O presidente Jair Bolsonaro garantiu na manhã desta segunda-feira (29) que não será criado um imposto sobre as igrejas. O comentário foi uma reação à entrevista que o secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, deu à "Folha de S.Paulo".
Na entrevista, Cintra afirmou que um novo imposto chamado Contribuição Previdenciária (CP) – uma nova forma de financiar a Previdência Social – será cobrado de todas as transações, bancárias ou não, com alíquota de 0,9%. Tal contribuição será dividida entre as duas "pontas" da operação: será cobrado 0,45% de quem paga e 0,45% de quem recebe.
Segundo o secretário, o novo tributo não será uma "nova CPMF" porque será permanente e "muito mais amplo". "Todo mundo vai pagar esse imposto, igreja, a economia informal, até o contrabando". "Abarcará qualquer transação envolvendo pagamentos, até escambo", acrescentou.
Cintra garantiu, no entanto, que não haverá aumento de carga tributária, pois o novo tributo vai substituir a atual contribuição à Previdência Social do empregador, que equivale a 20% da folha de pagamento de cada empresa, e do empregado, que varia de 8% a 11% do salário: "Ela vai substituir impostos perniciosos, será compatível com o mundo digital e vai pegar todo mundo".
Mais adiante, Cintra estimou que, ao deixar de tributar a folha de pagamento, o governo deixará de tirar dos salários cerca de R$ 350 bilhões por ano. "Vai ser pecado tributar salário no Brasil", afirmou.
A reação de Bolsonaro
Apesar das ressalvas feitas por Cintra, de que a carga total de impostos não subirá, Bolsonaro decidiu gravar um vídeo para enfatizar que as igrejas não serão alcançadas por novos impostos.
"Fui surpreendido nesta manhã por uma declaração do nosso secretário da Receita, de que seria criado um novo imposto para as igrejas. Eu quero me dirigir a todos vocês dizendo que essa informação não procede. Em nosso governo, nenhum novo imposto será criado, em especial contra as igrejas, que além de terem um excelente trabalho social prestado a toda comunidade, reclamam eles, em parte com razão no meu entendimento, que há uma bitributação nessa área", disse Bolsonaro em vídeo inicialmente veiculado pelo próprio Marcos Cintra no Twitter. "Então, bem claro: não haverá um novo imposto para as igrejas."
Cerca de uma hora e meia depois, Bolsonaro postou o mesmo vídeo em seu perfil no Twitter, com a seguinte frase: "Nenhum novo imposto será criado. Jair Bolsonaro, PR".
Não é a primeira vez que Bolsonaro se incomoda com declarações de Marcos Cintra. Em novembro, presidente eleito, reclamou de um artigo em que Cintra – que havia sido recém-indicado para compor a equipe de transição do novo governo – falava justamente sobre um imposto semelhante à CPMF, que substituiria outras formas de tributação.
Naquele episódio, Bolsonaro ameaçou demitir o futuro secretário da Receita. "Esse cara já foi deputado e está lá na equipe de transição. Já falei com ele para não falar aquilo que não tiver acertado com o [Paulo] Guedes [futuro ministro da Economia] e comigo. Parece que certas pessoas não podem ver uma lâmpada que se comportam como mariposa", disse o presidente eleito. "A decisão que eu tomei, quem criticar qualquer um de nós publicamente, eu corto a cabeça", acrescentou.
"Folha" se equivocou, diz Cintra
Em postagens no Twitter após a veiculação da entrevista, Cintra atribuiu à "Folha de S.Paulo" a afirmação de que haverá elevação de impostos.
O secretário criticou o fato de o jornal não destacar em sua manchete que o novo imposto vai substituir a contribuição à Previdência cobrada hoje de empregadores e empregados. Segundo ele, a matéria foi "excelente", mas a manchete, "execrável".
Na entrevista, questionado se "nem dízimo de igreja" escaparia da nova CP, Cintra admitiu que "essa é uma questão polêmica" e que iria propor que ela estivesse no novo imposto, mas que "ainda vamos discutir posteriormente".
Os jornalistas insistiram no tema, afirmando que os parlamentares ligados a igrejas vão reclamar. Ao que o secretário da Receita respondeu: "De novo. Vou propor o fim de toda e qualquer imunidade ou isenção. Se ela for concedida, que seja uma escolha objetiva e paga pelo Orçamento [do governo federal]".
Igrejas são imunes a impostos. Mas não a todos os tributos
Hoje as igrejas são imunes a impostos – mas não a todos os tributos.
O artigo 150 da Constituição afirma, em seu inciso VI, que União, estados e municípios não podem instituir impostos sobre "templos de qualquer culto". Mais adiante, no entanto, o parágrafo 4º estabelece que tal vedação compreende somente "o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades".
Como a imunidade prevista na Constituição é relativa a "impostos" (uma das várias modalidades de tributos) cobrados sobre patrimônio, renda e serviços, não se estende automaticamente a "taxas" (lixo, água, etc) nem a "contribuições". Em condições normais, portanto, as igrejas têm de recolher a contribuição à Previdência.
Por outro lado, estão livres de pagar tal contribuição as organizações que comprovarem ser "entidades beneficentes de assistência social", também chamadas de "filantrópicas".
Novo imposto contraria a reforma da Previdência
Na entrevista à "Folha", Marcos Cintra foi questionado se a eliminação da atual contribuição à Previdência, a ser substituída pela nova CP, não vai contra a reforma previdenciária proposta pelo próprio governo – mais especificamente, pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, chefe de Cintra.
Em resposta, Cintra disse que a reforma da Previdência "não trata das receitas, não vai a fundo na questão da sustentabilidade da arrecadação". "Vamos acabar com a contribuição de 20% das empresas ao INSS e extinguir as alíquotas dos funcionários, que variam de 8% a 11%. Isso não faz mais sentido em um mundo onde as relações de trabalho mudaram, onde você tem o autoemprego, o trabalho de aplicativos como o Uber", disse Cintra.
Mas não é verdade que a reforma da Previdência "não trata das receitas", como disse Cintra. O texto proposto pelo governo altera a contribuição feita pelos empregados, que Cintra promete extinguir. Pelo texto que está em discussão no Congresso, as menores alíquotas, hoje de 8%, serão reduzidas para 7,5%. Por outro lado, os trabalhadores mais bem remunerados serão mais tributados: o desconto total do salário, hoje de no máximo 11%, será elevado para até mais de 16%, conforme a remuneração.
Simulação feita pela Instituição Fiscal Indepentente (IFI) conclui que, se a reforma for aprovada, quem hoje ganha mais de R$ 4,5 mil passará a contribuir com alíquota maior que a atual (11%). O mesmo ocorrerá para as faixas de renda entre R$ 1.500 e R$ 1.752 e entre R$ 2.500 e R$ 2.920. Para as demais faixas de renda, o desconto no salário será menor que o atual.
Essa combinação faz com que, se a reforma for aprovada, o governo passe a arrecadar mais no regime previdenciário dos servidores públicos (um ganho de R$ 27,7 bilhões em dez anos) e menos com o INSS (uma perda de arrecadação de R$ 28,4 bilhões em dez anos), segundo cálculos divulgados pelo Ministério da Economia na semana passada.
Uma calculadora desenvolvida pelo governo ajuda o trabalhador a simular qual é sua contribuição à Previdência hoje e qual será em caso de aprovação da reforma.