O Brasil tem se esforçado para entrar no clube dos países ricos, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mas não consegue investir o suficiente para universalizar o acesso a saneamento básico no país.
Estudo do Banco Mundial mostra que o país investe o equivalente a 0,2% do PIB em tratamento de água e esgoto – precisaria dobrar esse montante para ampliar o acesso a esses serviços. Enquanto não faz isso, o país perde dinheiro: mais de R$ 1,1 trilhão ao longo de 20 anos em benefícios como aumento de produtividade, valorização imobiliária e melhoria das condições de saúde da população, de acordo com estimativa do instituto Trata Brasil.
Há mais de uma década, o país tem um plano de saneamento básico. Tirá-lo do papel, no entanto, tem sido uma tarefa árdua. No ano passado, uma medida provisória que atualizava o marco legal do saneamento básico e acabava com o monopólio estadual para as obras no setor perdeu a validade antes mesmo de ser analisada no Congresso.
Mas há uma nova chance: a MP 868 basicamente reproduz o mesmo texto da medida que caducou e acrescenta novos pontos. Uma comissão mista está analisando o tema, que é relatado pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). O texto precisa ser votado até junho.
A atual comissão mista tem feito audiências públicas para debater o tema. O último encontro foi no dia 16 de abril, e contou com a presença do ministro do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto. De acordo com ele, a previsão de investimento do Plano Nacional de Saneamento Básico para o período de 2019 a 2023 é de R$ 112,3 bilhões, sendo que R$ 44 bilhões viriam do governo federal.
O problema é que atualmente o orçamento disponível para esse tipo de investimento é de R$ 4 bilhões, o que exige mais que dobrar o valor investido por ano para cumprir a meta de curto prazo – até 2033, seria necessário investir R$ 597,8 bilhões em saneamento.
A passos lentos
O Brasil já avançou, mas ainda tem um caminho longo a percorrer. Em 2004, 80,6% dos brasileiros tinham acesso a água tratada. O índice passou para 83,3% em 2016. O país está mais atrasado no que diz respeito à coleta de esgoto: o serviço chegava a 38,4% dos brasileiros em 2004 e passou para 51,92% em 2016.
Apesar disso, 33,4 milhões de brasileiros ainda não tinham água tratada em suas casas e 96,2 milhões moravam em locais em que não havia coleta de esgoto, de acordo com os dados de 2016. No período entre 2004 e 2016, os custos das operações de saneamento somaram R$ 389,1 bilhões. Os benefícios gerados superaram esse valor em R$ 201,5 bilhões.
O levantamento “Benefícios econômicos e sociais da expansão do saneamento no Brasil”, do Trata Brasil, publicado no final de 2018, também calcula os custos da operação de saneamento para o período entre 2016 e 2036.
A expectativa é de que os benefícios com a universalização do saneamento somem R$ 1,521 trilhão no período – os custos estimados devem ficar em torno de R$ 395,6 bilhões. “Assim, os benefícios devem excederam os custos em R$ 1,126 trilhão, ou R$ 56,287 bilhões por ano, indicando um balanço social bastante promissor para o país”, aponta o documento.
Os benefícios que o Brasil está perdendo
O Trata Brasil avaliou sete tipos de benefícios que o país pode obter, caso faça os investimentos necessários em saneamento. Um deles é a redução dos custos com a saúde. Estimativa do instituto mostra que cada R$ 1 investido em saneamento gera economia de R$ 4 na saúde.
No período de 2016 a 2036, a economia com a melhoria das condições de saúde é estimada em R$ 5,949 bilhões – um ganho anual de R$ 297 milhões.
Esse impacto positivo na saúde reflete em aumento de produtividade. Se as pessoas adoecem menos, é possível frequentar a escola por mais tempo e melhorar a própria qualificação, além de não perder horas de trabalho por causa de internações ou consultas.
A universalização do saneamento pode representar um ganho de R$ 9,5 bilhões por ano, no período de 2016 a 2036, de acordo com o Trata Brasil. Ainda há benefícios com a expansão do turismo, renda gerada pelo investimento e das operações e impostos.
Investimentos prioritários
Nota técnica produzida pelo Banco Mundial também em 2018 aponta que os investimentos em abastecimento e saneamento deveriam estar no topo de agenda política, porque são essenciais para o desenvolvimento social e econômico. O órgão estimou que o país precisa colocar cerca de 0,4% do PIB nesse tipo de obra, mas só realizou aportes na casa de 0,21%. Porém, o Banco Mundial faz a ponderação: não basta investir mais, é preciso fazê-lo melhor.
A avaliação é de que o acesso a financiamento para investimentos exige um caminho processual muito complexo e que não há incentivos para o aumento de eficiência e capacidade financeira de prestadores públicos do serviço num setor em que a penetração de empresas privadas é muito limitada.
“A ampliação da participação do setor privado pode gerar ganhos na eficiência e no investimento, assim como melhorias na governança e na eficiência dos prestadores públicos, especialmente com ganhos de escala. Para isso, será necessário aprimorar os regimes regulatórios”, aponta a nota.
Um ponto polêmico da MP é a possibilidade de “privatização” no setor. O governo defende que é necessário ampliar a participação de empresas privadas, inclusive como forma de aumentar os investimentos para ampliação de rede.
Uma possibilidade era de que os municípios seriam obrigados a realizar chamamentos públicos para contratar empresas prestadoras de serviço – o que, em tese, favoreceria a iniciativa privada e traria problemas para cidades menores onde a prestação desse tipo de serviço seria menos rentável. Esse ponto desagrada aos parlamentares e também estatais do setor e deve ser revisto ainda no âmbito da comissão mista.
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