Com a popularidade em alta e um novo programa social no forno – o Renda Cidadã –, o presidente Jair Bolsonaro vai intensificar as viagens aos estados para entregar obras e afagar parlamentares aliados. As andanças pelo Brasil tiveram um salto expressivo desde que ele se recuperou da Covid-19, no fim de julho.
Com a viagem programada para São José do Egito (PE) nesta quinta-feira (1º), Bolsonaro terá concluído um total de 25 visitas a municípios país afora entre julho e agosto. O número de cidades prestigiadas supera o acumulado entre dezembro de 2019 e junho deste ano, quando a popularidade dele estava em baixa.
Agora, o governo está animado com a onda de aprovação — a avaliação positiva do governo Bolsonaro subiu para 40%, segundo a última pesquisa CNI/Ibope divulgado há uma semana. Pelas redes sociais, Bolsonaro nega a preocupação com reeleição. Interlocutores afirmam que o Executivo não faz política visando fins eleitoreiros, mas reconhecem que é inerente calcular os bônus ganhos com as políticas públicas.
Por isso, dentro do Palácio do Planalto, a orientação é traçar estratégias para assegurar a popularidade em alta. A ideia é clara: manter o presidente sendo o principal cabo eleitoral e garoto propaganda do governo. “Estamos avisados que, praticamente todas as quintas e sextas-feiras, o presidente estará viajando”, afirma um assessor palaciano à Gazeta do Povo. A Secretaria de Governo, responsável por conduzir a articulação política, e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), encarregado de cuidar da segurança pessoal do presidente, já estão informados de que as viagens vão se intensificar.
A estratégia de Bolsonaro é usar sua imagem para vender o Renda Cidadã, ainda que o presidente não fale nada sobre isso. Cada ida a uma cidade é acompanhada por parlamentares da base aliada, que, no fim das contas, é quem será o fiador da proposta.
Por aprovação do Renda Cidadã, Bolsonaro afaga parlamentares aliados
A viabilização do Renda Cidadã em si é um dos motivos pelo qual Bolsonaro não pode abrir mão das viagens. O programa foi conduzido pelo presidente com apoio estrito de líderes governistas e partidários, mas precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional para vigorar de fato. Na política, apoio vem acompanhado de gestos, e vice-versa.
O Planalto colocou os parlamentares para dentro da mesa de negociações e, agora, vai levar consigo aliados estratégicos em visitas a municípios. Cada voto será importante para aprovar a proposta e, para os congressistas, ter a imagem associada a um presidente popular é bem vindo para eles junto aos seus eleitores, sobretudo próximo das eleições.
O Renda Cidadã, aos poucos, será absorvido pelos brasileiros como o “sucessor” do Bolsa Família e do auxílio emergencial, que foi um dos pilares desses crescentes índices de aprovação de Bolsonaro.
Para o deputado Laércio Oliveira (PP-SE), vice-líder do blocão na Câmara, foi o auxílio que provocou toda a revolução positiva na popularidade de Bolsonaro. O deputado avalia que, em Sergipe, sua base eleitoral, o governo vem conseguindo reverter muitos votos. No segundo turno, o então candidato conseguiu 32,46% dos votos.
“Hoje, minha impressão é de que isso se inverteu. Ele [Bolsonaro] tem 70% contra 30% dos outros. E tenho a sensação de que isso se repete em outros estados também. Em alguns municípios pequenos, a circulação de dinheiro do auxílio foi maior do que a do FPM [Fundo de Participação dos Municípios]. Esse dinheiro não saiu para outro lugar e fez a economia girar”, diz.
Prestígio de Bolsonaro aumenta as viagens
O auxílio emergencial teve um impacto significativo na popularidade de Bolsonaro, mas a aprovação do presidente já vinha numa crescente antes mesmo do benefício. É o que avalia o cientista político e sociólogo Paulo Baía, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
“A população efetivamente está o apoiando. A última pesquisa do Ibope mostra um crescimento significativo em todas as regiões, em todos os segmentos sociais, inclusive nos segmentos sociais que não recebem o auxílio emergencial”, pondera. Ele entende, assim, que o prestígio do presidente não foi afetado pela pandemia. “O discurso de Bolsonaro foi aprovado em relação à pandemia e não entro no mérito se isso está certo ou errado”, pontua.
A leitura de Baía é que as viagens serão intensificadas para consolidar um apoio sobretudo dos partidos fisiológicos. Bolsonaro começou a construir sua política em abril e as andanças pelo país nada mais são do que a solidificação do retrato de se ter uma base. “A presença do presidente da Repúblicas nas localidades fortalece aqueles que o apoiam no Congresso. Então, não é a viagem que aumenta o prestígio, é o prestígio que aumenta o número de viagens”, analisa.
As cidades escolhidas para as viagens são estrategicamente planejadas para fortalecer o apoio de deputados e senadores. Nesse período de eleições municipais, serão ainda mais importantes para alavancar candidaturas locais de prefeitos ligados à base governista. “A viagem transforma a presença em apoio concreto ao candidato ligado ao deputado federal que está naquela região, por exemplo, mesmo que Bolsonaro não fale nada”, argumenta Baía.
O especialista aposta, ainda, que a presença de Bolsonaro vai se intensificar entre os dias 16 e 29 de novembro, sobretudo em cidades onde existe a possibilidade de segundo turno. “São 95 ao todo. Não é que ele vai a todas, mas, por exemplo, São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, algumas capitais importantes, certamente fará uma visita, mesmo que não declare apoio para um candidato”, avalia.
Mesmo que o governo não consiga criar o Renda Cidadã até janeiro, quando se extingue o auxílio emergencial, as visitas pelo Brasil podem, ao menos, manter os índices de aprovação, avalia o cientista político Enrico Ribeiro, coordenador legislativo da Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais.
“As viagens ajudam a manter a popularidade, desde que tenha alguma finalidade e um mínimo de apoio da base política da região. Porque se ele for para um local onde ele não é bem visto, não tem apoio e base, as chances de torná-la uma pauta negativa é maior”, sustenta.
Viagens são feitas com propósito concreto
O deputado Coronel Armando (PSL-SC), vice-líder do governo na Câmara, reconhece que as viagens ajudam a vender as políticas públicas do governo e auxiliarão no processo de emplacar o sucessor do auxílio emergencial. Mas garante que tudo é feito com estratégia sem fins eleitoreiros, sempre associados a entregas.
Por isso, embora admita que Bolsonaro tenha feito várias viagens ao Nordeste para reverter o quadro político a seu favor, ressalta que tudo é associado à entrega de alguma obra pública ou privada. É uma estratégia que parte do próprio ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas. “Eu já perguntei a ele e ele explicou que toma por base três pontos: dar sequência às obras em andamento; retomar as obras paradas; e só no terceiro momento começar novas obras”, diz. Uma vez comunicado ao Planalto, a Secretaria de Governo traça a data junto a Bolsonaro e aliados.
Os ministros de Bolsonaro têm um peso significativo nesse processo, ressalta Armando. Além de Freitas, ele cita que os ministros do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho; da Saúde, Eduardo Pazuello; e da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, também ajudam a pavimentar a aprovação de Bolsonaro com viagens pelo país. “O governo tem uma estratégia que vai além do auxílio emergencial para entregar muitas coisas. E a entrega é sempre positiva”, diz.
A viagem que Bolsonaro fará nesta quinta-feira (1º) é um exemplo de entrega. O presidente inaugura em São José do Egito (PE), no sertão pernambucano, a segunda etapa da Adutora do Pajeú, obra que vai beneficiar 290 mil moradores de 15 municípios com ampliação da vazão do sistema de água de 290 para 480 litros por segundo. A escolha pela região não é feita a esmo. O Planalto sabe o quão estratégico o Nordeste é para as ambições de uma reeleição em 2022, onde Bolsonaro perdeu em todos os estados em 2018.
O mesmo CNI/Ibope que mostrou Bolsonaro com 29% de aprovação em dezembro, agora, o aponta com 40%. No Nordeste, a taxa ainda está abaixo da média, em 33%, mas subiu 12 pontos percentuais em relação ao levantamento anterior. O auxílio emergencial é um dos pilares que ajuda a explicar a expansão da popularidade. Do dinheiro liberado, os moradores do Nordeste receberam R$ 62,2 bilhões — o equivalente a 34,7% do volume total —, apontou o Ministério da Cidadania, ao fim de agosto. Tanto o montante quanto a proporção deixam o Nordeste só atrás do Sudeste.
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