O presidente Jair Bolsonaro disse na quinta-feira (27) que o Brasil tem muito a ensinar à Alemanha no meio ambiente, citando o uso de energias renováveis como exemplo. Era uma resposta às críticas que a chanceler alemã Angela Merkel havia feito, no dia anterior, aos rumos da política ambiental brasileira, especialmente sobre o desmatamento. A Gazeta do Povo levantou dados e consultou especialistas para saber quem está certo: Bolsonaro ou Merkel? E a conclusão é que cada país tem a aprender e a ensinar com o outro.
“O Brasil tem, de fato, muito o que ensinar", diz a vice-presidente da Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação (ABECO), Márcia Marques. "O Brasil assumiu um papel protagonista no plano ambiental ao longo dos anos. Vários dos acordos internacionais tiveram participação decisiva da equipe brasileira, que tem assentos importantes em todos esses órgãos. O Brasil é um país gigante, com uma economia também grande, com a maior biodiversidade do mundo e a maior floresta do mundo. Então, temos um protagonismo natural, somos muito relevantes do ponto de vista ambiental e sabemos compreender esse papel.”
Márcia Marques pondera: “Mas o Brasil precisa manter esse papel de protagonista, de pioneiro nessa questão. Nosso primeiro Código Florestal é de 1934. Nossa política de unidades de conservação é modelo. E a declaração da Merkel mostra preocupação com eventuais retrocessos nessa questão.”
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Brasil e Alemanha: 67% contra 32% de vegetação preservada
O Brasil tem a terceira maior área florestal do planeta, com 4,7 milhões de km² conservados. Mais de 56% do território nacional é coberto por florestas e 67% das terras brasileiras ainda possuem sua vegetação nativa. É um exemplo de conservação para a Alemanha – que tem, hoje, apenas 32% de sua vegetação nativa preservada.
Ambos os países assumiram o compromisso de recuperar suas matas. Mas o Brasil saiu na frente por se comprometer com essa recuperação antes de a degradação ter sido mais extensa.
“Existe uma curva de transição [no desflorestamento]. Os países começam com uma alta cobertura de florestas. Tendem a perder parte disso na urbanização e industrialização. E, depois, buscam recuperar – o que está acontecendo hoje com a Alemanha e a Inglaterra", explica Natalie Unterstell, especialista em políticas públicas ambientais e ex-negociadora do Brasil na ONU para mudança do clima. "O Brasil e a Indonésia, que têm muita floresta, estão tentando não cair tanto nesta curva [de desflorestamento] e já iniciar a recuperação. O Brasil já colocou metas de recuperação no Tratado de Paris [acordo climático global], por exemplo.”
Natalie Unterstell diz que o monitoramento do desmatamento da Amazônia em tempo real, feito pelas autoridades brasileiras, é outro exemplo a ser seguido internacionalmente.
Ela também destaca experiências de uso sustentável da floresta por comunidades locais. “É o caso de reservas extrativistas, que a gente criou. Hoje temos, por exemplo, uma produção bilionária de açaí que advém dessas comunidades. E há interesse das organizações alemãs nessa nossa experiência.”
Brasil tem 75% de energia limpa contra 27,5% da Alemanha
Outro exemplo do Brasil para os alemães está em sua matriz elétrica. Quase 75% da eletricidade utilizada pelos brasileiros vem de fonte limpa e renovável – meta que a Alemanha pretende atingir apenas em 2050. Extremamente dependente do carvão e da energia nuclear, a Alemanha tem apenas 27,8% de sua matriz em energia limpa e renovável (eólica e solar, principalmente).
“Mas eles [os alemães] têm um programa robusto de energia, que prevê chegar a 50% em 2030 e mais de 80% em 2050", diz Natalie Unterstell. "Enquanto isso, o Brasil vem diminuindo a participação de energia limpa, que já foi de 90% nos anos 1990, apelando constantemente para as termoelétricas [movidas a carvão ou a óleo] nos períodos de seca. E não temos um planejamento energético alternativo a isso.”
Na questão energética, inclusive, a especialista cita a primeira lição que o Brasil precisa aprender com os alemães: eficiência energética. “Eles consomem mais, poluem mais, mas com muito mais eficiência no resultado do PIB. Eles aumentaram o PIB em 40% nos últimos anos, consumindo apenas 10% a mais de energia", diz Natalie Unterstell. "No Brasil, essa relação está invertida. Estamos aumentando o consumo acima do crescimento do PIB.”
A especialista faz uma advertência: “Falar que estamos em um quadro melhor hoje, mas não fazer nada daqui para frente, não é uma lição. Tem que olhar a foto do momento atual, mas também a tendência: de onde se está vindo e para onde está indo”.
Natalie também cita que Brasil e Alemanha têm uma forte parceria em energia renovável, com o país de Merkel exportando tecnologia para a geração de energia solar e eólica. “A pior área de insolação do Brasil equivale à melhor área de captação solar da Alemanha. Mesmo assim, eles têm mais de 40GWh de potência solar instaladas; e nós apenas 2GWh.”
Risco de sanções comerciais
Já o diretor-executivo da ONG ambiental Sociedade em Pesquisa da Vida Selvagem (SPVS), Clóvis Borges, tem uma visão mais crítica. Ele afirma que não há comparação entre o que Alemanha e Brasil têm feito pela conservação ambiental.
“Não há o que comparar. Eles estão recuperando florestas e nós desmatando", diz Borges. "A Alemanha, inclusive, investe pesadamente em projetos de conservação no Brasil. Os números de vegetação nativa no Brasil ainda são consideráveis porque a Amazônia maquia a real situação. Se tira a Amazônia, não sobra quase nada. Já acabamos com o Cerrado, com a Caatinga, com a Mata Atlântica”, critica. Ele prevê inclusive que o Brasil pode sofrer sanções comerciais por causa disso.
O que o Brasil tem a ensinar para a Alemanha
- Preservação de 67% de sua vegetação nativa
- 74,2% da matriz elétrica limpa e renovável
- Legislação rigorosa e abrangente sobre o tema
- Uso de biocombustíveis, como o etanol
- Monitoramento da vegetação
- Iniciativas de uso sustentável das áreas florestais
O que o Brasil tem a aprender com a Alemanha
- Programa de reflorestamento
- Eficiência energética
- Expansão da base de energias renováveis
- Utilização da energia solar
- Aplicação da legislação ambiental
- Utilização de veículos elétricos