O discurso do presidente Jair Bolsonaro na abertura da assembleia-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), na próxima terça-feira (24), em Nova York (EUA), é um dos momentos mais aguardados pela comunidade internacional. E Bolsonaro faz questão de comparecer, mesmo tendo passado por um procedimento cirúrgico no dia 8.
Normalmente, os discursos dos presidentes brasileiros, que por tradição abrem a assembleia-geral da ONU, não costumam ser aguardados com tanto interesse quanto agora. Mas, com as queimadas na Amazônia, o governo Bolsonaro virou um dos grandes assuntos internacionais das últimas semanas. As principais lideranças do mundo fizeram declarações sobre o tema, e a imprensa estrangeira cobriu de forma intensa os desdobramentos do caso.
Não se trata de um momento qualquer na política externa brasileira, e o presidente leva isso em conta ao optar pela viagem, que foi confirmada na quarta (18) por seu porta-voz, Otávio Rêgo Barros. Se o pronunciamento de agosto sobre a Amazônia em rede nacional serviu para tentar acalmar os ânimos internamente, o discurso na assembleia-geral da ONU é uma oportunidade de fazer o mesmo em âmbito internacional.
Bolsonaro na ONU: "Tá na cara que vou ser cobrado"
Durante pronunciamento pelo Facebook na noite de quinta-feira (19), Bolsonaro reconheceu que vai falar sobre as queimadas. "Nós iremos para Nova York, lá na ONU, para fazer um pronunciamento, e tá na cara que vou ser cobrado. Alguns países me atacam, de forma bastante virulenta, dizendo que sou responsável pelas queimadas no Brasil. Queimada tem todo ano, infelizmente. Quer que faça o quê? Tem. Até por questão de tradição, o caboclo toca fogo para plantar, o índio faz a mesma coisa... Tem aqueles que fazem de forma criminosa também", disse o presidente.
"Estou me preparando para um discurso bastante objetivo, diferente de outros presidentes que me antecederam", prosseguiu Bolsonaro. "Ninguém vai brigar com ninguém lá, pode ficar tranquilo. Vou apanhar da mídia, que sempre tem do que reclamar, e vou falar como anda o Brasil nesta questão. Eles querem desgastar a imagem do Brasil para ver se criam um caos aqui. Quem se dá bem? O pessoal lá de fora. Se a nossa agricultura cair, outros países que vivem disso vão se dar bem."
Em entrevista que havia concedido para a TV Record no último domingo (16), Bolsonaro havia dito que vai adotar um tom conciliatório no discurso, mas não deixará de defender com firmeza a soberania nacional sobre a Amazônia.
Recentemente, Bolsonaro considerou que o presidente da França, Emmanuel Macron, quis questionar a soberania brasileira ao insinuar a possibilidade de dar um "status internacional" à Amazônia em uma reunião do G7, grupo de sete países ricos.
O porta-voz da Presidência, por sua vez, disse que o principal objetivo da presença do Brasil na assembleia-geral da ONU será mudar no cenário internacional a imagem de que o país não cuida do meio ambiente.
De acordo com o jornal O Globo, Bolsonaro também aproveitará o discurso na ONU para atacar as ditaduras de esquerda de Venezuela e Cuba. Muito provavelmente, mudará o tom brando que seu antecessor, Michel Temer, adotou em relação à ditadura do venezuelano Nicolás Maduro nas duas últimas assembleias-gerais.
Parceria com os EUA deve estar no discurso de Bolsonaro na ONU
Nos últimos cinco discursos proferidos por presidentes brasileiros na ONU, os laços comerciais com os Estados Unidos – segundo país que mais importa produtos do Brasil – foram ignorados.
No discurso de 2018, Temer também falou sobre o fortalecimento do Mercosul e em uma "América Latina cada vez mais unida" no relacionamento com a União Europeia e os Brics (grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Ele nem sequer mencionou os Estados Unidos.
Nos discursos de 2014 a 2018, foram citados como parceiros comerciais União Europeia, Mercosul, China, Rússia, Índia, África do Sul, Canadá, Coreia do Sul, Cingapura, Líbano, Marrocos e Tunísia, mas não houve menção aos vínculos brasileiros com os norte-americanos.
Isso deve mudar neste ano, por causa da parceria estratégica entre os governos de Donald Trump e Bolsonaro, que dificilmente deixará de ser abordada.
Possível aceno para UE não desistir do acordo com o Mercosul
Bolsonaro não deve deixar de citar o Brics e o Mercosul. E possivelmente também fará um aceno à União Europeia, que precisa ratificar o acordo comercial fechado recentemente com o bloco sul-americano.
Os europeus condicionaram a parceria comercial com o Mercosul ao compromisso de Bolsonaro de não mudar o Acordo de Paris sobre mudanças climáticas. Tendo em vista a polêmica ambiental da Amazônia e a possibilidade de haver um receio da União Europeia não referendar o pacto comercial com o Mercosul (nesta semana o Parlamento da Áustria recomendou a rejeição do acordo), o presidente brasileiro também poderá aproveitar o discurso na ONU para reiterar o comprometimento do Brasil com o Acordo de Paris.
Como foram os últimos discursos de presidentes brasileiros na ONU
O meio ambiente deve ser o foco do Brasil neste ano, mas também esteve em pauta em discursos recentes proferidos por presidentes brasileiros na assembleia-geral da ONU.
A presidente Dilma Rousseff ressaltou no discurso de 2015 que, nos quatro anos anteriores, seu governo tinha apresentado as quatro menores taxas de desmatamento da história do Brasil. "Nos últimos dez anos, reduzimos o desmatamento em 79%, sem renunciar ao desenvolvimento econômico, nem à inclusão social", afirmou Dilma à época.
Em 2017, o então presidente Michel Temer disse que o Brasil continuaria empenhado na defesa do Acordo de Paris. Afirmou que o desflorestamento era uma questão que preocupava seu governo, e destacou uma diminuição de mais de 20% do desmatamento na Amazônia naquele ano.
No ano seguinte, Temer fez uma comparação com o governo Lula e disse que as taxas de desmatamento naquele ano haviam sido 75% mais baixas do que em 2004. Ressaltou que, em dois anos, seu governo havia dobrado o total das áreas de preservação no Brasil.
No último discurso, além de mencionar a questão ambiental, Temer também falou de "desafios à integridade da ordem internacional" como o isolacionismo e a intolerância de alguns líderes.