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O Brasil pretende adquirir kits de teste rápido para identificar quem está contaminado com o novo coronavírus. O Ministério da Saúde está em contato com autoridades da Coreia do Sul para estudar a possibilidade da importação dos testes.
“Nós não temos ainda o teste rápido, que é parecido com o teste de gravidez, em que você coloca a amostra e ele dá uma reação. Estamos trabalhando para adquiri-lo e colocá-lo [em uso]”, disse Wanderson Oliveira, secretário-executivo do Ministério da Saúde, durante coletiva na última segunda-feira (16).
A Coreia do Sul é um dos países mais bem sucedidos em testar a população para a Covid-19. Segundo o Centros de Controle e Prevenção de Doenças da Coreia do Sul (KCDC, na sigla em inglês), até o dia 18 de março o país havia testado mais de 295 mil pessoas, entre elas 8.413 deram positivo para o coronavírus, 1.540 receberam alta do isolamento, 6.789 estão isolados e 84 mortos. Outras 16.346 estão aguardando resultado e 270.888 testaram negativo.
Os testes em massa na Coreia do Sul permitiram ao país controlar melhor a epidemia do que outras nações. E isso se reflete no baixo índice de mortalidade do coronavírus entre os coreanos: 0,7%, enquanto o índice global é de 3,4%.
Por enquanto, no Brasil a determinação é de que só sejam realizados testes em pacientes graves, pois não há insumos suficientes para testar todos que apresentem sintomas, contrariando a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) para que todos os casos suspeitos sejam testados.
João Gabbardo, secretário-executivo do Ministério da Saúde, já afirmou que o problema não é dinheiro e, sim a disponibilidade de testes rápidos. Dezenas de países, assim como o Brasil, querem importar os testes rápidos.
Como funciona o teste rápido
O teste rápido é parecido com teste de gravidez, feito com várias soluções químicas. As amostras são coletadas dos pacientes e misturadas nas soluções, que reagem com o conteúdo genético presente. O teste coreano foi criado a partir de um sistema de inteligência artificial baseado em big data.
Segundo a CNN, o KCDC, que normalmente pode levar até um ano e meio para aprovar a liberação desse tipo de teste, o liberou em uma semana. A Seegene, empresa responsável pelo kit, tem pelo menos 30 países na fila de espera dos pedidos. E é apenas uma das quatro empresas coreanas que fabricam o teste. A companhia produz cerca de 10 mil kits por semana, cada um deles pode testar 100 pacientes – ou seja, um milhão de pessoas por semana, custando menos de US$ 20 por teste.
Coreia do Sul tem drive-through para realizar o teste rápido
A facilidade e a rapidez com que a população da Coreia do Sul é testada tem sido apontada como uma das maiores armas contra o novo coronavírus. Essa medida foi tomada após o país identificar o crescimento de casos de coronavírus relacionados a um culto religioso.
A Coreia do Sul instalou estações de drive-through para realizar os exames rápidos sem que as pessoas saiam de seus automóveis. É só chegar de carro que profissionais da saúde – paramentados da cabeça aos pés com máscaras cirúrgicas e macacões de proteção – coletam as amostras para fazer o exame. É usado um longo cotonete para retirar muco do interior da boca e garganta e outro cotonete para retirar amostra do nariz das pessoas.
As amostras são colocadas num tubo e enviadas rapidamente para um laboratório. O teste é realizado em ambiente de pressão negativa para evitar qualquer tipo de contaminação. A precisão é de 98% e leva entre um e dois dias para o resultado ficar pronto.
A pessoa recebe um telefonema se o teste for positivo ou uma mensagem de texto, se for negativo. Cerca de 96% dos laboratórios públicos e privados estão aptos a realizar testes para o coronavírus e são a linha de frente no combate a doença, segundo a BBC.
Com o teste rápido, o país consegue rastrear a maioria dos infectados para promover o isolamento dele e das pessoas com quem ele teve contato.
Casos assintomáticos também são identificados
A testagem em massa da população também permite a identificação de casos assintomáticos – ou seja, de pessoas contaminadas que não apresentam sintomas.
"A vantagem de um teste em massa é que ele identifica tanto os casos graves quanto os brandos e até os assintomáticos. Isso aumenta muito o número de identificações. Mas se é feito somente o teste em quem busca o atendimento médico, o dado pode ficar enviesado, porque provavelmente só vai identificar os casos médios e graves, justamente onde a chance de evoluir a óbito é maior", explica Marcelo Gomes, pesquisador em saúde pública do Programa de Computação Científica da Fiocruz. Estima-se que isso é que tenha ocorrido na Itália.
A Coreia começou a ter registros pouco depois do início da epidemia na China. O primeiro relato de um caso foi feito em 20 de janeiro. O pico de casos novos em 24 horas ocorreu em 29 de fevereiro – com 909 registros – e na quarta-feira (18), havia sido de apenas 93. Assim como ocorre com a China, os novos casos vêm caindo e a epidemia começa a se estabilizar.
O que o Brasil pode aprender com a Coreia?
"A impressão que se tem é de que a vigilância da Coreia talvez estivesse mais bem preparada. E, se tem um bom atendimento para as pessoas infectadas, a mortalidade é menor. Na Itália, como já nos primeiros casos identificados houve mortes, isso sugere que a vigilância tem baixa sensibilidade", diz o epidemiologista Eliseu Waldman, da Faculdade de Saúde Pública da USP. Para ele, o sistema de saúde italiano entrou em colapso, e parte dessa alta mortalidade pode se dever às condições adversas no atendimento médico.
Os pesquisadores opinam ainda que os dois quadros trazem algumas pistas sobre o que precisa ser feito no Brasil. Uma vigilância atenta, que monitore o vírus desde o início, pode ajudar a impedir a transmissão, mas é recomendável adotar medidas que diminuam aglomerações.
"Mesmo que não se consiga completamente bloquear a transmissão ou impedir a invasão no Brasil, é fundamental que se consiga diminuir a velocidade de transmissão. Isso tem impacto na habilidade do sistema de saúde de tratar de forma adequada os pacientes e evitar os óbitos", complementa Gomes.
Por que a Coreia estava mais preparada que outros países
A Coreia do Sul aprendeu com os erros cometidos durante a epidemia de Mers, como ficou conhecida a síndrome respiratória do Oriente Médio, em 2015. No país morreram 38 pessoas. Entre as medidas que precisavam de correção estava a necessidade de uma maior quantidade de testes para o diagnóstico preciso.
De acordo com a ProPublica, a partir de então foram instauradas reformas no sistema de saúde coreano – o que resultou em uma ação mais eficaz, logo após o início da epidemia da Covid-19 começar na China. Dentro de três semanas, quatro companhias coreanas já tinham testes aprovados pela OMS, e produziam uma quantidade de material suficiente para testar 10 mil pessoas por dia.