O Ministério da Economia está pedindo ao Congresso a liberação de mais de R$ 1 bilhão, ainda em 2019, para quitar dívidas do Brasil com entidades internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU). A medida é tratada internamente pelo governo como urgente para evitar o desgaste de perder o direito a voto em discussões nessas organizações ou até rebaixar a nota de bancos internacionais que têm o Brasil como importante acionista. O montante para quitar as dívidas sairia do Orçamento federal de 2019, que foi descontingenciado pelo governo no início de novembro.
Segundo nota técnica do Ministério da Economia, o governo pretende levantar US$ 126,6 milhões para pagar débitos com a ONU; US$ 45 milhões para dívidas com o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF); US$ 27,6 milhões para a Corporação Interamericana de Investimentos (BID Invest); US$ 27,6 milhões para o Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata) e R$ 43,2 milhões para a Agência Internacional de Desenvolvimento (AID).
A movimentação do governo ocorre dias após a ONU cobrar uma dívida de US$ 415,9 milhões – cerca de R$ 1,7 bilhão –, que coloca o Brasil no posto de segundo maior devedor à entidade. "Há risco considerável de que o Brasil, pela primeira vez na história, perca o direito a voto na ONU a partir de 1.º de janeiro de 2020", alerta nota técnica da Secretaria de Assuntos Econômicos Internacionais.
Embora o valor da dívida com a ONU seja de US$ 415,9 milhões, a equipe econômica pediu ao Congresso somente o necessário para manter o direito de voto do Brasil na ONU (US$ 126,6 milhões).
O Brasil sofre ameaças de perda do direito a voto na ONU desde a presidência de Dilma Rousseff. As ameaças têm sido recorrentes nos últimos anos, e a dívida já aumentou e foi amortizada algumas vezes, tanto no governo Dilma como na gestão Temer.
Ministérios alertam sobre consequências da dívida com a ONU para o Brasil
Em troca de ofícios entre a equipe econômica e o Ministério das Relações Exteriores, o Itamaraty e o Ministério da Economia demonstram receio com potenciais efeitos do não pagamento da dívida.
Em ofício enviado ao Ministério da Economia, o secretário-geral das Relações Exteriores, Otávio Brandelli, afirma que não acertar a dívida com a ONU põe em risco a capacidade de negociar temas administrativos e orçamentários naquele organismo.
"A palavra e o voto do Brasil, membro fundador das Nações Unidas, são registrados sem interrupções desde 1946. A eventual perda do direito a voto teria graves repercussões negativas para a credibilidade do país e sua atuação multilateral", diz.
Em outro documento, a Secretaria de Assuntos Econômicos Internacionais reforça a importância de fazer os pagamentos até o fim de 2019, "tendo em vista o cenário ainda mais restritivo que se delineia para 2020, em função dos limites impostos pelo teto de gastos públicos". O teto de gastos é o mecanismo que limita o crescimento das despesas à inflação.
De acordo com a mesma secretaria, os valores previstos no próximo orçamento federal para esse tipo de pagamento são "irrisórios". A equipe econômica ainda argumenta, ao tratar da liberação de R$ 1 bilhão, que em 2019 destinou apenas R$ 15,95 milhões para pagamentos à ONU e a outros organismos internacionais, quando os compromissos do país eram de R$ 1,74 bilhão.
Até que ponto a perda do direito de voto na ONU é um risco?
O Brasil tem direito a voto em diferentes instâncias da ONU, como direitos humanos, meio ambiente e segurança. Perderia esse direito em todas elas caso a ONU resolva punir o país por causa do não pagamento de sua dívida.
Além disso, o país teria algumas outras limitações dentro de certos foros. Por exemplo: no Conselho de Direitos Humanos, para o qual o Brasil foi reeleito há dois meses, o país deixaria de votar e poderia ter sua atuação limitada também nas discussões do órgão.
“Quando você perde o direito ao voto, subentende-se que você perca o direito à participação em vários segmentos da ONU e a deliberações importantes que a ONU venha a ter. E o pior de tudo: você perde a moral perante o resto do mundo, porque fica com aquela situação de inadimplente”, explica o analista político Carlo Barbieri.
Mas, apesar das ameaças feitas pela ONU, uma punição desse tipo não é tão comum na instituição. “Provavelmente, se o Brasil oferecer um pagamento parcial, ele continua ocupando seus assentos”, diz Barbieri.
“Historicamente, países como o Brasil sempre acabaram conseguindo que essa decisão fosse posposta. Francamente, é uma ameaça que eu vejo como muito mais moral do que efetiva.”
Nesta terça-feira (10), o presidente Jair Bolsonaro disse que o Brasil não está preocupado em perder voto na ONU. "Não estou preocupado com isso. Estou preocupado com o Brasil. Muitas das decisões da ONU não interessam para a gente. A gente sabe que está politizado esse negócio", disse ele, que emendou: “paciência”.
Em organismos financeiros, haveria restrições para uso de verbas
Além das dívidas com a ONU, o Brasil também quer quitar débitos com o Banco de Desenvolvimento da América Latina, a Corporação Interamericana de Investimentos, o Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata e a Agência Internacional de Desenvolvimento.
As consequências de sanções no caso dessas instituições financeiras seriam menos graves que no da ONU. O problema maior, em vez do poder de voto, seriam possíveis limitações no direito de sacar verbas a que o país tem direito.
“Mas, mesmo que haja um bloqueio da liberação de verbas para o Brasil, isso não afeta tanto a economia do país, porque ele tem superávit nas suas reservas internacionais”, diz Barbieri.
Segundo o especialista, uma sanção do tipo afetaria as linhas de crédito que o Brasil poderia utilizar para diversos planos, “como de saneamento, desenvolvimento urbano e outras áreas”. “Esses organismos têm verbas para isso. O Brasil tem direito a usar uma proporção. Se ele perdesse o direito em função do não-pagamento, ele não poderia usufruir delas.”
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