Brasil contribuiu para que resolução pressionando Maduro não fosse aprovada na OEA| Foto: EFE/ Andre Borges
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O Brasil se absteve na votação de uma resolução da Organização dos Estados Americanos (OEA) que solicitava à Venezuela a entrega imediata de suas atas eleitorais. Ao lado de outras 10 nações, incluindo Colômbia e México, a abstenção brasileira contribuiu para a não aprovação da resolução e para a manutenção de um posicionamento menos incisivo da OEA diante dos graves indícios de fraude nas eleições venezuelanas. Estados Unidos, Canadá, Argentina, Chile e Uruguai, entre outros países, votaram pela aprovação do texto.

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Na reunião de votação, nesta quarta-feira (31), o representante brasileiro na OEA, embaixador Benoni Belli, repetiu o posicionamento já expressado pelo Ministério das Relações Exteriores no começo da semana, de que "o Brasil aguarda a publicação do CNE [Conselho Nacional Eleitoral] de dados desagregados, por mesa eleitoral". Segundo ele, esse é um "passo indispensável para a transparência, credibilidade e legitimidade das eleições".

Em resposta ao posicionamento brasileiro, a líder da oposição na Venezuela, María Corina Machado, publicou em seu perfil no X um agradecimento ao embaixador Benoni Belli, por reafirmar o "princípio fundamental da soberania popular" ao solicitar a publicação das atas. Ela ainda declara sua disposição em negociar um "entendimento entre as partes" que facilite uma "transição ordenada" para o resultado expresso pelos venezuelanos no pleito.

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A oposição garante que seu candidato, Edmundo González Urrutia, é o verdadeiro vencedor, ao contrário do divulgado pelo CNE que deu a reeleição a Maduro com 51,2% dos votos, contra 44,2% do oposicionista.

Ainda durante sua fala na OEA, o embaixador Belli destacou que "o Brasil está acompanhando com preocupação os protestos na Venezuela e clama a todos os atores político e sociais a serem muito cuidadosos em suas expressões para evitar uma escalada de violência", continuou. "Também clama todos os atores políticos venezuelanos a procederem em conformidade com o direito de manifestação pacífica a fim de assegurar o ambiente de diálogo e que contribui com a democracia", disse.

A Gazeta do Povo questionou o Ministério das Relações Exteriores sobre a abstenção do Brasil na votação da resolução, mas o órgão não informou o motivo do posicionamento, apenas reiterou a espera pelos dados eleitorais da Venezuela.

Analistas ouvidos pela Gazeta do Povo afirmam que a situação é delicada e que a abstenção brasileira se justificaria pela tentativa de manter as relações com a ditadura de Nicolás Maduro e uma eventual posição de mediador na crise eleitoral venezuelana.

No entanto, a posição eleva a pressão internacional sobre o Brasil e pode levar a um isolamento do país na região, na medida em que democracias como EUA, Canadá, Argentina, Uruguai e Chile questionam os resultados das eleições presidenciais venezuelanas.

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A abstenção na OEA ainda agrava o que os especialistas percebem como uma dupla sinalização do governo brasileiro. Por um lado, solicita a publicação das atas eleitorais em comunicados oficiais. Por outro, evita uma cobrança contundente ao regime chavista. Soma-se a isso a fala de Lula de que não houve nada de “anormal” na eleição do país vizinho e a nota de seu partido, o PT, parabenizando o ditador Nicolás Maduro pela reeleição.

“Há uma percepção de que o Brasil está mais para apoiar e que está tentando achar um argumento que legitime a posição do governo Maduro. Então, o governo brasileiro vai continuar usando o mesmo discurso, mas isso mina e coloca em risco a capacidade de mediação do Brasil na crise”, afirmou Denilde Holzhacker, professora de relações internacionais da ESPM, referindo-se à abstenção.

Ela pondera ainda que diante de posturas mais incisivas, como as de EUA, Uruguai e Argentina, o Brasil pode ter sua posição esvaziada e colocada em xeque. "O Brasil não conseguiu construir uma liderança forte e coesa, apesar de ainda ser visto como um país muito importante para a região”, afirma ela.

Para o sociólogo venezuelano Guillermo Pérez, o Brasil "está tentando não incomodar de maneira nenhuma a Venezuela para não romper os vínculos", mas isso causa um mal-estar muito grande, principalmente com a comunidade venezuelana em geral, incluindo os milhares que migraram para o Brasil.

Por outro lado, ele afirma que o trabalho da diplomacia brasileira é relevante para continuar a luta pelos direitos políticos dos venezuelanos. Nesse sentido, ele pondera que a assinatura da resolução da OEA poderia ter sido contraproducente para a atuação do Ministério das Relações Exteriores na questão dos direitos dos seis opositores asilados na embaixada da Argentina desde março deste ano.

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A posição da diplomacia permitiu ao Brasil assumir a custódia das instalações da embaixada argentina na Venezuela, uma vez que os diplomatas argentinos foram expulsos pelo regime chavista e os brasileiros não sofreram retaliação.

Em mensagem publicada na rede social X, o presidente Javier Milei destacou os "laços de amizade" entre Argentina e Brasil e expressou sua convicção de que "em breve" reabrirá sua embaixada "em uma Venezuela livre e democrática". A líder da oposição venezuelana, María Corina Machado, também expressou sua gratidão ao Brasil.

Na quarta-feira (31) o embaixador venezuelano no Brasil, Manuel Vadell, solicitou uma conversa telefônica entre Maduro e Lula. Ainda sem hora marcada, as perspectivas são de que o telefonema ocorra nesta quinta-feira (1º).

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]

Até mesmo o PT está divido

A dubiedade de posicionamento do governo reflete as divergências internas do Partido dos Trabalhadores. Em nota, a Executiva Nacional do PT, presidida por Gleisi Hoffmann (PT-PR), exaltou as eleições, chamando o processo de “jornada pacífica, democrática e soberana”. Ex-ministro da Casa Civil, o petista José Dirceu também exaltou a reeleição de Maduro e disse que o voto impresso utilizado no país vizinho é “seguro” e “inviolável”.

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Por outro lado, integrantes do partido têm se pronunciado a favor da transparência nas eleições por meio da divulgação das atas. O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), criticou o resultado das eleições e afirmou que o regime vigente na Venezuela é “autoritário”.

Em publicação no X, o senador Fabiano Contarato (PT-ES) afirmou que o “resultado das eleições venezuelanas não merecem reconhecimento da comunidade internacional enquanto as exigências mínimas de transparência não forem satisfatoriamente atendidas”.

Pressão internacional aumenta

Durante a reunião da OEA que não aprovou a resolução pedindo transparência nas eleições da Venezuela, o ministro das Relações Exteriores do Peru, Javier González-Olaechea, criticou o Brasil e os países que se abstiveram na votação.

“Houve 17 votos a favor, nem sequer alcançamos maioria, 11 abstenções e, se as contas não falham, 5 ausentes. O que significa se abster? No fundo, é não ter a suficiente vontade de expressar que estão a favor da verificação dos votos que, teoricamente, dão a vitória ao senhor Maduro”, disse o chanceler peruano.

Ainda na quarta-feira (31) o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, que assim como Lula é aliado de Maduro, questionou os resultados das eleições presidenciais na Venezuela, aumentando a pressão sobre um posicionamento mais enfático do Brasil, apesar da abstenção sobre a resolução. O líder colombiano afirmou que existem “sérias dúvidas” sobre a apuração do pleito. Ele pediu transparência eleitoral e que Maduro aceite o resultado, “seja qual for”.

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O que dizia a resolução não aprovada

Além de solicitar a garantia de segurança nas instalações diplomáticas, a resolução pedia respeito aos direitos humanos, especialmente dos cidadãos se manifestarem pacificamente.

O documento também reconhece a participação substancial da população nas eleições do dia 28 de julho e solicita que o Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela publique os resultados de cada mesa eleitoral, assim como suas atas, além de preservar a integridade de equipamentos e documentos relacionados às eleições.

A Venezuela não faz parte da OEA, o que, segundo analistas, esvaziaria, de certa forma, os efeitos da resolução, mesmo se ela fosse aprovada.