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O governo Bolsonaro foi criticado em 2019 pela dificuldade de obter vantagens práticas da afinidade ideológica com a administração de Donald Trump. No começo deste ano, o Itamaraty parece determinado a mudar esse panorama e a parceria entre Brasil e EUA começou finalmente a se tornar mais concreta.
Em vários campos da diplomacia, os governos norte-americano e brasileiro têm dado, desde janeiro, demonstrações recíprocas de que querem aprofundar sua relação, indo além das manifestações de apreço mútuo entre Donald Trump e Jair Bolsonaro.
A virada de jogo na relação entre Brasil e EUA começou já nos últimos dias de 2019, quando o governo anunciou que o governo norte-americano haviam desistido de sobretaxar o aço brasileiro. Semanas antes, o presidente americano havia aventado essa possibilidade como forma de retaliar algumas medidas do Ministério da Economia brasileiro que, segundo Trump, estariam prejudicando fazendeiros americanos.
O apoio dos EUA ao ingresso do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), formalizado no dia 14 de janeiro, foi um segundo sinal de que a relação pode estar atingindo outro nível.
Parceria ideológica se aprofunda
Além da reconciliação na área econômica, a parceria no campo ideológico se estreitou. O Itamaraty manifestou-se favorável ao ataque dos EUA que matou o general iraniano Qasem Soleimani e elogiou o plano de paz proposto por Trump para encerrar as disputas territoriais entre Israel e a Palestina.
O Brasil também foi sede, nos dias 4, 5 e 6 de fevereiro, de uma reunião do Processo de Varsóvia – grupo internacional coordenado pelo governo norte-americano para discutir soluções de pacificação para o Oriente Médio.
Na mesma semana, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, foi aos EUA para o lançamento da Aliança Internacional pela Liberdade Religiosa, iniciativa do secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo. O grupo tem 27 países, e o Brasil é um dos protagonistas.
Araújo também participou, no dia 6 de fevereiro, de um evento tradicional nos EUA, o Café da Manhã Nacional de Oração, em que vários líderes e autoridades se reúnem em Washington com o presidente para falar sobre religião. Mas não houve contato direto de Araújo com Trump durante o evento.
Bolsonaro faz nova visita aos EUA em março
Há a previsão de que Ernesto Araújo volte aos EUA no início de março, menos de um mês depois de sua primeira visita. Ele deve acompanhar Jair Bolsonaro em uma viagem à Flórida. O presidente entrará em contato com autoridades locais e o empresariado para discutir o aumento da parceria com esse estado, que tem vínculos fortes com o Brasil.
Bolsonaro encontrará parceiros políticos em Miami, como Rick Scott (senador do Partido Republicano pela Flórida e ex-governador do estado), Marco Rubio (também senador) e Francis Suarez (prefeito de Miami).
O governo norte-americano, por sua vez, já enviou ao Brasil o secretário de Estado assistente adjunto do Escritório de População, Refugiados e Migração dos EUA, Richard Albright, para participar do Grupo de Trabalho sobre Questões Humanitárias e de Refugiados do Processo de Varsóvia.
Brasil e EUA: apoio a Trump em plano de paz e no ataque a Soleimani
O Itamaraty foi rápido em manifestar apoio a duas decisões internacionais polêmicas do governo Trump.
Após o ataque ordenado pelo presidente norte-americano que assassinou o general iraniano Qasem Soleimani, no Iraque, no início de janeiro, o Itamaraty manifestou “apoio à luta contra o flagelo do terrorismo” e pediu “cooperação de toda a comunidade internacional sem que se busque qualquer justificativa ou relativização para o terrorismo”.
No fim de janeiro, o governo norte-americano publicou um “plano de paz e prosperidade” para o Oriente Médio para mediar o conflito entre Israel e a Palestina. O Itamaraty considerou que o documento “configura uma visão promissora para, após mais de sete décadas de esforços infrutíferos, retomar o caminho rumo à tão desejada solução do conflito israelense-palestino”. Disse ainda que a iniciativa “permite vislumbrar a esperança de uma paz sólida para israelenses e palestinos, árabes e judeus, e para toda a região.”
Em declaração à imprensa, Ernesto Araújo classificou a proposta como “inovadora, criativa e ambiciosa” e disse que ela “não deve ser rejeitada inicialmente” pela comunidade internacional.
Brasil vira prioridade para os EUA na OCDE
Em outubro de 2019, os Estados Unidos anunciaram prioridade aos processos de adesão da Argentina e da Romênia à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – o clube de nações desenvolvidas. O anúncio foi visto como uma grande derrota do governo Bolsonaro na política externa. Em março do ano passado, Trump havia sugerido a chance de apoio imediato à adesão do Brasil.
O presidente norte-americano era parceiro próximo de Mauricio Macri, ex-presidente da Argentina, e já havia assumido com ele o compromisso de apoiar a entrada da Argentina no órgão econômico antes mesmo de que Bolsonaro assumisse como presidente.
Com a troca de poder na Argentina e a chegada de um governo com tendências menos liberais na economia, o Brasil teve uma oportunidade de furar a fila. Logo no começo de 2020, os EUA formalizaram o apoio imediato ao ingresso do Brasil na OCDE.
Promessa de avanço no acordo de livre comércio entre Brasil e EUA
Também no início de 2019, conversas sobre um acordo de livre comércio começaram a surgir após a visita de Bolsonaro a Trump, em março daquele ano. Agora, o plano está começando a ganhar contornos mais concretos.
No Itamaraty, há a expectativa de que, até o fim de 2020, o governo criará bases sólidas para que o acordo comercial comece a ser negociado formalmente, colhendo os frutos do que foi plantado em 2019.
Um passo importante para que as negociações sobre um acordo de livre comércio ganhem maior relevância é estabelecer um acordo de reconhecimento mútuo de operadores econômicos autorizados, ferramenta para facilitar a passagem de mercadorias pelas aduanas dos dois países. A expectativa é que essa etapa se cumpra no primeiro semestre de 2020.
Outro passo relevante é a assinatura de um protocolo de facilitação do comércio entre Brasil e EUA, documento que estabelece várias medidas para simplificar e eliminar barreiras comerciais em âmbito internacional. Uma fonte do Itamaraty afirma que esse protocolo também deverá ser assinado em 2020.
Além disso, o Itamaraty quer concluir antes das eleições presidenciais norte-americanas, em novembro, o “diálogo exploratório” – termo que designa uma espécie de mapeamento dos interesses estratégicos dos países feito entre as duas partes.
Se essas três etapas realmente forem cumpridas em 2020, estariam lançadas as bases para que EUA e Brasil iniciassem uma negociação formal do acordo de livre comércio.