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Meio ambiente

Brasil quer aproveitar a COP-26 para mostrar ao mundo sua nova agenda climática

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Presidente da COP-26, o britânico Alok Sharma, foi recebido no início do mês pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, que apresentou os planos da nova agenda ambiental brasileira. (Foto: Divulgação/MMA)

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Em um esforço para mostrar ao mundo que o Brasil não é um pária ambiental e quer reassumir a liderança diplomática que exerceu até poucos anos atrás, o governo federal decidiu que a agenda climática e ambiental será uma das prioridades a partir de agora. Em reunião na terça-feira (17), o Palácio do Planalto definiu que vai atuar simultaneamente em três frentes para colocar em ação medidas que demonstrem o comprometimento da gestão do presidente Jair Bolsonaro com o meio ambiente.

A Gazeta do Povo apurou que a primeira ação é atualizar a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC). A segunda será revisar o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima. E a terceira frente é a criação do Programa Nacional de Crescimento Verde, medida que vai dar incentivos para empresas que produzirem com baixa emissão de gases de efeito estufa (GEE).

A meta é lançar o Programa Nacional de Crescimento Verde antes da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-26). O fórum internacional vai ocorrer entre 31 de outubro e 12 novembro, em Glasgow, Escócia. Com o projeto apresentado, o Planalto acredita que o Brasil conseguirá melhorar sua imagem não só diante de outros países, mas também internamente.

Parte desse esforço visa criar uma agenda positiva em meio ao atual clima de tensão política entre os três poderes. Ao longo das últimas semanas, o governo foi criticado por causa do desfile de veículos militares blindados, em Brasília. Embora previamente marcado pela Marinha, o evento coincidiu com o dia da votação da PEC do voto impresso na Câmara dos Deputados. Por se tratar de um projeto de interesse de Bolsonaro, o desfile foi visto como um meio de pressão sobre o Congresso. Para piorar, as imagens de blindados enfileirados na Esplanada dos Ministérios, alguns deles soltando uma fumaça escura pelo escapamento, rodaram o mundo.

Além disso, a derrota da PEC na Câmara ampliou os atritos entre Bolsonaro e ministros do Supremo Tribunal Federal. O presidente afirmou nas redes sociais que irá pedir ao Senado a abertura de processo de impeachment de Luis Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, o atual e o futuro presidente do Tribunal Superior Eleitoral.

Essa crise entre os poderes aumenta as incertezas sobre o futuro do Brasil e coloca em risco investimentos no país. Por isso, a ideia do Planalto é "virar a página" por meio da nova agenda ambiental e climática, um anseio do setor produtivo, melhorando a imagem do Brasil no exterior e assegurando financiamento internacional para ações ambientais do governo brasileiro.

Agenda ambiental e climática foi definida com participação de vários ministros

Tornar a pauta sobre o clima uma das prioridades do governo Bolsonaro foi uma decisão tomada no Planalto na segunda reunião ordinária do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima.

A convocação foi feita pelo ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, e reuniu outros seis ministros: o das Relações Exteriores, Carlos Alberto França; da Economia, Paulo Guedes; da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas; da Agricultura, Tereza Cristina; da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes; e do Meio Ambiente, Joaquim Leite. Além dos sete ministros, participaram da reunião secretários e assessores técnicos.

A ideia de "crescimento verde" não é nova. Ainda em março deste ano, Guedes afirmou na 61.ª Assembleia de Governadores do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) que a agenda de desenvolvimento da Amazônia é uma prioridade por meio da chamada economia verde.

O governo argumenta que sua agenda de desenvolvimento sustentável não é mera figura de retórica. Mas o Planalto reconhece que teve dificuldades em convencer o país e o mundo sobre isso. O ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, por exemplo, sempre foi criticado no Brasil e no exterior por ações e supostas omissões no comando da pasta. No cargo desde junho, o novo ministro da pasta, Joaquim Leite, tem como missão avançar nessa agenda ambiental e mudar a percepção sobre o atual governo.

Quais as expectativas do governo em priorizar a agenda climática

Com a reformulação do Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima, o governo espera reafirmar e assegurar o cumprimento das metas anunciadas por Bolsonaro na Cúpula dos Líderes sobre o Clima, em abril deste ano. O Brasil se comprometeu a reduzir em 37% as emissões de gases causadores do efeito estufa até 2025 e chegar a 43% até 2030.

O plano tem por objetivo propor todas as iniciativas do governo rumo à chamada "neutralidade de carbono" – ou seja, o volume de emissões de gases do efeito estufa ser igual ao de absorção.

Isso envolve ações como o Floresta+ Amazônia, o Floresta+ Carbono, o Floresta+ Empreendedor e o Floresta+ Água, que estão em estudo. São medidas que estimulam o combate ao desmatamento e a redução de emissão de gases pelo desenvolvimento sustentável, à medida em que se propõe remunerar quem preserva o meio ambiente. As árvores absorvem e retém gás carbônico. Por outro lado, queimadas lançam esse carbono absorvido à atmosfera.

É com essa lógica que o governo vai propor o Programa Nacional do Crescimento Verde. A aposta do Planalto é que, atuando em conjunto com plano nacional, o Brasil conseguirá atingir outra meta, a de neutralizar a emissão de gases poluentes até 2050. A meta anterior era de 2060.

Dentro desse planejamento, o governo também vai propor a atualização dos informes a organismos internacionais sobre as emissões brasileiras de gases do efeito estufa. Lançado em 2019, o relatório Emissions Gap, da ONU Meio Ambiente, apontou que o Brasil é responsável por cerca de 3% da emissões de carbono realizadas no mundo.

Ao todo, as emissões em escala planetária foram de 55,3 bilhões de toneladas em 2018. No Brasil, o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases (SEEG) apontou que foi emitido 1,9 bilhão de toneladas no mesmo ano. Em 2019, segundo o último relatório, subiu para 2,2 bilhões, um aumento de 15,8%. Entretanto, o governo nega os dados e calcula que, de fato, a emissão foi de 1,31 bilhão de toneladas de gases causadores do efeito estufa em 2019.

Do 1,31 bilhão de toneladas informados pelo governo, 22,3% advêm de "mudança do uso da terra e florestas" – categoria em que se enquadra o desmatamento ilegal. "Ou seja, o desmatamento representa entre 0,3% e 0,6% das emissões globais", disse à Gazeta do Povo um interlocutor do governo. Já a agropecuária responde por 33,6% das emissões. "Os incêndios florestais são computados como atividade econômica, o que não é verdade", afirmou ele.

O Planalto pretende convencer os organismos internacionais sobre seus apontamentos e cálculos para a revisão do próximo informe de emissões da ONU Ambiental.

Obtenção de recursos externos é um dos motivos da mudança ambiental

A agenda climática preparada pelo governo será monitorada por dois grupos de trabalho interministeriais. Um ficará responsável por acompanhar o aprimoramento da elaboração do inventário nacional sobre mudança do clima e monitorar as emissões de gases do efeito estufa. O outro vai cuidar da revisão do Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima.

Com isso, o Planalto diz estar otimista para a COP-26. A expectativa é de que todas as medidas farão com que o governo chegue a Glasgow mais preparado para convencer o mundo de que o Brasil mudou sua política ambiental. Dessa forma, entende que terá maior poder de barganha para pleitear recursos e negociar pontos sobre a implantação do Acordo de Paris – tratado internacional sobre mudanças climáticas.

O Acordo de Paris foi proposto em 2015 prevendo a destinação de US$ 100 bilhões por ano, a partir de 2020, para países em desenvolvimento que propuserem projetos de adaptação dos efeitos das mudanças climáticas. A doação de recursos atenderia as ações previstas pelo Floresta+ Amazônia.

Os EUA são um dos países com quem o governo negocia a obtenção de recursos que, se transferidos, seriam destinados a políticas ambientais de combate ao desmatamento e redução de emissões de carbono.

A Gazeta do Povo apurou que o enviado especial do governo norte-americano para assuntos do clima, John Kerry, apresentou uma proposta de US$ 150 mil, que foi rejeitada pelo Ministério do Meio Ambiente. As negociações, entretanto, permanecem.

Desde abril, o governo federal negocia com os EUA uma doação de US$ 1 bilhão. Interlocutores do governo afirmam, contudo, que o problema da oferta de Kerry não é só valor sugerido, que representa 0,01% do valor negociado há quatro meses. O grande empecilho é que a doação não seria feita ao governo, mas para fundos de investimento de capital de risco, possivelmente por intermédio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

O governo tem interesse em receber a doação de recursos e vai manter negociações com os EUA, tendo como base suas reduções de emissões já reportadas em âmbito a organismos internacionais. A ideia é que esse dinheiro sirva para promover o pagamento de serviços ambientais – ou seja, para remunerar quem preserva florestas. Segundo interlocutores, o Brasil tem reconhecidas a redução de 9 bilhões de toneladas de carbono emitidas. As doações já podem ser feitas no âmbito do que prevê o artigo 5.º do Acordo de Paris, e poderiam financiar as ações e programas da agenda climática do Planalto.

O sucesso na negociação com Kerry também seria uma vitória política para Bolsonaro. O site Poder 360 informou que oito governadores articulam a criação de um consórcio para captar recursos que bancariam ações contra as mudanças climáticas sem a participação do governo federal. A intenção é conseguir dinheiro externo para executar projetos que, somados, chegam a US$ 300 milhões. Governadores mantêm conversas com Kerry e, em abril, enviaram uma carta ao presidente dos EUA Joe Biden em que oferecem parceria para preservar o meio ambiente.

Expectativa é tornar o Brasil líder no mercado de créditos de carbono

O governo federal também espera, com sua nova política ambiental, regulamentar nos fóruns internacionais o artigo 6.º do Acordo de Paris – dispositivo do tratado que cria regras para mercado de créditos de carbono.

Um crédito de carbono é uma espécie de "moeda" que um país ganha ao reduzir suas emissões de gases causadores do efeito estufa. Uma nação pode vender esses créditos para empresas ou países que não conseguem reduzir suas emissões e que, por isso, não atingem suas metas – ou seja, um país ou empresa "compensa" suas emissões pagando para quem preserva em outra nação, cumprindo seus compromissos ambientais. A ideia é que, mesmo poluindo, eles estarão compensando ao preservar em outra localidade.

O problema é que esse mercado aguarda sua regulamentação pelo Acordo de Paris. "O principal mecanismo para fruição de recursos no mundo será o mercado de carbono, construído sob as regras do artigo 6.º, 6.2, 6.4 [do tratado]. Esse, sim, é o elemento chave para esses mecanismos, [os quais] o Brasil tem todo o interesse", afirmou Salles em abril, durante coletiva de imprensa após a Cúpula dos Líderes sobre o Clima.

Por ter evitado a liberação de nove bilhões de toneladas de gases, o Brasil teria um crédito de aproximadamente US$ 90 bilhões, segundo cálculos do governo. Isso tornaria o país o principal exportador dessa "moeda" com recursos que abasteceriam o programa federal Floresta+ Carbono.

O que Bolsonaro apresentará em seu discurso na COP-26

Outro motivo que leva o governo a manter o otimismo para a COP-26 é o momento atual. Diante do "alerta vermelho para a humanidade" feito no mais recente relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), que aponta uma aceleração do aquecimento global, o Planalto acredita ter condições de evoluir sua agenda à medida em que tenta convencer o mundo de que não é um pária ambiental e de que pode reassumir a vanguarda do debate.

Ainda não está fechado a presença de Bolsonaro na COP-26. Mas assessores do Planalto entendem que seria positivo ele comparecer pessoalmente para reforçar a mudança de postura do governo. Por causa da pandemia, porém, há restrições sanitárias que podem demandar um período incerto de quarentena. Ou seja, a comitiva de integrantes políticos e técnicos ainda não está fechada – e a participação de Bolsonaro poderá ser virtual.

Ainda assim, o governo começa a planejar a montagem de uma estrutura para o evento. A comitiva brasileira terá um estande presencial de 200 metros quadrados e um estúdio que será montado em Brasília, na Confederação Nacional da Indústria (CNI), para transmissões ao vivo de Glasgow.

O Planalto também começa a afinar o discurso. Além dos pleitos a serem defendidos no âmbito do Acordo de Paris, o discurso de Bolsonaro vai apresentar os esforços do governo em ampliar a fiscalização ambiental no país, sobretudo na Amazônia Legal. Em discurso presencial ou remoto, Bolsonaro vai afirmar que o governo destinou R$ 270 milhões do orçamento adicionais para a fiscalização, além dos R$ 228 milhões previstos no planejamento orçamentário deste ano. Com isso, vai destacar que cumpriu a promessa de duplicar os recursos destinados à fiscalização ambiental.

O governo também vai afirmar que os recursos atenderão à contratação de 739 novos fiscais ambientais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Bolsonaro também destacará a disponibilização de 3,2 mil servidores do ICMBio e 6 mil do Ministério da Justiça que atuarão na prevenção, repressão e investigação de casos de incêndio na Amazônia, no Pantanal e no Cerrado.

Também há previsão de que Bolsonaro destaque a posição do país em energias renováveis. Ele afirmará que, em 2019, o Brasil teve 83% de sua matriz elétrica originada em fontes renováveis, próximo da meta global de 86% estabelecida para 2050. Já a matriz energética brasileira (não apenas a elétrica), em 2019, foi formada por 45% de fontes renováveis, próximo da meta global de 66% para 2050.

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