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Diplomacia

Brasil e EUA se reaproximam em meio à guerra na Ucrânia: o que esperar da nova relação

EUA
Embaixador do Brasil nos EUA Nestor Forster Jr. foi recebido pelo presidente dos EUA, Joe Biden, na Casa Branca, no começo do mês passado. (Foto: Twitter/Nestor Forster Jr.)

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Após criticar a posição do governo brasileiro sobre a Rússia em relação à guerra na Ucrânia, os Estados Unidos e o Brasil avançam em um processo de reaproximação. No mês passado, o embaixador brasileiro nos EUA, Nestor Forster Jr., foi recebido pelo presidente americano, Joe Biden. Há duas semanas, diplomatas brasileiros e americanos se reuniram em Brasília para um "diálogo de alto nível" que repassou a agenda bilateral entre os dois países. Segundo o Itamaraty, foram discutidas pautas como o "apoio à governança democrática", a "promoção da prosperidade econômica" e o "fortalecimento da cooperação em defesa, segurança e promoção da paz".

O diálogo de alto nível ocorre periodicamente e foi a primeira vez que reuniu delegações de ambos os governos. A aproximação com a gestão Biden — e a reaproximação com os EUA — é comemorada pelo Ministério das Relações Exteriores. Diplomatas apontam que o encontro faz parte dos diálogos estratégicos e simboliza uma agenda para afinar o diálogo entre os países.

A expectativa no Itamaraty é de que as conversas possam desenvolver as relações econômicas, diplomáticas e políticas entre os dois países. O governo brasileiro sabe que os Estados Unidos são um importante parceiro comercial, mas também entende que uma relação política possa ser construída.

Mesmo o suposto alerta do diretor da CIA (a Agência de Inteligência dos EUA), William Burns, para que o presidente Jair Bolsonaro (PL) não questione as eleições, é insuficiente para abalar a construção do relacionamento. O governo brasileiro tratou o caso como "fake news" e diplomatas brasileiros classificam a suposta fala como "ruídos". O diretor da CIA esteve em Brasília nos primeiros dias de julho do ano passado e participou de reunião no Palácio do Planalto.

O que Brasil e EUA ganham com a reaproximação

Pela ótica econômica e comercial, o Brasil ganha um parceiro que se comprometeu a ajudá-lo na busca de fontes alternativas de fertilizantes, importante insumo para o agronegócio brasileiro. Mesmo sendo concorrentes na produção de commodities, os EUA se comprometeram a aproximá-los de produtores norte-americanos e de nações parceiras.

O embaixador Pedro Miguel da Costa e Silva, secretário das Américas do Itamaraty, e o Departamento de Estado americano confirmaram ao site BBC News Brasil que a pauta de fertilizantes está presente nas conversas entre ambos os países. E embora a reportagem aponte que os produtores brasileiros já conheciam os potenciais exportadores indicados pelos EUA, o gesto ainda é apreciado no Itamaraty.

Interlocutores do governo apontam à Gazeta do Povo que a reaproximação entre as duas nações melhora o canal de diálogo e possibilita o avanço em diversos tratados, inclusive no apoio dos EUA para a ascensão do Brasil à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), uma das principais metas da política externa brasileira.

Os EUA, por sua vez, vislumbram na reaproximação com o Brasil a oportunidade de se fortalecer na América Latina para mostrar ao presidente russo, Vladimir Putin, o poder de Joe Biden, conforme analisou um diplomata brasileiro à BBC News Brasil, que afirma que agrada o Itamaraty "o atual termo das cooperações".

Já a percepção entre diplomatas americanos ouvidos pela BBC News Brasil é de que, especialmente diante da guerra na Ucrânia, é preciso aproximar-se de aliados e países amigos. "Isso demonstra que, para os EUA, o Brasil tem relevância econômica, política e diplomática. E é nosso interesse fazer parte da OCDE", diz um interlocutor do Itamaraty à Gazeta do Povo.

A expectativa entre diplomatas brasileiros e norte-americanos é de que a reaproximação possa ser definitivamente "selada" com a ida de de Bolsonaro à 9ª Cúpula das Américas, que ocorrerá em junho, em Los Angeles. A delegação dos EUA convidou o presidente brasileiro.

O padrão para esse tipo de evento é que Bolsonaro compareça, afirmam diplomatas. Há, inclusive, incentivos de sua equipe ministerial para que ele viaje à Cúpula das Américas, porém, a última palavra será dele. Caso não aceite o convite, é provável que o Brasil possa seja representado pelo ministro das Relações Exteriores, Carlos Alberto França, ou pelo vice-presidente Hamilton Mourão.

Lideranças do Congresso avaliam como natural a reaproximação

O senador Nelsinho Trad (PSD-MS), líder do partido e ex-presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, não considera os diálogos entre Brasil e os EUA uma reaproximação, por entender que não houve ruptura de relações, mas faz boa avaliação dos recentes gestos.

"O Brasil continuou se relacionando com os Estados Unidos em diferentes setores, como saúde, ciência e tecnologia — principalmente em relação à Covid-19 — e comércio. Os presidentes podem não ter uma relação de empatia profunda, mas como chefes de Estado, mantiveram a cordialidade", analisa Trad. "Penso, ainda, que a pandemia pode ter diminuído as oportunidades de encontro, mas isso não significa ruptura", reforça.

Sobre os fertilizantes como uma pauta que reaproximou os países, o líder do PSD entende ser natural a procura do Brasil pelos Estados Unidos. "É como faria no caso de qualquer outro país que eles sintam potencial de influência, de parceria comercial, é natural. Neste momento de guerra, são os fertilizantes que estão na pauta, mas o nosso país não indicou falta, inclusive, lançou um plano para se preparar, para que não falte esse insumo", destaca.

O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Sérgio Souza (MDB-PR), analisa como natural que os países estreitem as relações política, diplomática e comercial no atual cenário e destaca o diálogo como essencial para aumentar a produção de grãos e alimentos a fim de garantir a segurança alimentar do planeta.

Também vice-líder do MDB, Souza defende que o Brasil procure o máximo de parceiros e produtores possíveis para assegurar a importação de fertilizantes por agropecuaristas brasileiros. Apesar de os fertilizantes não estarem inclusos diretamente nas sanções dos EUA e da União Europeia à Rússia, existe uma preocupação do agronegócio que um embargo ocorra.

"Nos preocupa muito um eventual embargo aos fertilizantes da Rússia. O fertilizante é alimento para a planta, a planta produz alimento para a humanidade, tem toda a questão de segurança alimentar", afirma. Embora os produtores brasileiros tenham uma oferta do insumo suficiente para as safras deste ano, existe uma preocupação em relação às importações para as safras futuras.

Por esse motivo, o presidente da FPA tem agendada uma reunião com o chanceler brasileiro Carlos França na próxima semana para discutir o assunto e entender os esforços do governo para mitigar possíveis impactos. "Nós temos, sim, a preocupação de um embargo futuro que nos impeça de comprar fertilizantes da Rússia e Bielorrússia", destaca.

Como fica a relação com a Rússia em meio ao diálogo com os EUA

Além da perspectiva de avançar em relações comerciais, diplomáticas e políticas com os Estados Unidos, o Itamaraty também celebra as conversas sob outro aspecto. Para diplomatas brasileiros, além desses ganhos, a chancelaria também entende que as "portas" com a Rússia se mantêm abertas.

Desde o início da guerra, o Brasil adotou o que o Itamaraty classifica como uma posição de "equilíbrio", ao condenar a invasão das tropas russas sobre a Ucrânia, mas sem adotar críticas contundentes ou sanções individuais ao governo Putin. Agora, fruto desse posicionamento, diplomatas brasileiros entendem que o país possa manter bons relacionamentos com russos e americanos.

A leitura dos diplomatas é endossada pelo presidente da FPA. "Acho que é por aí, todos nós repudiamos essa guerra, mas a diplomacia brasileira historicamente sempre adotou uma posição de neutralidade. E sempre foi um país importante, com uma diplomacia respeitada no mundo global", pondera Souza.

O parlamentar avalia que o posicionamento brasileiro se mostrou acertado à medida em que entende que não fecha as portas para a Rússia e reaproxima o Brasil dos EUA. "Não sei se tomou a atitude pensando se, no futuro, poderia vir a ter uma aproximação desse ou daquele país, mas entendo como correta a posição", sustenta.

O especialista em relações internacionais Thales Castro, coordenador do curso de ciência política da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), concorda com a visão de diplomatas brasileiros e do presidente da FPA. "A reaproximação com os EUA não fecha as portas com a Rússia, de maneira alguma. O Brasil nem tem interesse em distanciar-se, mesmo porque não podemos, estamos integrados no âmbito dos Brics [grupo de países formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul], isso é inexorável", pondera.

O professor da Unicap elogia, ainda, o trabalho de Carlos França na condução da política externa antes e durante a guerra. "Apesar de jovem, o ministro é muito habilidoso. Fez um belíssimo trabalho na repatriação dos brasileiros [na Ucrânia] e isso deu muita visibilidade lá fora e aqui dentro. E reverbera como sendo um interlocutor de confiança para essa reaproximação estratégica", analisa.

"Biden sabe que, desde que assumiu, as relações entre Brasil e Estados Unidos têm sido mornas. Os EUA perceberam que o Brasil estava em um processo de distanciamento dos polos tradicionais do poder, de aliança estratégica e de cooperação histórica, e sabem que somos um ator estratégico e porta de entrada para a América Latina. Perceberam isso, retomaram os diálogos e colocaram o Brasil de volta sob seu carinho e afago", complementa Castro.

Ex-diretor da Apex-Brasil discorda e não identifica reaproximação política

O especialista em relações internacionais Márcio Coimbra, ex-diretor da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) na gestão Bolsonaro, discorda das visões de que o Brasil esteja se reaproximando dos Estados Unidos. Para ele, existe apenas uma relação pragmática no âmbito comercial.

"Os americanos são muito pragmáticos e eles vão estar querendo dialogar com o governo brasileiro sempre, mas o fato é que o governo de Jair Bolsonaro já queimou muitas pontes com os Estados Unidos. A mais recente delas é esse alinhamento com o governo Putin", analisa. "Eles sempre deixam uma porta aberta, que vem por intermédio de um pragmatismo, que pode ser comercial ou político. A porta do pragmatismo político, contudo, está fechada", acrescenta.

Para Coimbra, somente em um próximo governo o Itamaraty teria chances de reabrir essa "porta" do pragmatismo político. "Enquanto o Brasil mantiver essa posição pró-Rússia, não tem como ter avanço político nessa agenda", avalia. O ex-diretor da Apex entende que a posição de equilíbrio defendida pelo Itamaraty é, na verdade, uma posição pró-russa.

"E tanto Democratas e Republicanos têm o mesmo entendimento. Para eles, não se posicionar é tomar uma posição. É uma postura que eles rechaçam, até porque os americanos não atuam dessa forma, eles sempre tomam posição, nunca se abstêm. Para o americano, tudo tem lado, ou é um ou é outro, não existe essa posição equidistante que o Brasil desenhou na década de 1970 para a sua diplomacia", defende.

Coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Mackenzie, Coimbra também entende que, sem avançar nas relações políticas com os Estados Unidos, o Brasil não terá condições de evoluir as negociações para a ascensão à OCDE.

"O Brasil só se enfraqueceu para fazer parte da OCDE depois que se aproximou da Rússia contra a Ucrânia nesse conflito. O Brasil vinha em caminho virtuoso de aproximação com os países da OCDE, mas, certamente, após esse posicionamento pró-Rússia, tomou caminho contrário", avalia.

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