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Bolsonaro e os três chefes das Forças Armadas: decreto para o Exército ter aviões provocou oposição da Aeronáutica.
Bolsonaro e os três chefes das Forças Armadas: decreto para o Exército ter aviões provocou oposição da Aeronáutica.| Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

O presidente Jair Bolsonaro resolveu revogar na sexta-feira (6) o Decreto 10.386/2020 que permitia ao Exército voltar a ter aeronaves de asa fixa depois de receber críticas de militares da Força Aérea Brasileira (FAB). O recuo está publicado no Diário Oficial da União (DOU) desta segunda-feira (8). O ato restaura a vigência do Decreto 93.206/1986, que dava ao Exército a permissão para operar apenas helicópteros.

O novo decreto havia sido recebido com críticas à "oportunidade da medida" pelos brigadeiros num período de crise econômica, em que as verbas para a Defesa são escassas. Também alegaram que a decisão poderia afetar a operação conjunta das duas Forças. Até então, decreto de 1986 permitia ao Exército operar apenas helicópteros.

"O problema não é o Exército ter sua aviação, mas o momento da decisão, que não é oportuno", afirmou o tenente-brigadeiro-do-ar Sérgio Xavier Ferolla, ex-presidente do Superior Tribunal Militar (STM).

Os custos de manutenção de uma aviação são considerados altos. Os brigadeiros ouvidos pela reportagem citavam o exemplo da Marinha, que depois de décadas de disputas com a FAB obteve o direito de operar aviões em seu porta-aviões São Paulo. Depois que o navio aeródromo foi aposentado pela Força, a aviação de caça naval, com duas dezenas de A-4 Skyhawk, ficou sediada em terra, na base de São Pedro da Aldeia, no Rio.

Um coronel da FAB, que pediu anonimato, reclamou dos termos abrangentes do decreto presidencial, que permitiriam no futuro que o Exército tivesse qualquer tipo de aeronave, não só as de transporte de tropa. Ferolla afirmou não se opor à ideia de o Exército ter aviação de asa fixa.

O brigadeiro, hoje na reserva, esteve entre os oficiais responsáveis por ajudar o Exército a montar sua base de helicópteros, na sede da Aviação do Exército, em Taubaté (SP). O episódio encerrou então uma disputa de quase 20 anos, desde que o Exército buscara em 1969 pela primeira vez comprar helicópteros Bell H-1H.

Com a decisão de criar a tropa aeromóvel, o Exército foi autorizado em 1986 por decreto a ter helicóptero. “ Hoje, o Exército é o maior operador do país de aeronaves de asas rotativa”, disse o deputado federal, general Roberto Peternelli (PSL-SP), que comandou a Aviação do Exército. Segundo ele, a intenção da Força é usar aeronaves em apoio logístico na Amazônia. “Muitas vezes a FAB tem prioridade distintas. E pode ser necessário o Exército fazer evacuação aeromédica.”

Recentemente, o tema passou pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, quando o general Alberto Santos Cruz era assessor especial da pasta. O plano foi exposto em uma reunião no Comando da Aeronáutica. A demanda do Exército era por maior autonomia e pronta resposta nas tarefas que exigem transporte aéreo.

“A FAB argumentou que bastava que fosse feito um aporte de dinheiro na sua infraestrutura logística para aumentar a disponibilidade dos meios”, lembra um brigadeiro, ex-integrante do Alto Comando. Em 2018, foi anunciada a intenção de compra de oito aviões Sherpa Short C-23, bimotores modernizados. Podem transportar 3,5 toneladas de carga ou 30 passageiros. Desmobilizados do Exército americano, seriam financiados por meio de operação de crédito do governo dos EUA de valor não revelado. O Exército não confirma o cronograma de entregas.

Decreto rende críticas ao ministro da Defesa

O tenente-brigadeiro Nivaldo Rossato, ex-comandante da FAB, enviou aos colegas brigadeiros um documento no qual critica duramente a atual gestão do Ministério da Defesa, após a edição do decreto de Bolsonaro.

No documento de duas páginas, Rossato afirma que, "em sendo aceita a vontade do Exército Brasileiro, ficaria patente a dificuldade do Ministério da Defesa de otimizar os recursos e validar a tão sonhada complementaridade de nossas Forças Armadas".

O documento de Rossato, com o título Asa Fixa do Exército diz que, em 2017, a possibilidade de dar ao Exército aviões foi discutida em reunião do Ministério da Defesa com a presença do ministro, dos comandantes das três Forças e do chefe do Estado-Maior Conjunto. "O comando da Aeronáutica, apresentando fundamentadas razões, posicionou-se contrário à decisão unilateral do Exército."

Rossato não diz, mas a Aeronáutica não foi a única a ser contrária à medida. Documento feito pelo general Santos Cruz apresentado um ano antes ao Estado-Maior do Exército, também afirmava que a aviação de asa fixa devia permanecer com a Aeronáutica. As razões, além da economicidade, eram a necessidade de operação conjunta e interoperabilidade das Forças.

Uma das lições aprendidas num teatro de operações moderno era o da Guerra das Malvinas, em 1982, em plena Guerra Fria, onde as ações conjuntas argentinas fracassaram, levando à derrota na guerra para os britânicos.

Oficiais ouvidos pela reportagem creditam ao ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, a iniciativa de dar ao Exército a aviação de asa fixa. Ex-comandante da Brigada Paraquedista, Azevedo e Silva assinou o decreto em companhia de Bolsonaro, outro ex-paraquedista. A brigada depende dos aviões da FAB para parte de seus deslocamentos.

Na carta de Rosatto, o ex-comandante da Aeronáutica afirma que as "razões do posicionamento da Força Aérea são facilmente identificadas e reforçadas pela gênese da Força e do Ministério da Defesa, associados à sempre indispensável necessidade de otimização dos parcos recursos para que nosso País mantenha uma mínima capacidade dissuasória".

Outro tenente-brigadeiro ouvido foi ainda mais enfático. Segundo ele, enquanto a FAB tiver aviões parados por falta de recursos não é momento de o Exército ter sua aviação. Capitães são afastados do voo por não haver esforço aéreo suficiente para que possam voar, ainda segundo esta fonte.

Rossato fez um balanço da situação da Força que comandou até janeiro de 2019. "A Força Aérea tem uma frota de 100 aviões de transporte, com potencial de voar acima de 50 mil horas anuais. Entretanto, consegue voar pouco mais da metade deste esforço aéreo por absoluta falta de recursos financeiros que poderiam ser priorizados pelo Ministério da Defesa".

Para ele, "alocar recursos de dezenas de milhões de dólares para treinar tripulações, adquirir e adequar aeronaves para o Exército enquanto dezenas de aeronaves da Força Aérea estão paradas por falta destes mesmos recursos chega a ser um acinte no momento em que as dificuldades orçamentárias comprometem a missão das Forças Armadas".

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