O presidente Jair Bolsonaro não compareceu à Superintendência da Polícia Federal em Brasília para depor às 14h, como determinou nesta quinta-feira (28) o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). O interrogatório integraria o inquérito, aberto pelo próprio ministro em agosto, para apurar o vazamento de uma investigação da Polícia Federal sobre a invasão de sistemas internos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2018. O presidente divulgou detalhes da investigação numa entrevista ao vivo e depois compartilhou os documentos do caso em suas redes sociais.
Pouco após as 14h, o advogado-geral da União, Bruno Bianco, que faz a defesa do presidente, entrou no edifício da PF no Distrito Federal. No mesmo momento, a Advocacia-Geral da União (AGU) protocolou no STF um agravo (recurso) contestando a intimação de Bolsonaro, que permaneceu no Palácio do Planalto. Bianco deixou a superintendência da PF cerca de 30 minutos depois de entrar.
O recurso da AGU pediu que o caso seja levado ao plenário do STF, que poderia derrubar a intimação. Moraes, no entanto, já rejeitou esse recurso. Afirmou que ele foi protocolado fora do prazo e que contrariou uma comunicação anterior da própria AGU de que Bolsonaro iria prestar o depoimento. A decisão, portanto, manteve a intimação, que foi descumprida. Caberá agora ao ministro definir que consequências isso terá.
Moraes intimou Bolsonaro a comparecer presencialmente na PF após receber da Advocacia-Geral da União a comunicação de que ele não iria depor. No fim do ano passado, atendendo a um pedido da própria AGU, o ministro concedeu 60 dias para o presidente escolher local, data e hora para responder ao interrogatório, prazo que se encerra nesta sexta. Diante do aviso de que Bolsonaro não queria mais falar, Moraes determinou sua intimação.
O entendimento da AGU é que Bolsonaro tem direito de não aparecer para depor, e que isso não configura crime comum de desobediência a decisão judicial nem crime de responsabilidade.
A base para isso é uma decisão da própria Corte, de junho de 2018, que julgou inconstitucional a condução coercitiva de pessoas investigadas. O acórdão foi claro ao estabelecer que “a legislação prevê o direito de ausência do investigado ou acusado ao interrogatório. O direito de ausência, por sua vez, afasta a possibilidade de condução coercitiva”.
Dois membros do Ministério Público Federal ouvidos pela Gazeta do Povo avaliam que esse entendimento afasta qualquer cometimento de crime por parte do presidente em razão da ausência. “Ninguém pode ser punido pelo exercício de um direito. Se tem direito ao silêncio, não pode ser punido pelo exercício regular de um direito”, disse à reportagem um deles, o procurador Bruno Calabrich. Ele acrescenta que a decisão de Moraes não se caracteriza uma condução coercitiva. “Ele só disse: já que o presidente não marcou o depoimento, eu designo para amanhã”.
Dentro do STF, a avaliação entre parte dos ministros é que um recurso da AGU, se apresentado de maneira respeitosa e fundamentada, evitará um atrito institucional do Planalto com o STF. Uma ala, no entanto, considera que a intimação proferida por Moraes era desnecessária, uma vez que está consolidado na Corte o entendimento de que um investigado não pode ser obrigado a comparecer a um interrogatório. O ministro determinou a intimação por entender que, mesmo que tenha direito ao silêncio, a pessoa investigada não pode impedir a realização de atos procedimentais do inquérito, como o interrogatório.
Próximos passos da investigação
Em geral, o depoimento do investigado é uma das últimas etapas de um inquérito. Antes disso, a polícia reúne as provas ou indícios que apontam que a pessoa teria cometido o crime, para que só então o delegado confronte a pessoa com esses elementos. Depois disso, ele compõe um relatório final, em que conclui se ela cometeu ou não o delito – pessoas que não têm foro privilegiado no STF e respondem por crimes na primeira instância podem ser “indiciadas” nesta fase, que nada mais é que um atestado formal de que, na avaliação do delegado, elas devem ser denunciadas, tarefa que cabe somente ao Ministério Público.
Em inquéritos que tramitam no STF, o relatório final da investigação elaborado pela PF é encaminhado ao ministro relator, que o repassa à Procuradoria-Geral da República (PGR).
Cabe ao procurador-geral da República, no caso, Augusto Aras, analisar o material e, a partir disso, decidir entre três opções: 1) denunciar a pessoa formalmente ao STF, se concluir que há indícios suficientes de autoria e materialidade de um crime; 2) pedir o arquivamento do caso, se concluir que não há crime – nesse caso, esse pedido tem de ser acatado pelo STF, conforme jurisprudência já firmada na Corte; ou 3) realizar ou pedir que a PF realize mais diligências para aprofundar a investigação, caso suspeite que há crimes, mas que não há indícios suficientes para uma denúncia.
Na investigação sobre Bolsonaro, que trata do vazamento do inquérito sobre o ataque hacker ao TSE, a delegada responsável é Denisse Ribeiro. Ela é considerada uma pessoa de confiança de Moraes e, assim como em outras investigações relatadas pelo ministro, tem respondido diretamente a seu gabinete e faz pedidos ao próprio ministro – ela também tocou a investigação sobre os atos antidemocráticos, que mirava apoiadores de Bolsonaro.
É possível, portanto, que mesmo após essa etapa de interrogatórios, Moraes considere, junto com a delegada, que seja preciso prorrogar por mais tempo o inquérito. Até o momento, assim como em outras investigações semelhantes relatados por Moraes – inquéritos das fake news, dos atos antidemocráticos e das milícias digitais – a PGR tem sido consultada, mas nem sempre suas posições prevalecem no andamento dos casos.
O que diz a AGU em defesa de Bolsonaro
Nesta semana, a AGU pediu que esse inquérito, relacionado ao TSE, fosse encaminhado a Augusto Aras, para que ele pudesse opinar sobre seu arquivamento. A AGU, que faz a defesa de Bolsonaro, entende que ele não cometeu crimes de divulgação de segredo (“divulgar alguém, sem justa causa, conteúdo de documento [...] quando resultar prejuízo para a Administração Pública”, com pena de detenção, de 1 a 6 meses) e violação de sigilo funcional (“revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação”, com pena de reclusão de 2 a 6 anos).
“Está demonstrado nos autos de investigação de que não havia sigilo sobre o inquérito ou segredo decretado judicialmente que obstasse ampla publicidade do que nele contido. O sigilo tão-somente restou decretado posteriormente à realização da live (04/08/2021)”, alegou a AGU, em ofício enviado a Moraes.
O delegado Victor Neves Feitosa Campos, que tocava a investigação sobre o ataque hacker ao TSE até ser afastado por Moraes em agosto do ano passado, disse em depoimento que “não existe nenhuma manifestação judicial quanto a decretação de segredo de justiça”. Acrescentou que só após a entrevista ao vivo de Bolsonaro, um escrivão da PF “alterou, por iniciativa própria, o status de tal inquérito para etiqueta “sigiloso” para evitar acesso ou utilização indevida das informações ali constantes”.
Campos forneceu cópia do inquérito no ano passado ao deputado federal Filipe Barros (PSL-PR), que pediu o material à PF para subsidiá-lo no relatório da proposta de emenda constitucional para adotar o voto impresso no país. O delegado disse que atendeu ao pedido porque, além de não haver sigilo à época, não havia diligências em andamento nem prejuízo à própria investigação sobre o ataque hacker ao TSE.
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