Apresentado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, no pacote anticrime entregue ao Congresso em fevereiro, a criminalização do caixa dois eleitoral foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado no último dia 10. Mas o projeto foi reescrito na CCJ e trouxe uma "pegadinha" que, na prática, pode deixar a pena mais branda para quem usar dinheiro ilícito em campanhas eleitorais. A "pegadinha" também pode beneficiar pessoas já condenadas, inclusive em processos decorrentes da Operação Lava Jato.
O relator do projeto, senador Marcio Bittar (MDB-AC), incluiu no texto uma previsão de aumento de pena caso a origem do dinheiro seja ilícita. Mas, ao fazer isso, deixou a pena mais branda para quem pratica lavagem de dinheiro obtido no crime investindo em campanhas eleitorais.
Pegadinha do caixa 2: procurador explica onde ela está
Para o procurador da República Helio Telho, a alteração faz sentido em uma primeira análise do texto aprovado na CCJ. “Em princípio, faz todo sentido. Se um candidato usa caixa dois, mas o dinheiro é legal, é grave e tem que ser punido. Mas, quando você compara com outro candidato que fez a mesma coisa, só que usou dinheiro de origem criminosa, a conduta dele é mais grave. Então ele teria que sofrer uma punição proporcionalmente mais dura”, explica.
O problema, segundo o procurador, é que ao prever aumento de pena na criminalização do caixa dois com dinheiro ilícito, o projeto pode vir a impedir a condenação da mesma pessoa por lavagem de dinheiro, que tem uma pena maior que a do uso de recursos não contabilizados em campanha. “Ninguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo crime”, explica Telho.
O uso de dinheiro ilícito para qualquer finalidade, inclusive campanha eleitoral, já é considerado crime de lavagem de dinheiro. A pena mínima é de três anos e a máxima de 10 anos, que pode ser aumentada em caso de reincidência – chegando a 16 anos de prisão.
No projeto aprovado no Senado, o caixa dois passa a ser punido com penas entre dois e cinco anos. Se o dinheiro for ilícito, há um aumento de um ou dois terços na pena, que pode chegar no máximo a 8 anos e quatro meses, pouco mais da metade da pena de lavagem de dinheiro.
Para Gustavo Polido, advogado pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal, o projeto aprovado na CCJ do Senado pune mais, não menos. “Este projeto vai acabar punindo ainda mais as pessoas porque criou um nexo direto entre as questões [caixa 2 e lavagem]. (...) É como se tivesse unificado as questões, o que torna mais grave a aplicação da pena”, argumenta.
Já o procurador da República argumenta que o projeto de lei endurece apenas as penas para quem pratica caixa dois com dinheiro limpo. “O que na prática vai acontecer é que quem hoje usa dinheiro legal e não sofre punição, para essa pessoa vai piorar. Mas para pessoas que usam dinheiro de crime na campanha eleitoral, vai melhorar, porque hoje é mais duro do que vai ser [depois da aprovação da lei]”, defende Telho.
Pegadinha do caixa 2 pode beneficiar condenados da Lava Jato
O procurador Helio Telho ainda chama a atenção para outro efeito colateral do texto aprovado no Senado. Segundo ele, se o projeto virar lei, pode beneficiar investigados e condenados por lavagem de dinheiro, inclusive na Operação Lava Jato.
“Se for aprovado do jeito que está, na prática quem hoje já foi condenado por lavagem de dinheiro em campanhas eleitorais vai ter a pena diminuída porque não vai mais cumprir a pena de lavagem de dinheiro”, diz o procurador.
Isso pode acontecer porque a Constituição proíbe que a lei aprovada retroaja apenas se for prejudicar réus e condenados. Se for para beneficiá-los, os efeitos da nova lei podem, sim, retroagir. “Muitos casos em que políticos e administradores de campanha foram condenados, inclusive na Lava Jato, por lavagem de dinheiro porque recebeu dinheiro de propina e gastou em campanha eleitoral, vai ter a pena diminuída para se enquadrar nos limites menores da nova lei de caixa dois”, diz.
Quem é condenado a penas menores de oito anos não precisa, necessariamente, cumprir pena em regime fechado. A pena máxima, com todas as causas de aumento previstas no projeto aprovado no Senado, será de 8 anos e quatro meses.
Para Gustavo Polido, porém, é pouco provável que a aprovação do texto gere um efeito cascata em processos já julgados. “Grande parte dos crimes hoje em dia apurados como crimes de lavagem de dinheiro ou de caixa dois tem origem de doações ilícitas, ou seja, de empresários que não declararam. Aí não é crime. Então, na prática, pode ser que tenha um efeito, mas não é automático e não é para todo mundo, deverá ser analisado caso a caso para analisar de onde veio o dinheiro”, ressalta o advogado.
Projeto pode seguir direto para a Câmara
O projeto de Moro foi apresentado no Senado pela senadora Eliziane Gama (Cidadania - MA) para driblar a demora da Câmara dos Deputados em analisar o pacote. A criminalização do caixa dois foi analisada em caráter terminativo na CCJ. Ou seja, não precisa passar pelo plenário da Casa.
Se não houver recurso por parte dos senadores para que a matéria seja votada no plenário, o texto da CCJ vai direto para a Câmara. E, posteriormente, para sanção presidencial. O prazo para apresentação de recurso para levar o projeto ao plenário do Senado termina no dia 2 de agosto.
Na Câmara, o texto ainda pode sofrer alterações. Se isso acontecer, o projeto volta para o Senado, para confirmar as mudanças antes de ir à sanção do presidente da República. Jair Bolsonaro (PSL) pode sancionar, vetar, ou vetar apenas trechos do texto antes de a nova norma entrar em vigor.
Como está o pacote anticrime na Câmara
Paralelamente ao projeto de Moro que tramita no Senado, na Câmara foi criado um grupo de trabalho para analisar o pacote anticrime de Moro. Os deputados já analisaram algumas propostas, mas não terminaram de votar o relatório do deputado Capitão Augusto (PL-SP).
Depois de passar pelo grupo de trabalho, o pacote ainda vai passar por uma comissão especial antes de ir ao plenário da Câmara e, posteriormente, seguir para o Senado.
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