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As tensas negociações em torno da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2024, aprovada na última terça-feira (19) pelo Congresso, delinearam um embate entre parlamentares e o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), onde os legisladores saíram vitoriosos, com cerca de R$ 50 bilhões destinado a emendas parlamentares – o valor final ainda será definido na lei do Orçamento (LOA) que será votada nesta tarde no Congresso.
O governo, por sua vez, conseguiu negociar para tirar da meta fiscal investimentos de até R$ 5 bilhões feitos por estatais dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e ainda articula com parlamentares para evitar que a principal aposta de Lula na infraestrutura perca espaço no Orçamento do ano que vem.
Mas as pressões por aumento nos gastos em ano eleitoral ainda podem resultar em um novo confronto entre Executivo e Legislativo, logo no primeiro trimestre de 2024, com a possibilidade de uma revisão da meta fiscal de déficit zero estabelecida na LDO. Isso abriria possibilidade para o governo gastar mais do que arrecada, com impactos negativos para a economia brasileira, como aumento da inflação e juros mais altos. A pressão para que isso ocorra vem principalmente da base governista.
O que ficou definido na LDO
O texto da lei, que traz as regras para o Orçamento do ano que vem, introduziu uma novidade ao estabelecer um calendário para a execução obrigatória das emendas pelo governo, encerrando assim uma prerrogativa que antes pertencia ao Ministério da Fazenda, como moeda de troca do Planalto na aprovação de seus projetos. O governo encontra-se agora ainda mais sujeito às decisões do Parlamento, e mesmo o colégio de líderes perdeu parte de seu poder de intermediar demandas isoladas de deputados, complicando a dinâmica entre Executivo e Legislativo.
Dado que o próximo ano será marcado por eleições municipais, a liberação das emendas individuais e de bancadas estaduais deverá ocorrer no primeiro semestre. Esses dois tipos de emenda somam, até agora, cerca de R$36 bilhões, sem compromissos relacionados a projetos estruturantes da União, mas sim a interesses de parlamentares em suas bases eleitorais.
O governo só poderá bloquear o pagamento no caso das emendas de comissões da Câmara e do Senado, que não são impositivas, mas seguem a mesma proporção das despesas federais não obrigatórias. Conforme estipulado pela LDO, pelo menos 0,9% da receita corrente líquida de 2022 será destinado às emendas de comissão, com dois terços destinados à Câmara e um terço ao Senado. Incialmente se previa que R$ 11,3 bilhões seriam destinados às emendas de comissão, mas o relator do Orçamento, deputado Luiz Carlos Motta (PL-SP), aumentou o montante para R$ 16,7 bilhões.
Os recursos destinados às eleições municipais aumentaram de R$ 900 milhões em 2020 para R$ 4,9 bilhões, a serem gerenciados pelos líderes partidários. Contudo, a origem desses recursos para o chamado fundão eleitoral não foi especificada, o que promete gerar novos debates durante a votação do Orçamento de 2024. Enquanto o governo prefere que o dinheiro venha das emendas de comissão, os parlamentares sugerem cortes nos recursos do PAC.
Com relação ao PAC, o montante destinado ao programa caiu dos R$ 61,3 bilhões propostos pelo governo para R$ 44,3 bilhões no substitutivo ao projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA). A redução é de R$ 17 bilhões.
A LDO inclui também um dispositivo alternativo que limita o montante máximo a ser contingenciado pelo governo em caso de descompasso entre receitas e despesas. Na prática, o Executivo só precisará bloquear até R$ 23 bilhões no Orçamento de 2024, pouco mais da metade do valor que poderia ser exigido pelas normas do novo arcabouço fiscal. Esse aperto, no entanto, pode ser insuficiente para alcançar a ousada meta de déficit zero.
PT critica a meta fiscal e pede déficit para "não perder eleição"
Pelas regras da LDO, o governo terá que liberar recursos para todas as emendas impositivas no primeiro semestre, efetuando os pagamentos até o fim do ano. Durante a discussão do parecer do relator, o vice-líder do governo no Congresso, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), retirou propostas para eliminar as mudanças, mas indicou a possibilidade de vetos presidenciais.
O deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), também vice-líder do governo, acusou a intenção de alterar à força o sistema de governo, referindo-se a um “semipresidencialismo de fato, um parlamentarismo orçamentário”.
Membros destacados do partido de Lula, como José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Câmara, e a presidente nacional da legenda, deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR), juntam suas vozes às críticas à meta fiscal proposta pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Eles propõem uma revisão para um déficit de até 1% do Produto Interno Bruto (PIB), justificando a mudança explicitamente pela necessidade de “ganhar a eleição”.
No campo da oposição, a LDO tornou-se palco simbólico para bandeiras que serão exploradas na campanha eleitoral. Altineu Cortes (PL-RJ), líder do partido do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na Câmara, apresentou uma emenda proibindo o governo de financiar mudanças de sexo em crianças e patrocinar invasões de propriedades privadas, entre outras medidas. A emenda foi aprovada, já que apenas 141 dos 513 deputados e 26 dos 81 senadores votaram contra a chamada “emenda patriota”.
Essa votação destaca a dependência do governo em relação ao Centrão, um fator a ser considerado na manutenção da meta de déficit zero, cujo descumprimento, a ser compensada por meios artificiais (pedaladas fiscais), poderia servir como uma justificativa para a abertura de um processo de impeachment de Lula, à semelhança do ocorrido com Dilma Rousseff (PT). A pressão é grande e o governo não parece ter votos para resistir.
LDO deixou o Legislativo mais independente, diz especialista
Para Arthur Wittenberg, professor de Relações Institucionais e Políticas Públicas do Ibmec-DF, o resultado concreto do texto da LDO aprovado pelo Congresso foi um aperto adicional por parte dos parlamentares sobre os recursos livres do Orçamento. Isso reduziu ainda mais a já estreita margem de negociação disponível ao governo.
“A combinação do comprometimento dos recursos para emendas impositivas no início do ano, com o pagamento integral até dezembro, além da diminuição para pouco mais da metade do teto de contingenciamento dos valores empenhados, de R$ 56 bilhões para R$ 23 bilhões, conferiu ao Legislativo uma posição de especial independência em relação ao Executivo”, resumiu.