A vacinação contra a Covid-19 no Brasil segue em ritmo lento e um dos principais motivos para a imunização a conta-gotas é a dependência internacional por insumos. O Instituto Butantan teve de paralisar a fabricação da Coronavac no início de abril em razão do atraso na importação do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) vindo da China. Com o envase da vacina parado por 10 dias, o Plano Nacional de Imunização (PNI) teve de ser interrompido em diversos estados.
No último sábado (24), o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, atualizou o cronograma de recebimento de vacinas para o primeiro semestre de 2021 com uma redução de 22,5% em relação à previsão divulgada anteriormente, em março, quando a pasta estava sob o comando do ex-ministro Eduardo Pazuello.
Somente no número de doses esperadas para maio houve uma queda de 31%. Anteriormente eram projetadas 46,9 milhões de doses. Agora, a previsão passou para 32,4 milhões.
Queiroga lamentou a dificuldade para o recebimento dos imunizantes já comprados pelo governo federal. “Naturalmente que nem sempre o que é tratado [coma as indústrias farmacêuticas] é entregue [no prazo combinado]”, disse.
No mesmo evento, o secretário-executivo do Ministério da Saúde, Rodrigo Otávio Moreira da Cruz, falou sobre os entraves no recebimento dos insumos que têm atrasado a campanha de vacinação no país. “É importante a gente mencionar as variáveis que podem afetar um eventual não cumprimento no cronograma das vacinas. A gente tem aí uma possibilidade de atraso no envio dos insumos que são utilizados para a produção de vacinas”, ressaltou.
Acordos garantem fabricação na Argentina
Alheia às dificuldades enfrentadas pelo Brasil, a Argentina se tornou o primeiro país da América Latina a fabricar o IFA em território nacional, garantindo a produção local da vacina AstraZeneca.
A fábrica opera no país vizinho desde janeiro e é responsável por abastecer países da América Latina com o imunizante. Segundo a empresa mAbxience, a unidade localizada em Garín, província ao norte de Buenos Aires, poderá produzir “mais de 200 milhões de doses da vacina a serem fornecidas a todos os países da região, exceto o Brasil” que, por uma questão contratual com a farmacêutica, recebe os insumos vindos da China e não do país vizinho.
Em razão da alta demanda brasileira, a AstraZeneca optou por concentrar toda a demanda brasileira na Ásia, que possui maior capacidade para a produção de insumos. A fábrica na Argentina pertence ao médico e empresário Hugo Sigman, próximo do presidente Alberto Fernández.
Produção do IFA nacional
Os dois laboratórios com capacidade para a produção de vacinas do Brasil, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto Butantan, trabalham para tentar garantir a independência total do país na fabricação dos imunizantes contra a Covid-19 e, dessa maneira, não depender da importação do IFA. Isso também deve garantir respostas mais rápidas contra novas variantes do coronavírus.
A Fiocruz já tem trabalhado na preparação da fábrica que, em breve, irá garantir uma produção 100% nacional tanto de insumos como da vacina contra a Covid-19. Nesta segunda-feira (26), a unidade de Bio-Manguinhos recebeu técnicos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para uma inspeção das condições técnicas operacionais para a produção do IFA. A partir desta certificação, devem começar a produção de lotes de pré-validação e validação dos insumos entre maio e julho.
Processo lento
Todo o processo de controle de qualidade leva, em média, 45 dias. Depois disso, são necessárias mais 4 semanas para a formulação e liberação do IFA no processo de fabricação da vacina.
A expectativa é para que a produção nacional comece em outubro deste ano. Segundo o diretor do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz), Mauricio Zuma, deve ocorrer um adiantamento da produção para garantir maior rapidez na disponibilidade das vacinas ao Ministério da Saúde.
“Logo após o lote de validação, vamos começar o lote comercial. Normalmente, espera-se para, só após a aprovação da Anvisa, a fabricação os lotes comerciais, porque, se a agência não aprovar, tem-se que jogar fora. Mas nós não vamos esperar. Vamos começar a produzir e estocar, por causa desse momento de urgência", disse, em publicação divulgada pela própria Fiocruz.
A Fiocruz afirma também que negocia com a AstraZeneca o recebimento de quantidades extras do IFA necessário para a produção da vacina contra a Covid-19 no Brasil. Segundo a fundação, como os processos para a fabricação da vacina 100% nacional devem se estender para o segundo semestre, as remessas adicionais do ingrediente ativo podem reforçar a produção e as entregas dos imunizantes até lá.
Para os próximos meses, a programação da Fiocruz é de que as entregas das vacinas cresçam em volume e cheguem a 21,5 milhões, em maio; 34,2 milhões, em junho; e 22 milhões, em julho. Desse modo, a fundação cumprirá a meta de produzir 100,4 milhões de doses a partir do ingrediente farmacêutico ativo importado. Já para o segundo semestre, a Fiocruz prevê produzir 110 milhões de doses com IFA fabricado no Brasil.
Iniciativa privada garante nova fábrica do Butantan
A Butantan, fabricante da Coronavac, também tem planos ambiciosos de ampliar suas unidades e garantir a produção nacional de insumos e imunizantes para garantir totalmente a demanda interna a partir do segundo semestre deste ano. A nova fábrica do instituto paulista começou a ser construída ainda em novembro de 2020 e tem sido realizada graças a iniciativa privada, que garantiu doações para a realização das obras.
Segundo o próprio Butantan, a expectativa é de que a nova unidade tenha cerca de 11 mil metros quadrados e uma capacidade de produção anual de 100 milhões de doses do imunizante contra a Covid-19, produzido integralmente no Brasil, eliminando por completo a necessidade da dependência internacional por insumos.
O término das obras está previsto para 30 de setembro deste ano. Com isso, as primeiras doses da vacina seriam produzidas somente em dezembro. A expectativa é para que a produção industrial tenha início apenas em janeiro de 2022.
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