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Disputa entre poderes

Briga pelo orçamento acirra os ânimos entre STF e Congresso

Congresso reage ao Judiciário sobre poder para tratar de verbas públicas
Congresso reage ao Judiciário sobre poder para tratar de verbas públicas (Foto: Pedro França/Agência Senado)

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Apesar de não ter conseguido reverter as decisões liminares do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspenderam as emendas parlamentares impositivas até que os parlamentares adotem regras de transparência e rastreabilidade, o Congresso tem cartas na manga contra o Executivo e a Suprema Corte e já sinalizou que poderá usá-las na briga pelo controle do orçamento federal.

Na mesma manhã em que o plenário do STF confirmou a decisão do ministro Flávio Dino pela suspensão do pagamento das emendas parlamentares impositivas, nesta sexta-feira (16), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), destravou a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 8/2021, batizada de PEC das monocráticas por limitar o poder de ministros para proferir decisões individuais.

O texto determina que somente pelo voto da maioria dos membros os tribunais liminares possam ser deferidas para suspender a eficácia de leis, suspender a tramitação de propostas legislativas e atos dos presidentes dos demais poderes, como ocorreu no caso da suspensão das emendas.

A PEC estava parada na Mesa Diretora da Câmara desde dezembro de 2023, após ser aprovada pelo Senado. Ela estava apenas aguardando um despacho de Lira. Com a movimentação do presidente da Casa, a proposta ganhará um relator e passará a ser analisada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, cuja presidente é a deputada da oposição Caroline de Toni (PL-SC). Como já passo no Senado, depende só da Câmara adotá-la ou não.

O colegiado também deve pautar outros projetos relacionados ao Judiciário, como reação à decisão do STF de suspender as emendas parlamentares de pagamento obrigatório. A PEC 50/23, que permite que o Congresso anule decisões do STF consideradas inconstitucionais, deve ter seu relatório apresentado na CCJ da Câmara na próxima semana.

Lira também liberou para a CCJ, nesta sexta-feira, a PEC 28/2024, que dá ao Congresso o poder de sustar decisões do STF por até quatro anos. Sendo assim, se os parlamentares entenderem que alguma decisão da Corte extrapolou a competência do Judiciário, ela poderá ser derrubada em votação no Congresso. Esta proposta, de autoria do deputado Reinhold Stephanes (PSD-PR), foi apresentada no sábado (10), com apoio de 184 deputados.

A oposição também aproveitará a mudança de humor de Lira para tentar emplacar projetos que limitam os poderes do STF, na esteira do vazamento de mensagens de assessores do gabinete do ministro Alexandre de Moraes. Lira foi prejudicado pelo STF pois a limitação da capacidade do Congresso de liberar emendas pode influir em seu poder no processo de sucessão na presidência da Câmara.

Nos últimos dias, reportagens da Folha de S. Paulo revelaram que o ministro teria dado ordens informais, a partir do seu gabinete do STF, para direcionar relatórios sobre notícias falsas que eram produzidos pelo TSE. Posteriormente, tais relatórios embasaram decisões do ministro contra aliados de Jair Bolsonaro e comentaristas políticos de direita no âmbito do inquérito das fake news.

Diante disso, um projeto que susta uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre o combate à desinformação, de autoria do deputado Filipe Barros (PL-PR), também pode estar entre as propostas escolhidas para fazer parte do pacote do Legislativo para reagir às medidas do Judiciário. 

Os parlamentares também sinalizaram que podem travar a tramitação de projetos importantes para o Executivo, que se beneficia da suspensão das emendas impositivas. Ainda na quarta-feira (14), a Câmara dos Deputados adiou a votação dos destaques do segundo projeto da regulamentação da reforma tributária, numa reação imediata à suspensão do pagamento das emendas impositivas, que ocorreu no mesmo dia.

Na semana passada, após outra decisão do Dino que suspendeu os pagamentos das chamadas emendas pix – de transferência direta ao municípios e estados –, a Comissão Mista de Orçamento adiou o início da discussão da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025. Nesta semana, o colegiado mandou mais um recado ao STF: vetou o envio de R$ 1,3 bilhão em crédito extraordinário para o Judiciário, ao não aprovar uma medida provisória que solicitava verba adicional para recomposição de perdas.

Em seu parecer sobre a medida, o deputado Cabo Gilberto (PL-PB) afirmou que o texto apresenta “incompatibilidade e inadequação orçamentária e financeira”. Parte do crédito destinada ao Judiciário já estaria empenhada e, por isso, muitos parlamentares viram a reação da comissão como um ato de retaliação à decisão de Dino sobre as emendas.

"É uma reação dos deputados", disse Joaquim Passarinho (PL-MT) à Gazeta do Povo. Mas segundo o deputado, apesar do Congresso ensaiar reações contra o governo e o judiciário, e de poder até se utilizar de alternativas que vão desde segurar o orçamento até avançar em projetos que não são bem vistos pelo Planalto, "essa corda ser puxada para um lado e para o outro não é bom para o país".

Congresso pode impor derrotas ao Executivo no orçamento de 2025

Diante da guerra deflagrada pelos três poderes, onde o STF acaba beneficiando o Executivo ao retirar do Congresso o controle de bilhões de reais em verbas públicas, os parlamentares já indicaram que apostarão em mudanças na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025, que deve ser votada neste semestre.

Alguns parlamentares já aventam a ideia de um calendário para o pagamento das emendas; a criação de um novo tipo de emenda, de pagamento obrigatório, que cumpra com as medidas de transparência solicitadas por Dino e que favoreça os partidos com mais representantes no Congresso; e até mesmo uma nova PEC que aumente o volume de recursos destinados para as emendas individuais no próximo ano.

Lula critica emendas, mas PT está dividido

Apesar das declarações do ministro responsável pela articulação política entre o Governo e o Congresso, Alexandre Padilha, de que as decisões de Flávio Dino sobre as emendas parlamentares não teriam "o dedo" do Planalto, o presidente Lula adotou um tom diferente durante uma entrevista a Rádio T, de Curitiba, nesta quinta-feira.

Diante dos ânimos acirrados e da indignação dos parlamentares frente ao que consideram mais uma interferência do judiciário na autonomia do legislativo, o presidente até defendeu "acordo razoável" com o Congresso Nacional no caso das emendas, mas não deixou de alfinetar o poder conquistado pelos parlamentares sobre o orçamento público.

“Acho plenamente possível estabelecer uma negociação com o Congresso e ter um acordo razoável, não sou contra deputado ter uma emenda. Na verdade, é que é muito dinheiro e não tem critério no Orçamento planejado”, defendeu.

“Sou obrigado a tirar dinheiro de uma área para pagar emenda, começa a dificultar. O governo precisa governar, não só sobreviver”, continuou Lula, durante a entrevista em que falou sobre a decisão liminar do ministro Flávio Dino de suspender o pagamento das emendas impositivas, de pagamento obrigatório, até que o Congresso adote regras de transparência e rastreabilidade.

Apesar das reclamações de Lula sobre as emendas, o PT foi um dos partidos que recorreu da decisão de Dino contra as emendas impositivas, resultante de uma ação no STF apresentada pelo Psol, que argumentou que a obrigatoriedade de execução das emendas parlamentares individuais e de bancada (ambas impositivas, ou seja, de pagamento obrigatório) implicam “em um desarranjo na separação dos poderes, ao deslocar parte significativa da prerrogativa de gestão orçamentária do Poder Executivo para o Legislativo”.

O recurso foi encabeçado pelas presidências da Câmara e do Senado, mas foi negado pelo presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso. Na manhã desta sexta-feira, a maioria dos ministros votou para manter as três decisões de Dino que suspenderam as emendas pix e impositivas.

Deputados criticam nova interferência do Judiciário sobre Legislativo

Na avaliação do deputado Joaquim Passarinho, não basta só fazer discursos contra a interferência do Judiciário, é preciso adotar medidas que possam "parar" o Judiciário, em especial Flávio Dino. "Não tem como achar que o Dino não está conversando com o governo", completa.

Deputados próximos a Lira dizem que ele teria pedido ajuda ao ministro da Casa Civil, Rui Costa, para interceder junto a Flávio Dino para rever as decisões sobre as emendas, e que estaria bastante irritado com as liminares do ministro, que ingressou na Suprema Corte por indicação de Lula.

Relator do Arcabouço Fiscal, que definiu os gastos do governo para os próximos anos, o deputado Cláudio Cajado (PP-BA), é mais um parlamentar que discorda da falta de transparência das emendas, alegada pelo ministro Flávio Dino para suspender tanto emendas PIx quanto impositivas.

"Passar o arbítrio do Congresso para o Executivo pagar ou não a emenda, diante de questões técnicas, é uma coisa; mas tirando do Congresso a prerrogativa de destinar a emenda pela perda de impositividade não penso ser a melhor solução", afirma o deputado, em tom mais diplomático. Sobre a falta de transparência, Cajado acredita que o Congresso possa até deixar as regras mais claras, detalhando as emendas.

Lira disse que orçamento é do Congresso

Lira ainda não comentou a decisão do plenário do STF, mas no começo da semana criticou Flávio Dino e reforçou a autonomia do Legislativo em relação à destinação das emendas.

"Com todo o respeito à autonomia dos demais Poderes, defendo que o Congresso Nacional é aquele que mais sabe, que mais conhece a realidade dos municípios brasileiros. Não podem mudar isso num ato monocrático, quaisquer que sejam os argumentos e as razões, por mais que eles pareçam razoáveis", destacou Lira.

"O diálogo é imperativo, é o caminho para chegarmos a um entendimento. Mas é sempre bom lembrar que o orçamento não é do Executivo. O orçamento é votado pelo Congresso, por isso é lei", destacou o presidente da Câmara, concluindo que sem o aval do Parlamento o orçamento não tem validade.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) também defendeu a prerrogativa do Parlamento sobre as emendas. Numa conversa com jornalistas, Pacheco disse que os instrumentos são "legítimos" e responsáveis por assegurar a “participação no Orçamento por aqueles que são representantes votados pelo povo brasileiro e que têm compreensão das necessidades dos muitos municípios e estados do Brasil”.

No recurso apresentado contra a decisão de Dino, posteriormente negado por Barroso, Câmara e Senado argumentaram que não houve anteriormente nas decisões da Corte nenhum apontamento de falta de transparência e rastreabilidade, usados agora por Dino para suspender as emendas parlamentares.

Lira e Pacheco precisam definir a estratégia que adotarão a partir de agora: dar seguimento às propostas de retaliação ou negociar um acordo que dê mais transparência às emendas parlamentares.

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