Entre o fim do recesso parlamentar e o Carnaval, a política nacional foi impactada pela percepção de que o cerco judicial a Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados está se estreitando. A operação Tempus Veritatis, desencadeada pela Polícia Federal (PF) na última quinta-feira (9) e autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal (STF), para investigar suposta tentativa de golpe de Estado, teve como alvo de maior destaque o ex-presidente, resultando no impedimento para ele deixar o país e criando dificuldades para a sua atuação como protagonista do jogo de poder.
Nos dias seguintes, especulações intensas circularam nos corredores do Congresso, entre observadores e na sociedade acerca dos desdobramentos da operação da PF, especialmente em relação à possibilidade de uma prisão iminente de Bolsonaro. Enquanto alguns acreditam que o STF já reuniu os elementos suficientes para solicitar a detenção do ex-presidente, muitos acreditam na opção dos integrante da Corte pela cautela, de modo a permitir evolução mais substancial do inquérito antes de chegar a um veredicto a ser submetido ao plenário.
Mas também tem sido recorrente o comentário de bastidores sobre a delicadeza da situação, considerando a sensibilidade em torno de uma medida tão extrema, especialmente entre os simpatizantes do principal nome do PL, que o veem como vítima de uma implacável perseguição política contra a oposição em geral e a direita em particular. Não por acaso, além da prisão temporária do presidente da legenda, Valdemar da Costa Neto, o STF determinou a incomunicabilidade entre os alvos e até entre os seus próprios advogados.
Na prática, sublinham os líderes oposicionistas, entre os quais o senador Rogério Marinho (PL-RN), as estratégias que estão sendo montadas pelo maior partido de oposição do país foram prejudicadas pelo Judiciário, com apoio do Planalto. Uma das expectativas dos aliados do Planalto, que era um distanciamento do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), apoiado por Bolsonaro na corrida pela reeleição, não se concretizou. Pelo contrário, em fez um apelo para que a Justiça e os formadores de opinião levem em conta a presunção de inocência do ex-presidente.
Críticos veem excessos do STF em decisões contra Bolsonaro
Além disso, existem receios de contestações quanto à possibilidade de condenação de um réu sem foro privilegiado, condição atual de Bolsonaro, o que alguns interpretam como um reflexo do atual estágio de ativismo judicial. Esse avanço reiterado contra garantias da defesa já recebe críticas inclusive da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que passou a se queixar de excessos contra os réus em processos relacionados aos atos de vandalismo do 8 de Janeiro. O ministro aposentado do STF Marco Aurélio Mello criticou a operação da PF que mirou Bolsonaro, considerando a decisão de Alexandre de Moraes como "extremada". Em entrevista à revista Veja, lamentou que a operação tenha "enxovalhado" o perfil "de um cidadão".
A Tempus Veritatis, baseada na delação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente, tem grande parte dos investigados entre integrantes das Forças Armadas, outro aspecto também considerado inédito e politicamente sensível por muitos analistas. No entanto, parlamentares da oposição destacam que o principal pano de fundo é mesmo uma interferência deliberada nos planos partidários para as eleições municipais, especialmente do PL. O STF determinou a incomunicabilidade entre os alvos da operação, incluindo seus advogados, o que, na prática, desarticulou estratégias do maior partido de oposição, com o apoio do Planalto.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PL), ao ser cobrado pela oposição para reagir às invasões do Judiciário nos gabinetes de deputados do PL e se pronunciar sobre a Tempus Veritatis, esquivou-se, dizendo que o Congresso não pode nada fazer sobre ações da PF e do STF. Ele rejeitou, contudo, a inclusão do partido de Bolsonaro como objeto de investigação, defendendo a necessidade de "partidos fortes para a democracia". O presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), assim como Lira, tem preferido o silêncio diante das cobranças da oposição sobre a nova etapa de ativismo judicial. Para dificultar ainda mais as demandas de oposicionistas, o retorno efetivo das atividades pós-Carnaval deve ocorrer apenas na próxima semana.
Fora do poder, Bolsonaro é alvo de várias investidas da Justiça
Desde que deixou a Presidência, Bolsonaro enfrenta diversas investigações, incluindo aquela que o tornou inelegível no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), envolvendo uma reunião com embaixadores para avaliar o sistema eletrônico de votação. Além dos supostos casos de desvio de joias, falsificação de cartão de vacina e aparelhamento da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), entre outros, a investigação sobre uma suposta tentativa de golpe de Estado é considerada a mais grave, aquela que pode levar à prisão.
Bolsonaro e seus aliados argumentam, contudo, que as operações da PF visam excluí-lo do cenário eleitoral de 2024 e 2026. Para se defender, Bolsonaro convocou um ato público na Avenida Paulista, em São Paulo, para a tarde de 25 de fevereiro, último domingo do mês. Além de querer rebater "todas as acusações dos últimos meses", ele pediu a presença de milhares de apoiadores para proporcionar uma “defesa do Estado Democrático de Direito” e “uma foto”, em outras palavras, uma demonstração de alentado apoio popular. Nesse particular, destacou que os apoiadores não devem levar cartazes e faixas contra “quem quer que seja”.
A advertência pode ser uma prevenção contra as recorrentes acusações de que Bolsonaro promove “incitações” contra as instituições. Não faltaram críticos que vissem na convocação uma forma de ele se refugiar de uma prisão iminente. Por precaução, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro cancelou a turnê que faria esta semana nos Estados Unidos, em razão dos últimos acontecimentos.
Indícios de trama golpista vistos pela PF e STF são contestados
Durante a operação da PF, agentes encontraram no escritório de Bolsonaro, em Brasília, o que seria a minuta de um discurso de anúncio de decreto de estado de sítio no país. No entanto, esse documento já estava presente em outro inquérito, chamado de "minuta do golpe", e foi pedido por ele aos advogados com acesso aos autos para ser impresso e lido. Quanto ao vídeo da reunião ministerial de julho de 2023, onde estaria sendo discutida a trama golpista, a recepção entre os seguidores de Bolsonaro foi positiva, interpretando-a como preocupação com os rumos do país após as eleições.
A PF, por sua vez, insiste numa "dinâmica golpista" nas falas da reunião, na troca de mensagens e em outros indícios. Embora haja indícios consistentes, analistas acreditam que a prisão de Bolsonaro ainda este ano poderia transformá-lo em um mártir, sendo uma medida a ser considerada apenas em caso de condenação judicial. Mas o surgimento de mais dados e alegações de obstrução da Justiça podem precipitar uma decisão pela privação de sua liberdade.
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