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O dia seguinte após o presidente Jair Bolsonaro voltar a chamar a covid-19 de "gripezinha" e pedir à população que retome as atividades, mesmo com orientações de recolhimento vindas de entidades nacionais e internacionais de saúde, começou com mais conflito entre o chefe do Executivo e os governadores, e acabou com uma demonstração de união entre os administradores estaduais.
Após reunião via teleconferência em que participaram 26 dos 27 governadores do país, na noite desta quarta-feira (25), foi divulgada uma carta em que os gestores dos estados pediram a manutenção das medidas restritivas, a suspensão de dívidas com a união e demandaram "serenidade" por parte do presidente da República no combate ao coronavírus.
Bolsonaro também se transformou em tema de críticas de lideranças de outras esferas. A Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) reiteraram a importância das restrições à livre circulação de pessoas — a entidade brasileira disse que o "isolamento vertical" defendido pelo presidente não cabe, ainda, ao Brasil.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), participou da videoconferência com os governadores e cobrou de Bolsonaro uma política para a gestão do isolamento de idosos, defendido por Bolsonaro. E até o vice-presidente da República, General Mourão, destacou a necessidade das medidas de restrição e falou que Bolsonaro "pode ser que tenha se expressado de uma forma que não foi a melhor".
Em meio a ataques e contestações em série, a melhor sinalização dada a Bolsonaro no dia veio por parte do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. "Eu vou deixar muito claro: só saio daqui quando acharem que eu não devo mais trabalhar – quando o presidente achar, porque foi ele que me nomeou –, ou se eu estiver doente, ou no momento em que eu achar que esse período de turbulência tiver passado e eu possa não ser mais útil”, afirmou o ministro, durante entrevista coletiva.
Após o pronunciamento de Bolsonaro no dia anterior e nas primeiras horas do dia 25, o cargo de Mandetta esteve no foco de especulações: membros de seu partido, o DEM, sugeriam que um pedido de demissão se mostrava inevitável diante da "desautorização em público" promovida por Bolsonaro.
Governadores pedem "urgentes medidas"
A carta assinada pelos governadores demanda a ação do governo federal em oito temas: suspensão, por 12 meses, da dívida dos estados com a união; mais crédito do BNDES para médias, pequenas e microempresas; oferecimento de recursos livres a estados e municípios; aprovação do "plano Mansueto" de recuperação fiscal; redução da meta federal de superávit primário; implantação da renda básica de cidadania; apoio do governo federal para compra de equipamentos e insumos para a rede pública de saúde.
O texto foi divulgado após a reunião desta quarta, que foi combinada pelos governadores ainda na noite anterior, logo após a fala de Bolsonaro. Os gestores têm promovido encontros virtuais entre si e devem continuar com a sequência de reuniões, por terem, na maior parte deles, a avaliação de que Bolsonaro não tem tido um bom papel na condução da crise.
"Informamos que os governadores seguirão se reunindo a distância, no modelo de videoconferências – como preconizam as orientações médicas internacionais –, com o objetivo de uniformizar métodos e com vistas a alcançar, em um futuro breve, ações consorciadas, que nos permitam agir no tema de coronavírus e em outros temas", relata outro trecho da carta.
O único governador que não assina o documento e nem participou da reunião foi o do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB). Em nota divulgada à imprensa, o emedebista afirmou que "Bolsonaro tem parte da razão" e que "não é hora de politizar ou polemizar (…) Juízo, paciência e muito apoio das equipes técnicas é o que resolverá esse problema".
Ex-aliados rompem com o presidente
Entre os governadores que assinaram a carta está o de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM). O democrata apoiou Bolsonaro durante as eleições de 2018 e defendia o presidente até poucos dias. Mas entrou em rota de colisão com o bolsonarismo ao condenar as manifestações pró-governo no dia 15 e rompeu em definitivo nesta quarta, por conta do pronunciamento do presidente.
Caiado disse que Bolsonaro estava contrariando a comunidade científica ao desqualificar os pedidos de isolamento e que colocava a população em risco. O governador contestou também a defesa que Bolsonaro fez da cloroquina, substância que, embora tenha apresentado resultados positivos em testes preliminares contra o coronavírus, não é considerada por médicos como um tratamento definitivo contra a doença.
Outro antigo aliado que se distanciou de Bolsonaro por conta do pronunciamento foi o governador de Santa Catarina, Carlos Moisés (PSL). Ele se disse "estarrecido" com a declaração do presidente e pediu à população de seu estado que permaneça em casa.
#Bolsodoria
A reunião entre os governadores foi liderada por João Doria (PSDB-SP), e o paulista, ainda antes do encontro, acabaria se tornando o principal alvo de Bolsonaro no dia.
Em teleconferência realizada no início do dia entre Bolsonaro e os governadores da região Sudeste, o presidente disse ao governador que ele "não tem responsabilidade. Não tem altura para criticar o governo federal, que fez completamente diferente o que outros fizeram no passado. Vossa excelência não é exemplo para ninguém”, declarou. Antes disso, Doria havia dito a Bolsonaro que lamentava o pronunciamento feito pelo chefe de Estado.
Nas redes sociais, Doria prosseguiu as críticas ao presidente, chamando a atitude de Bolsonaro de "decepcionante" e "ataque descontrolado".
Enquanto isso, o Congresso vota
A quarta-feira viu ainda o Congresso Nacional dando continuidade às suas sessões virtuais, com a aprovação de projetos ligados ao combate ao coronavírus. O Senado aprovou de forma unânime uma proposta que permite a estados e municípios usarem de forma livre recursos enviados pelo Ministério da Saúde que não haviam sido aproveitados – a ideia é que as verbas sejam empregadas no enfrentamento da covid-19. E a Câmara analisou propostas como a que garante alimentação a alunos mesmo com a suspensão das aulas e a proteção social para vulneráveis, entre outras.