A indicação do presidente Jair Bolsonaro para substituir o ministro Celso de Mello no Supremo Tribunal Federal (STF), cuja aposentadoria está marcada para 13 de outubro, é vista por integrantes do Palácio do Planalto como uma chance para se iniciar uma guinada ideológica na Corte. A ideia de Bolsonaro é fazer do STF um tribunal conservador. Ou, na pior das hipóteses, em uma corte em que haja mais equilíbrio entre os pensamentos de esquerda e da direita.
Esse é um dos poucos assuntos em que há convergência de pensamento entre as chamadas alas ideológica e militar do governo. Bolsonaro, generais e assessores que partilham da linha de pensamento do escritor Olavo de Carvalho acreditam que o Supremo vive um momento de unicidade de pensamento, mais aliado aos ideais progressistas; e que isso não é saudável para a democracia brasileira.
Integrantes do Palácio do Planalto e líderes do Senado acreditam que uma eventual indicação de Kassio Nunes Marques, desembargador do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF-1), seria o primeiro passo nessa direção, apesar de ele ser visto com desconfiança por integrantes da ala ideológica do governo e por parlamentares conservadores por ter liberado a licitação das lagostas no Supremo e por ter votado a favor da não extradição do terrorista Cesare Battisti para a França.
Deputados bolsonaristas e integrantes da Direita acreditam que o desembargador está mais alinhado aos ideais da esquerda e não teria comprometimento com pautas conservadoras, principalmente na área de costumes. Do outro lado, membros do Palácio do Planalto acreditam que, para esta primeira indicação, é necessário o nome de um conservador mais "light", de forma que ele seja aprovado de forma mais simples pelo Senado. E que, a partir da segunda indicação, o governo teria mais liberdade para atender à sua base parlamentar e ideológica.
A ideia de Bolsonaro e aliados é que o STF tenha uma conformação mais parecida com a da Suprema Corte norte-americana, que historicamente é dividida entre progressistas e conservadores. Antes da morte da juíza Ruth Bader Ginsburg, considerada líder da ala liberal da Suprema Corte dos Estados Unidos, o tribunal tinha cinco ministros nomeados por republicanos e quatro nomeados por democratas. Apesar disso, havia um certo equilíbrio, pois o presidente da Corte, John Roberts, oscilava entre decisões consideradas progressistas e conservadoras.
No Brasil, dos 11 ministros em exercício, sete foram indicados por governos petistas: Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux (o atual presidente da Corte), Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin. Celso de Mello foi indicado por José Sarney; Marco Aurélio Mello, por Fernando Collor; Gilmar Mendes, por Fernando Henrique Cardoso; e Alexandre de Moraes, por Michel Temer.
Apesar disso, assessores do STF alegam nos bastidores que ter sido indicado por determinado governo não necessariamente significa que os juízes brasileiros se alinham em suas decisões com a visão do partido ou de seu padrinho no Supremo.
Um exemplo é a ministra Cármen Lúcia. Indicada por Luiz Inácio Lula da Silva, ela tem aplicado várias derrotas ao ex-presidente desde quando assumiu o cargo no Supremo. A ministra inclusive trabalhou pela manutenção da prisão após decisão de segunda instância – contra, portanto, o entendimento do PT e de Lula. "O presidente não pode perder essa oportunidade de replicar no Brasil o que ocorre nos Estados Unidos. Colocar um conservador de fato agora é essencial para um maior equilíbrio no STF", defende o presidente da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), o advogado Uziel Santana.
O plano de Bolsonaro para o Supremo
Para conseguir o equilíbrio de forças no STF, integrantes do Palácio do Planalto trabalham com a união de dois cenários: uma eventual reeleição de Bolsonaro ligada à revogação de uma emenda constitucional, cuja proposta está em tramitação na Câmara dos Deputados; ou a reeleição de Bolsonaro aliada a uma eventual eleição de um sucessor.
Em seu primeiro mandato, Bolsonaro terá a oportunidade de indicar substitutos para dois ministros: Celso de Mello, agora em outubro, e Marco Aurélio Mello, cuja aposentadoria acontecerá até junho do ano que vem, quando completará 75 anos. Caso Bolsonaro venha a se reeleger (para o mandato 2023-2026), ele poderá indicar ainda os substitutos de Ricardo Lewandowski e Rosa Weber. Ambos se aposentam em 2023.
Além desses quatro, o Planalto acredita que o governo Bolsonaro (ou um sucessor dele) teria condições de indicar os substitutos do atual presidente do Supremo, Luiz Fux, de Cármen Lúcia e de Gilmar Mendes. Esses ministros se aposentam em 2028, 2029 e 2030, respectivamente. Mas, para isso, Bolsonaro precisaria não somente se reeleger, como também fazer seu sucessor. Um movimento semelhante ao que ocorreu com o PT, quando o partido elegeu e reelegeu Lula e Dilma Rousseff – o que garantiu ao partido pouco mais de 13 anos no governo.
Além disso, integrantes do governo acreditam em outro cenário que poderia antecipar essa guinada no Supremo: a revogação da Emenda Constitucional 88, resultante da chamada PEC da Bengala, que aumentou de 70 para 75 anos a idade da aposentadoria compulsória dos ministros do Supremo Tribunal Federal.
A revogação da emenda diminuiria a idade para os ministros terem de obrigatoriamente deixar o STF. Em tese, dependendo do texto que venha a ser aprovado, isso poderia permitir a Bolsonaro indicar mais dois ministros ainda neste seu primeiro mandato (além dos dois a que já tem direito); e outros três caso se reeleja.
Apresentada pela deputada Bia Kicis (PSL-DF), a proposta está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara desde dezembro de 2019 e tem como relatora a deputada Chris Tonietto (PSL-RJ). Hoje, não existe movimento na Câmara para viabilizar a aprovação da PEC, mas membros do governo acreditam que, com a ajuda de deputados do Centrão, ela pode ser aprovada nos próximos dois anos.
Para o deputado federal Bibo Nunes (PSL-RS), um dos principais aliados do governo Jair Bolsonaro, as mudanças que devem ser implementadas pelo presidente vão “oxigenar” o ambiente no Supremo. “Em geral, temos um viés extremamente progressista e às vezes até esquerdista dentro do Supremo. Mudanças são sempre bem-vindas. Até para que a Corte volte a julgar mais e fazer menos política”, diz o parlamentar.
“Quando o presidente fala de indicar uma pessoa ‘radicalmente evangélica’ ao Supremo, o presidente sinaliza exatamente que pretende fazer uma mudança importante para o perfil da Corte. Ele não quer um pastor. Ele quer uma Corte mais plural. Agora, o presidente precisa dar os passos certos. Se investir em um nome mais neutro do que se imaginava agora é importante para abrir portas no futuro. As mudanças requerem calma”, afirmou à Gazeta do Povo um importante assessor palaciano que está envolvido diretamente nas negociações para o STF junto ao presidente, sob a condição de anonimato.
O criminalista e professor livre-docente de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP Pierpaolo Cruz Bottini afirma que é natural que o Supremo tenha uma visão diferente a partir de agora, com as mudanças que devem ser implementadas pelo presidente.
Entretanto, ele alerta que, diferentemente da Suprema Corte norte-americana, uma mudança no perfil ideológico do Supremo não é tão simples assim. “No Brasil, deve-se analisar caso a caso, tema a tema. Existem ministros que são progressistas na aplicação penal e conservadores nos costumes. Ou conservadores na aplicação penal e judicial e progressistas nos costumes. O perfil ideológico vai influenciar julgamentos como os ligados a aborto, união homoafetiva, entre outros nessa linha. Mas os perfis ideológicos dos ministros no Brasil são menos claros do que nos Estados Unidos”, afirma Bottini.
Ministros do STF dizem que problema não é o perfil, mas o saber jurídico
Internamente, os ministros do STF acham saudável uma mudança no perfil do tribunal. Para eles, o problema não está ligado a alinhamentos ideológicos com determinados temas, mas a uma eventual falta de notório saber jurídico ou o comprometimento com a agenda de um partido ou de um líder político.
Por essa razão, uma futura indicação do desembargador Kassio Nunes Marques foi bem recebida pelos integrantes do Supremo. Ele é visto como um homem de notório saber jurídico e que poderia agregar valor ao Supremo.
O novo favorito para o Supremo também teria uma posição mais conservadora na Corte. Ele já se posicionou a favor de grupos religiosos em questões referentes à liberdade de culto. Apesar disso, seus posicionamentos sobre outros temas da agenda conservadora – como casamento LGBT e proibição do aborto – são uma incógnita. E é justamente isso que incomoda a base popular do presidente.
Além disso, dos atuais cotados para a vaga de Celso de Mello, os integrantes do Supremo também têm simpatia pelo nome de André Mendonça, atual ministro da Justiça. Mendonça é defendido pela Anajure, por exemplo, e também por deputados bolsonaristas e integrantes da bancada evangélica na Câmara.
O presidente Jair Bolsonaro, pessoalmente, já disse a assessores que gostaria de ver o amigo Jorge Oliveira, ministro da Secretaria-Geral da Presidência, no STF. Mas Oliveira sofre resistências dentro da Suprema Corte, do Senado e da própria militância bolsonarista.
Os ministros do Supremo reconhecem nos bastidores, porém, que a legislação brasileira dá carta branca ao presidente da República na escolha para o STF. Em caráter reservado, um ministro disse à Gazeta do Povo: “São os Poderes Executivo e Legislativo que precisam fazer esse crivo, não nós”. A indicação do presidente tem de ser aprovada pelo Senado.
Em toda a história da República brasileira, o Senado vetou indicações presidenciais para o Supremo apenas durante o governo de Floriano Peixoto, no final do século 19. Na época, ele fez cinco indicações ao STF. Todas foram barradas por falta de notório saber jurídico: as do médico Barata Ribeiro, dos militares Innocêncio Galvão de Queiroz, Ewerton Quadros e Antônio Sève Navarro, e ainda de Demosthenes da Silveira Lobo.
Pela lei, um indicado ao Supremo precisa atender a três quesitos: notório saber jurídico, reputação ilibada e ter entre 35 e 65 anos.
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