mês, o presidente Jair Bolsonaro voltou a dizer que pretende nomear um ministro evangélico ao Supremo Tribunal Federal. A primeira vaga deve abrir em 1º de novembro de 2020 quando o decano da Corte, Celso de Mello, completará 75 anos e se aposentará.

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Diferentemente da primeira vez quando questionou, "existe algum, entre os 11 ministros do Supremo, evangélico?", na última quarta-feira (10) Bolsonaro foi ainda mais peremptório: o ministro será “terrivelmente evangélico”, afirmou. Para alguns, isso soou como uma ameaça, para outros como uma esperança.

Até o presidente da República acender os holofotes sobre as crenças religiosas dos magistrados da mais alta corte do país, a discussão para uma nomeação sempre rodou em torno de outros critérios. A Constituição cita como requisitos a idade entre 35 e menos de 65 anos, e “notável saber jurídico e reputação ilibada”.

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“A Constituição determina que o estado é laico e religião não é critério de nomeação. Competência, saber jurídico e reputação ilibada, sim”, afirma Maria Tereza Sadek, professora do departamento de Ciências Políticas da USP. Na avaliação de Sadek, Bolsonaro está falando para agradar seu eleitorado, “como se ainda estivesse em campanha eleitoral”.

Apesar de ser uma qualidade adicional, a professora concorda que religião, assim como outros valores pessoais, tem influência e peso na hora de um magistrado tomar uma decisão. “As leis podem ser interpretadas. Isso a gente já vê: alguns ministros são mais garantistas, ou seja, consideram os direitos individuais acima de quaisquer circunstâncias, enquanto outros são mais consequencialistas”, afirma.

A nomeação de um novo ministro por parte do presidente não é automática. Após a indicação presidencial, o candidato passa por sabatina no senado em que são analisados saber jurídico e currículo. Só após aprovação dos senadores, o presidente marca a data da posse. “O presidente não escolhe sozinho e o Senado não é mero carimbador das escolhas do presidente. Ainda mais nessa nova configuração do Parlamento que, como está mostrando a reforma da Previdência, ganhou mais protagonismo”, avalia a cientista política.

Religião dos ministros

Em junho, o jornal O Estado de S. Paulo apurou que são católicos os ministros do STF Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Edson Fachin (relator de uma das ações sobre a criminalização da homofobia), Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes. Em seu livro Direito Constitucional, Moraes cita o salmo “o Senhor é meu pastor, e nada me faltará...”.

Os ministros Celso de Mello e Rosa Weber não informaram as suas religiões, mas pelo que se sabe nenhum dos dois é evangélico. Já os ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Fux são judeus. Barroso é filho de mãe judia e pai católico, portanto é reconhecido como judeu pela comunidade judaica brasileira.

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“Cresci indo a sinagogas e a igrejas e me sinto bem nos dois ambientes. Sou espiritualizado, medito algumas vezes por dia, mas não sou religioso em sentido formal. Tenho uma religião feita por mim mesmo: tem Torá, Evangelhos, Buda, Aristóteles, Kant e influência de textos de uma organização espiritual chamada Brahma Kumaris, de filosofia oriental”, afirmou Barroso à Folha de S. Paulo.

Na mesma entrevista, Barroso se recusou a comentar a possibilidade de ter um ministro evangélico. “O importante é o conhecimento e a integridade. Há juristas com essas características em todas as religiões ou mesmo sem religião. O Estado é laico”, completou.

No plenário do STF há um crucifixo, o que, na visão de Marco Aurélio Mello, "até certo ponto conflita com o Estado laico". O ministro se define como católico apostólico romano, "muito embora não frequente costumeiramente a igreja". "A fé temos de manter sempre. Ela é que nos dá esperança de dias melhores", afirmou. "É preciso que, no que fazemos, estejamos sempre abençoados até para sair à rua."

Em março desse ano, o STF declarou constitucional o sacrifício ritual de animais em cultos religiosos de matriz africana, como umbanda e candomblé. Segundo a Corte, o entendimento resguarda a liberdade religiosa.