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O presidente Jair Bolsonaro destacou que, aos primeiros sintomas da Covid-19 e antes do resultado do exame que confirmou que ele está com a doença, já fez uso preventivo da hidroxicloroquina. A ação do presidente coincide com a nova diretriz adotada pelo Ministério da Saúde, sob gestão do interino general Eduardo Pazuello, que exalta o tratamento precoce contra a doença. Os antecessores do ministro, os médicos Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, priorizavam o isolamento social e a testagem em massa.
De acordo com o presidente, ele começou a sentir uma certa indisposição no domingo (5), que se agravou na segunda-feira (6), quando teve mal-estar, cansaço, dor muscular e febre. Com esses sintomas, o médico da presidência apontou a possibilidade da contaminação pela Covid-19, o que levou Bolsonaro até o Hospital das Forças Armadas para exames – a tomografia de pulmão saiu limpa.
"Mas, dado os sintomas, a equipe médica resolveu aplicar a hidroxicloroquina. Eu tomei no dia de ontem, por volta das 17h, o primeiro comprimido, e azitromicina também. Todo esse composto foi ministrado e, confesso, que como acordo muito durante ànoite, depois da meia-noite me senti um pouco melhor. Às 5h eu tomei a segunda dose da cloroquina, e confesso a vocês que estou perfeitamente bem", declarou o presidente. Ele ainda ressaltou que está tomando essas medidas protocolares com objetivo de evitar a contaminação de terceiros.
Durante o avanço da pandemia do novo coronavírus no país, o Ministério da Saúde trocou de comando três vezes nos últimos quatro meses – Pazuello está como interino da pasta há quase dois meses. Foram discordâncias com o presidente que culminaram com a saída de Mandetta e Teich do cargo.
Saúde está mais alinhada à vontade de Bolsonaro
O depoimento de Bolsonaro coincide com uma nova mudança na diretriz da comunicação do Ministério da Saúde, que está trocando a recomendação do "fique em casa" pela busca por médicos aos primeiros sintomas da doença. A pasta já havia anunciado, em maio, o novo protocolo para uso da cloroquina no Brasil, recomendando o uso a pacientes nos estágios iniciais da infecção por coronavírus, e em dosagens mais baixas.
O general Pazuello mantém estratégias mais alinhadas com alguns anseios de Bolsonaro. E isso tem se refletivo nos protocolos da pasta, que se tornaram mais flexíveis do que o de seus antecessores. O novo protocolo da cloroquina, por exemplo, foi publicado três dias depois de Pazuello se tornar ministro interino. Em junho, a pasta ampliou o protocolo e passou a recomendar o medicamento também para gestantes e crianças e adolescentes, que passaram a fazer parte dos grupos de risco.
A eficácia da cloroquina ou hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19 ainda é motivo de debate científico. Mesmo assim, o Ministério da Saúde já distribuiu mais de 4,4 milhões de comprimidos do medicamento para todo o país.
Atualmente, a pasta retomou o projeto de testagem em massa feito por Teich: a expectativa é testar mais de 46,5 milhões de pessoas (22% população). Porém, até o momento, a pasta só distribuiu 3,8 milhões RT-PCR (molecular) e 7,5 milhões de testes rápidos (sorológicos), segundo o Painel de insumos, mantido pelo próprio ministério.
Um novo protocolo de diagnóstico para Covid-19 também foi implementado na atual gestão, com a utilização do diagnóstico clínico. Ou seja, o médico poderá dizer se o paciente tem ou não a doença, sem precisar de um teste laboratorial, como é o comum.
Ministros médicos tiveram mais indisposições com o presidente
Bolsonaro vem reiterando elogios públicos à gestão de Pazuello frente ao Ministério da Saúde e destaca que, apesar de não ser médico, o militar vem fazendo um trabalho excepcional, na avaliação do presidente. De fato, seus antecessores, que eram médicos, tiveram mais indisposições com Bolsonaro.
Sob o comando de Luiz Henrique Mandetta, a pasta iniciou o combate à doença apostando no isolamento social para achatar a curva de transmissão e não sufocar o sistema de saúde. Mandetta ganhou mais visibilidade, aparecia quase diariamente em coletivas para atualizar os dados sobre a doença e logo no começo do avanço da Covid-19 cobrou que a Organização Mundial de Saúde (OMS) tratasse a situação como uma pandemia.
No final de março, Mandetta e Bolsonaro entraram em conflito. Bolsonaro defendia o chamado “isolamento vertical” e a reabertura do comércio. No isolamento vertical apenas idosos, pessoas com comorbidades, que já tivessem sido infectadas ou que apresentassem sintomas da doença ficariam isoladas.
As sugestões do presidente para um novo protocolo de isolamento e uso mais flexível e uso mais intenso e precoce da hidroxicloroquina, à época usada apenas em alguns casos de maior gravidade, não foram acatadas pelo então ministro. A crise se aprofundou com ameaças de demissão por parte do presidente, até Mandetta deixar o cargo em 16 de abril.
Nelson Teich assumiu o ministério um dia após a demissão de Mandetta. Médico, afirmou durante os primeiros dias que precisaria se inteirar da situação para definir uma estratégia viável no combate à pandemia. Uma dos esforços seria realizar a testagem em massa da população, como fizeram outros países.
Além disso, Teich prometeu apresentar orientações mais claras para definir o isolamento social, mas deixou a pasta antes de fazê-lo. Teich também colidiu com as crenças do presidente: além de ter ressalvas quanto ao uso da cloroquina, outro medicamento também não tinha o apoio do ministro: o remdesivir, um antiviral. O então ministro afirmava que eram necessários maior respaldo técnico para a utilização dos medicamentos.
Bolsonaro assinou um decreto no dia 11 de maio liberando a abertura de academias de ginástica, salões de beleza e barbearias, sem consultar o Teich ou os técnicos do ministério. No dia 15 de maio, Teich deixou o governo.