Pouco a pouco, o Nordeste se transforma na “menina dos olhos” do presidente Jair Bolsonaro. É o que sugere a agenda de viagens do presidente Jair Bolsonaro. Levantamento da Gazeta do Povo mostra que, em 2020, ele viajou 16 vezes a municípios da região, quase o triplo de deslocamentos realizados em seu primeiro ano de mandato – quando foi seis vezes a cidades nordestinas. No Palácio do Planalto, assessores dizem que a tendência é aumentar ainda mais o número de compromissos no Nordeste em 2021. E a estratégia tem relação direta com a eleição presidencial de 2022.
A agenda de viagens ao Nordeste representa quase um quarto das 70 viagens feitas em território nacional contabilizadas pela Gazeta. O levantamento considera as viagens informadas na agenda oficial de Bolsonaro a diferentes municípios. Ou seja, inclui deslocamentos feitos em um mesmo dia para diferentes cidades de um mesmo estado, como aconteceu em 1.º de outubro deste ano, quando ele visitou São José do Egito (PE) e Sertânia (PE). O levantamento também incluiu a viagem que antecedeu essa passagem pelo sertão pernambucano, quando fez escala em Campina Grande (PB), fora da agenda
As viagens de Bolsonaro ao Nordeste se intensificaram ao longo do ano. Entre janeiro e maio, ele não visitou a região. Em junho, foi a Juazeiro do Norte (CE), onde sobrevoou a Ferrovia Transnordestina e participou da cerimônia de acionamento das comportas da estrutura de controle de Milagres, obra que marcou a chegada das águas do São Francisco ao Ceará. Em julho, foi a Campo Alegre de Lourdes (BA) e a São Raimundo Nonato (PI), em um mesmo dia.
Em agosto, Bolsonaro inaugurou uma usina termelétrica em Aracaju, capital do Sergipe. Posteriormente, em um mesmo dia, visitou Mossoró (RN), onde entregou um residencial com unidades do programa Minha Casa Minha Vida; e Ipanguaçu (RN), onde entregou poços d’água, acesso gratuito à internet e títulos de terrenos.
Em setembro, o presidente foi a São Desidério (BA) e Coremas (PB). Em outubro, além da rápida passagem por Campina Grande (PB) e por São José do Egito (PE) e Sertânia (PE), ele cumpriu agenda em São Luís (MA) e Imperatriz (MA).
Em novembro, no distrito de Piau, em Piranhas (AL), onde Bolsonaro elogiou o ex-presidente Fernando Collor de Mello, o presidente cumpriu seu único compromisso na região no mês. Em dezembro, foi a Salvador com o deputado Marco Feliciano (Republicanos-SP), vice-líder do governo no Congresso, para um evento evangélico. No dia 17, em Porto Seguro (BA), fechou sua agenda na região no ano em uma cerimônia de assinaturas de apoio ao setor produtivo, no aeroporto da cidade.
Sudeste ainda lidera agenda, mas visitas ao Nordeste quase triplicam
Apesar do aumento de viagens de Bolsonaro ao Nordeste, o número ainda fica abaixo dos deslocamentos feitos ao Sudeste – onde Bolsonaro esteve em 34 ocasiões, abaixo das 41 viagens feitas à região em 2019.
O cientista político Enrico Ribeiro, coordenador legislativo da Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais, diz que ainda assim a maior frequência de visita ao Nordeste é um fato a ser destacado.
Em 2019, as viagens feitas ao Nordeste representaram 8,95% do total no ano. Em 2020, esse percentual subiu para 22,85%.
Ribeiro ressalta que, ainda que outros ex-presidentes também tenham prestigiado outras regiões, o Sudeste é sempre a mais visitada. “Não é uma exclusividade de Bolsonaro. Isso acontece pela pujança econômica e pelo tamanho do eleitorado. São Paulo, por exemplo, é o principal centro financeiro do país, é quem empurra a economia, boa parte das empresas estão lá”, diz.
Somente em 2020, em três ocasiões, Bolsonaro esteve na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Foi a dois almoços, um em fevereiro e outro em março, e a um jantar, em 15 de dezembro. Em novembro, participou de um encontro com investidores promovido pelo Grupo Voto. “Essas viagens para São Paulo têm mais uma característica de conversar com o setor produtivo. As idas ao Nordeste têm, claramente, uma pauta mais social”, diz Ribeiro.
Nas outras três regiões, os números mantiveram certa estabilidade. Em 2020, Bolsonaro realizou oito viagens para o Centro-Oeste, o mesmo número de deslocamentos realizados no ano anterior. Entretanto, o presidente visitou menos o Norte em 2020. Neste ano, foram quatro viagens à região, contra seis em 2019. O Sul, que foi visitado por Bolsonaro em seis oportunidades no ano passado, recebeu o presidente em oito ocasiões em 2020.
Nordeste é estratégico para elevar a aprovação de Bolsonaro
O analista político Enrico Ribeiro diz que, sobretudo em um ano de pandemia, a pauta social se mostrou mais importante para o governo. E, nesse sentido, não é coincidência o governo ter ampliado esforços para entregar obras no Nordeste – região que concentra grande parte da pobreza do país.
Além disso, Ribeiro destaca que o Nordeste foi a região onde Bolsonaro saiu derrotado no primeiro e no segundo turno das eleições presidenciais em 2018. “O Nordeste passa a ser estratégico nessa nova fase do presidente e é algo que deve ser mantido em 2021, especialmente se o próximo presidente da Câmara for o Arthur Lira (PP-AL)”, diz ele.
Com Lira na presidência da Câmara, um aliado de Bolsonaro, a tendência é que o presidente ganhe mais espaço para intensificar as visitas à região em redutos do PP e de outros integrantes do bloco de apoio no Congresso. “Ele [Bolsonaro] vai precisar reforçar esses lugares para penetrar seu capital político na região, conversar com a população, já visando 2022 nas regiões onde essas políticas sociais que ele tem colocado podem reverberar mais forte”, diz Ribeiro.
A agenda de viagens é um instrumento historicamente utilizado por presidentes da República para elevar sua popularidade pelo país. Sendo o chefe do Executivo federal um ator político, é natural que ele precise aparecer para seus eleitores e puxar, sobretudo, o voto do chamado eleitor mediano – que não se prende a ideologia. Para Bolsonaro, o grande desafio é crescer em localidades onde ele ainda encontra resistência popular.
"O Nordeste – especialmente o semiárido – é muito estratégico. Foi em 2020 e continuará sendo em 2021", admite um assessor do Palácio do Planalto. "Vai ter muita viagem para a região, que é uma área essencial, precisa de uma ação governamental forte. Então, isso [a agenda no Nordeste] vai aumentar."
Pandemia ajuda a elevar viagens internas em 2021
Interlocutores do Planalto afirmam que a pandemia do coronavírus ajudará na estratégia de ampliar as viagens do presidente dentro do país. "Uma tendência que vai se consolidar é que ele vai ter mais viagens aqui, no Brasil. Não é que a agenda externa deixará de ser algo primordial, mas teremos concentração de viagens internas em 2021 porque os chefes de Estado estão evitando encontros. Isso dará mais tempo para ele viajar pelo país", diz um assessor do Planalto.
E, segundo as fontes do governo, a entrega de ações e obras para viabilizar essa agenda de viagens não será um problema. "O Tarcísio [de Freitas, ministro da Infraestrutura] está a todo vapor, trabalhando no Brasil inteiro. Tem ações, também, na área da Agricultura, da Tereza [Cristina, ministra]. [O Ministério de] Minas e Energia também deve ter novidades ano que vem", diz um interlocutor do Planalto.
Mais de uma fonte do governo assegura que haverá muitas ações governamentais que justificarão as viagens do presidente no próximo ano. Somado a isso, são esperadas novas viagens de solenidades religiosas e militares. "Não vai faltar motivo para o presidente viajar. O [Rogério] Marinho [ministro do Desenvolvimento Regional], também, planeja bastante coisa. Ele também vai ter novidades ano que vem e tem aí outros ministérios também, como o do Turismo", diz um técnico.
"A agenda vai se intensificar no próximo ano e em 2022. O presidente é muito bem recebido aonde vai. É uma pessoa espontânea, gosta de estar no meio do povo, tem disposição para viajar, que é importante", diz um uma fonte. "Tem autoridade que não gosta de viajar, prefere ficar em casa. Mas ele não; gosta de manter o pé no chão, conhecer as coisas", diz outro interlocutor do Planalto.
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