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Trump durante a visita do presidente brasileiro aos EUA, em março de 2019: Bolsonaro tentou indicar o filho como embaixador nos EUA.
Trump durante a visita do presidente brasileiro aos EUA, em março de 2019: Bolsonaro tentou indicar o filho como embaixador nos EUA.| Foto: Alan Santos/PR

O último dia 3 de junho marcou o "aniversário" de um ano do Brasil sem um embaixador efetivo em Washington, a capital dos EUA. Esse intervalo de tempo é o maior já registrado desde a redemocratização do país e coincide com um momento pouco positivo na relação entre o Brasil e a principal potência econômica do mundo.

Até junho do ano passado, o chefe da embaixada brasileira nos Estados Unidos era o diplomata Sérgio Amaral. Ele foi destituído da função pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, após quase três anos no cargo. A partir dali, iniciou-se um impasse ainda não resolvido.

O presidente Jair Bolsonaro anunciou em julho que gostaria de indicar para o posto o seu filho "03", o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). A proposta gerou reações contrárias até de apoiadores do presidente e Bolsonaro desistiu da ideia em outubro. No mesmo mês, comunicou que escolheu para a função Nestor Forster, que já atuava na embaixada como encarregado de negócios e embaixador informal. Desde então é ele quem responde interinamente pelo órgão.

Forster teve sua indicação aprovada pelos EUA ainda em novembro e, três meses depois, já em 2020, seu nome foi aceito pela Comissão de Relações Exteriores (CRE) do Senado. Desde então, a tramitação está travada em seu último estágio: a votação pelo plenário do Senado, que é obrigatória. A pandemia de coronavírus bloqueou a realização de votações presenciais. As indicações de novos embaixadores devem ser analisadas via voto secreto, o que de forma remota não é possível, explicou o presidente da CRE, senador Nelsinho Trad (PSD-MS).

Levantamento do site Poder360 identificou que a nomeação de Forster se junta à indicação de outros cinco possíveis embaixadores (Líbano, Países Baixos, Israel, Argentina e Chile) e também às de ocupantes de outros cargos diplomáticos que estão parados. O mesmo aconteceu com cargos em outros braços do poder público, como o Superior Tribunal Militar (STM), a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Ser interino é problema?

O Brasil está sem embaixador na capital dos EUA em um momento em que o presidente americano, Donald Trump, tem dado declarações e tomado ações desfavoráveis para o Brasil, apesar de um passado recente de elogios públicos com Jair Bolsonaro.

Em maio, os EUA anunciaram que barrarão a entrada no país de viajantes oriundos do Brasil, por conta da pandemia de coronavírus. Além disso, Trump citou, em mais de uma ocasião, o Brasil como um exemplo de país que não tem lidado bem com a Covid-19. E um movimento mais recente de contrariedade para o Brasil foi a decisão americana de indicar Mauricio Claver-Carone como candidato à presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O Brasil planejava apresentar um nome para o posto e contar com o apoio dos EUA na empreitada.

Também no início de junho, a ala democrata do Comitê de Assuntos Tributários da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos divulgou comunicado em que se opõe ao plano do governo Trump de expandir os laços econômicos com o Brasil, alegando desrespeito aos direitos humanos e riscos ao meio ambiente no governo Bolsonaro.

Neste contexto, ter Forster na condição de interino e não de embaixador efetivo compromete a qualidade do diálogo entre Brasil e EUA? Para o especialista em relações internacionais Jean Lima, professor da Universidade Católica de Brasília, há sim um ruído. "É algo que interfere, porque demonstra uma falta de planejamento por parte do governo brasileiro. Mostra que o Brasil não teve alternativas, não soube apresentar um plano para a embaixada", disse.

O professor destaca que o alinhamento ideológico apresentado entre as gestões Trump e Bolsonaro não tem se revertido, até o momento, em ganhos para o Brasil. Ele cita como exemplos desses prejuízos a inviabilização da ideia da derrubada de vistos para viajantes brasileiros e a questão da presidência do BID. Lima também relata que a aproximação excessiva entre Brasil e EUA tem motivado atritos entre o Brasil e a China, o que pode prejudicar o país nas negociações com a república asiática.

A questão do "alinhamento automático" foi rebatida por Forster durante a sabatina que ele participou na CRE do Senado, em fevereiro. Ele descartou a adesão plena aos EUA e disse que busca a defesa dos interesses brasileiros. A sua atuação como comandante interino da embaixada, entretanto, tem indicado uma conexão ideológica com as correntes conservadoras americanas.

Recentemente, Forster assinou um telegrama em que culpou a "mídia progressista" dos EUA por sugerir que o país é marcado por um "racismo sistêmico". A fala se deu no contexto dos protestos contra a morte de George Floyd, homem negro atacado por policiais brancos no estado americano de Minnesota.

Atraso na aprovação de embaixador não afeta relações com EUA, diz Itamaraty

Após a publicação dessa reportagem, o Itamaraty enviou no dia 30 de junho uma nota para comentar a situação da embaixada em Washington. Segue na íntegra:

"Informamos que o processo de substituição de embaixadores nos postos no exterior segue trâmites específicos. As relações entre o Brasil e os Estados Unidos passam por excelente momento, com estreito entendimento e convergência de agendas.

A condição de Encarregado de Negócios a.i. não altera a competente atuação do Ministro de Primeira Classe Nestor Forster à frente da embaixada do Brasil em Washington. Trata-se de diplomata com profundo conhecimento da realidade política e social norte-americana, tendo atuado naquele posto desde janeiro de 2017 e exercido funções em outros postos de representação naquele país, em particular os consulados gerais em Hartford e Nova York.

O Itamaraty compreende os motivos que levaram as mesas diretoras do Senado Federal e da Câmara dos Deputados a adotarem temporariamente medidas de restrição ao funcionamento de suas comissões."

Bolsonaro queria o filho Eduardo, mas ideia não prosperou

A ideia de nomear Eduardo como embaixador nos EUA foi divulgada por Bolsonaro no dia 11 de julho do ano passado. A data não foi uma coincidência: se deu um dia depois de o deputado completar 35 anos, a idade mínima exigida para que um brasileiro exerça o cargo de embaixador. À época, o presidente alegou que o filho era qualificado para o cargo por falar inglês fluente e ter boas relações com Donald Trump.

A sugestão do presidente recebeu críticas não apenas da oposição formal, mas também de parlamentares de centro e de alguns que defendiam a gestão Bolsonaro no Congresso. As objeções à ideia se pautavam numa suposta desqualificação de Eduardo para o cargo e também pelo fato de sua nomeação poder representar nepotismo, o que é vedado pela legislação brasileira.

Ao defender seu nome para a função, Eduardo afirmou que conhecia os EUA por ter feito intercâmbio no país, onde trabalhou "fritando hambúrguer" em uma lanchonete. A fala motivou ainda mais críticas e também memes contra o deputado — a palavra "embaichapeiro", mistura de embaixador com chapeiro, passou a ser recorrentemente utilizada em direção a ele.

Bolsonaro e Eduardo desistiram do projeto em outubro. À época, o presidente vivia a crise que culminou com a saída dele do PSL. Um dos episódios do imbróglio foi a disputa pela liderança do partido na Câmara, que acabou passando por Eduardo. Na ocasião, o parlamentar disse que sua missão no Brasil se mostrava ainda mais importante do que a que poderia ter nos EUA.

Além da problemática no partido, pesava também o fato de que sondagens indicavam que o nome de Eduardo teria dificuldades para ser aprovado pelo Senado. Sua indicação não chegou a ter nenhum passo formal dado.

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