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O ex-presidente da República Jair Bolsonaro em evento com o ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel e o senador Flávio Bolsonaro, no Palácio do Planalto, em 2019
O ex-presidente da República Jair Bolsonaro em evento com o ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel e o senador Flávio Bolsonaro, no Palácio do Planalto, em 2019| Foto: : Valter Campanato / Agência Brasil / Arquivo

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sugeriu que advogadas do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) conversassem, em 2020, com os chefes do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) e da Receita Federal para tentar rastrear acessos supostamente irregulares e ocultos a dados bancários do parlamentar que resultaram na investigação da “rachadinha”. A conversa, gravada, foi divulgada nesta segunda-feira (15) pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Jair Bolsonaro: “Ninguém tá pedindo favor aqui. [inaudível] é o caso de conversar com o chefe da Receita. O Tostes [José Barroso Tostes Neto].”

Num momento seguinte, o ex-presidente fala também em acionar o então presidente do Dataprev, Gustavo Canuto, para descobrir quem teria acessado, na Receita, os dados sigilosos de Flávio, e que mais tarde alimentaram a investigação sobre o suposto desvio de salários de funcionários quando ele era deputado estadual no Rio de Janeiro.

O Dataprev é um órgão da Previdência e é possível que Bolsonaro tenha confundido com o Serpro.

Jair Bolsonaro: “É o zero um dos caras. Era ministro meu e foi pra lá. Sem problema nenhum. Sem problema nenhum conversar com ele. Vai ter problema nenhum conversar com o Canuto.”

Luciana Pires: “Serpro?”

Luciana Pires: “Então ótimo.”

Jair Bolsonaro: “É o caso conversa com o Canuto?”

Luciana Pires: “Sim, sim.”

Luciana Pires: “Com um clique”

Luciana Pires: “Olha, em tese, com um clique você consegue saber se um funcionário da Receita informou [inaudível] esses acessos lá.”

Nesse momento, o então chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, que também participava da reunião, se dirige a Luciana, advogada de Flávio.

Augusto Heleno: “Tentar alertar ele que, ele tem que manter esse troço fechadíssimo. Pegar gente de confiança dele. Se vazar [inaudível]”

Jair Bolsonaro: “Tá certo. E, deixar bem claro, a gente nunca sabe se alguém tá gravando alguma coisa. Que não estamos procurando favorecimento de ninguém.”

Bolsonaro, em algumas falas, diz que, nas conversas das advogadas com as autoridades, não haveria nenhum favorecimento.

Jair Bolsonaro: "Nós não estamos procurando o favorecimento de ninguém. Nenhuma pessoa aqui teve qualquer conversa pra 'vamos dar um jeitinho'. Nada, nada, nada."

Em uma de suas falas às advogadas, Bolsonaro perguntou qual seria o objetivo da suposta perseguição a Flávio, sugerindo que seria para atingi-lo. Diz então que não havia nada contra ele.

Jair Bolsonaro: “E no final de tudo, sabe o que eu te digo? Porque, por exemplo, eu não tenho nada. É para atingir moralmente. Eu não devo nada. O único imóvel meu comprei em 2011.”

A reunião, ocorrida em 25 de agosto de 2020, foi gravada pelo deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), que, na época, era diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). O áudio estava num celular dele apreendido pela PF na investigação sobre uma “estrutura paralela” que teria sido montada por ele na Abin para produzir dossiês contra desafetos e rivais de Bolsonaro. A investigação é conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes, no STF.

As irregularidades na Receita, segundo as advogadas de Flávio Bolsonaro

Durante toda a reunião, que dura uma hora e oito minutos, as advogadas de Flávio – Luciana Pires e Juliana Bierrenbach – explicam a Bolsonaro, Ramagem e Heleno que haveria um grupo de auditores na Receita no Rio de Janeiro que vasculhariam, de forma irregular, dados sigilosos de alvos determinados, com fins políticos. Segundo elas, Flávio estaria sendo vítima desse esquema por ser filho do presidente da República, enquanto outros deputados estaduais investigados estariam impunes.

Luciana Pires: “Tudo que acontece com o Flávio nunca aconteceu com nenhum parlamentar em nenhum lugar, muito menos o Rio de Janeiro. E a gente descobriu coisas assim, muito graves, a gente chegou à conclusão que o RIF do Flávio foi encomendado.”

RIF é a sigla de Relatório de Inteligência Financeira, documento produzido pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão do governo que recebe de bancos, casas de câmbio e joalherias dados de movimentações atípicas. Esses dados são repassados para o Ministério Público, que pode com isso abrir investigações criminais para apurar melhor se as transações indicam lavagem de dinheiro, desvios de dinheiro público e corrupção, por exemplo. Da mesma forma, a Receita pode analisar transações e dados fiscais para alertar o MP.

Em outra parte da conversa, a advogada Juliana Bierrenbach explicou a Bolsonaro, Heleno e Ramagem como agiria o grupo de auditores da Receita.

Juliana Bierrenbach: “Quem são os desafetos e inimigos? Quem eles elegerem, ou politicamente, ou por questões financeiras. Eu cheguei a verificar que existe um deles, que eu não tenho certeza absoluta do que eu estou dizendo, mas me parece que tem uma casa na Gávea, eu já tenho até foto da casa. Uma casa que vale 15 milhões, alguma coisa assim. Enfim. E aí eu consegui verificar o seguinte, que todas às vezes que se tentou, é, denunciar essa organização, outras, outros órgãos, não os [inaudível]. Mas são pessoas que estão lá, há 14, 15 anos, né.”

Ramagem disse que não seria correto apurar irregularidades via GSI

Durante a reunião, as advogadas de Flávio Bolsonaro relatam a dificuldade para poder comprovar as irregularidades e sugerem que o GSI, ao qual estava subordinada a Abin, tentasse descobrir quem eram os auditores que estariam fazendo os acessos irregulares. Ramagem, que também é delegado da Polícia Federal, busca convencer os demais que não haveria como acessar os dados por meio do sistema de inteligência do governo, e que o melhor caminho seria pelo Serpro e pela Receita.

Alexandre Ramagem: “Se vier pela via do GSI, não é o mais correto. Por quê? Porque são dados diferentes, de inteligência, dados ordinais. Nós estamos numa celeuma. A inteligência está sendo atacada, o STF, não está num bom momento para isso. Mas, esses dados é, fiscais e bancários que eles vão colocar como sigilo. Então o GSI não vai ter acesso, por uma questão de barreira do próprio Ministério da Economia. O próprio Paulo Guedes não vai poder estar do lado.”

O Coaf, à época, estava vinculado ao Ministério da Economia, daí a menção a Paulo Guedes.

Alexandre Ramagem: “Politicamente, o general Heleno vai ser, vai ser crucificado, como pessoalidade em prol do Flávio Bolsonaro. Está provocando essa questão em prol do processo. Acredito que não seja o melhor caminho.”

O que disse Flávio Bolsonaro sobre o caso

Em nota divulgada após a divulgação do áudio, Flávio Bolsonaro reafirmou que era vítima desse grupo de auditores. “Mais uma vez, a montanha pariu um rato. O áudio mostra apenas minhas advogadas comunicando as suspeitas de que um grupo agia com interesses políticos dentro da Receita Federal e com objetivo de prejudicar a mim e a minha família. A partir dessas suspeitas, tomamos as medidas legais cabíveis”, disse, em nota. “Até hoje não obtive resposta da justiça quanto ao grupo que acessou meus dados sigilosos ilegalmente”, acrescentou o senador.

Em 2019, o então presidente do STF, Dias Toffoli, chegou a paralisar por quase seis meses a investigação contra Flávio Bolsonaro pela suposta prática de “rachadinha”. A defesa de Flávio alegou que o RIF sobre ele teria sido produzido pelo Coaf e repassado ao MP de forma irregular e tão detalhada que equivaleria a uma quebra de sigilo bancário, o que só poderia ter sido autorizado pela Justiça.

Em 2021, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou todas as provas do caso por entender que o juiz de primeira instância que conduzia a investigação desde o início, Flávio Itabaiana, não tinha competência para isso. A defesa de Flávio Bolsonaro alegava que, como deputado estadual, ele deveria ter sido investigado no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) ou pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a partir de 2019, quando se tornou senador.

Ramagem diz que Bolsonaro sabia de gravação da reunião

O deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) afirmou, nesta segunda-feira (15), que o ex-presidente Jair Bolsonaro tinha conhecimento da gravação em áudio da reunião, em 25 de agosto de 2020, que tratou de defesa contra a quebra do sigilo fiscal de Flávio Bolsonaro.

Ramagem divulgou um vídeo na rede social X dizendo que o objetivo da gravação seria registrar uma alegada tentativa de chantagem de um suposto emissário do ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel. O político negou qualquer chantagem e disse que Bolsonaro pode ter tido uma "confusão mental".

A declaração de Ramagem ocorre após sua candidatura à prefeitura do Rio ser questionada por apoiadores e membros do PL devido à surpresa gerada pelo encontro da gravação em seu computador. Bolsonaro não tirou seu apoio a Ramagem.

"Essa gravação não foi clandestina. Havia o aval e o conhecimento do presidente. A gravação aconteceu porque havia uma informação de uma pessoa que viria na reunião, que teria um contato com o governador do Rio, à época, poderia vir com uma proposta nada republicana", disse Ramagem em vídeo publicado no "X".

Apesar de citar que haveria a possível presença de um interlocutor de Witzel, Ramagem não nomeia quem seria o emissário nem diz se ele participou da reunião. A gravação registra diálogos entre duas advogadas que estavam defendendo Flávio Bolsonaro, Luciana Pires e Juliana Bierrenbach, Ramagem e o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno Pereira.

Na gravação obtida pela PF, só Bolsonaro se refere a Witzel. Ele afirma que o ex-governador do Rio teria pedido uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) para “resolver o caso do Flávio”. Ele estava se referindo à investigação de supostas rachadinhas contra o filho, o senador Flávio Bolsonaro.

Ramagem também afirmou que a gravação visava "registrar um crime". Como não houve a referida proposta, a gravação teria sido descartada. "A gravação, portanto, seria para registrar um crime, um crime contra o presidente da República. Só que isso não aconteceu, a gravação foi descartada", acrescentou o parlamentar.

Em publicação no “X”, Witzel negou qualquer chantagem ao ex-presidente. “O Presidente Jair Bolsonaro deve ter se confundido e não foi a primeira vez que mencionou conversas que nunca tivemos, seja por confusão mental, diante de suas inúmeras preocupações, seja por acreditar que eu faria, a nível local, o que hoje se está verificando que foi feito com a Abin e Policia Federal. No meu governo a Polícia Civil e Militar sempre tiveram total independência e os poderes foram respeitados. A história e tudo o que aconteceu comigo comprovam isso", disse Witzel, que foi cassado por corrupção, mas está em liberdade.

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