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Banco estatal

O que ainda há na ‘caixa-preta’ do BNDES, que Bolsonaro mandou abrir?

Sede do BNDES no Rio de Janeiro
(Foto: André Telles/Divulgação BNDES)

Três CPIs, auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Controladoria Geral da União (CGU), investigações do Ministério Público Federal e 16 financiamentos de obras no exterior suspensos por suspeitas de fraudes investigadas pela Operação Lava Jato.

O Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) foi alvo, nos últimos quatro anos, de uma verdadeira devassa em busca de irregularidades em sua gestão nos governos Lula e Dilma (principalmente entre 2013 e 2015). Além disso, o banco adotou nova postura quanto à transparência e passou a divulgar em seu site seus balanços, contratos, ações societárias, investimentos e tudo o que julga ser informação de interesse público. Mesmo assim, o presidente Jair Bolsonaro quer mais: exigiu do novo presidente do banco, Gustavo Montezano, que abra a “caixa-preta” do BNDES, uma das queixas que levaram à queda de Joaquim Levy do cargo. Mas o que ainda pode haver na “caixa-preta” do BNDES?

Desde março, funciona na Câmara dos Deputados, a “CPI das prática de atos ilícitos e irregulares no BNDES”, a terceira comissão de inquérito instalada no Congresso para investigar o banco nos últimos quatro anos. Depois das duas comissões anteriores serem concluídas com relatórios que não responsabilizaram nenhuma pessoa por nenhum ato ilícito e apenas fizeram recomendações de condutas e procedimentos que o banco, inclusive, já estava adotando na época, a nova CPI teve, até agora, como grande revelação, um relatório entregue pelo TCU, que aponta suspeitas sobre a classificação de risco dos empréstimos concedidos para obras de engenharia em países da América Latina. Tal relatório, no entanto, é de maio de 2018, foi tornado público pelo Tribunal à época e já é parte de alguns processos da Lava Jato.

No relatório, o TCU cita uma resolução da Câmara de Comércio Exterior (Camex), de 23 de dezembro de 2013, que baixou para risco 1 – num ranking que vai de 1 a 7 – todas as operações financiadas pelo BNDES por intermédio do Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos (CCR) da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi). Com isso, qualquer operação do BNDES com Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, México, Paraguai, Peru, Uruguai, Venezuela e República Dominicana, passou a ter classificação de risco mínima, o que teve impacto fundamental na aprovação do financiamento e no valor do seguro para o empréstimo – com risco menor, o valor do seguro ficou mais baixo.

Até a revogação da resolução, em 2015, o TCU estima que o país deixou de arrecadar R$ 750 milhões em prêmios de seguro que os países estrangeiros deveriam pagar para garantir o empréstimo. No mercado internacional, a classificação de risco dos países da Aladi variava entre 5 e 7.

O TCU não responsabilizou, no entanto, nenhum diretor ou funcionário do BNDES, entendendo que o banco apenas cumpriu uma resolução governamental, seguindo uma política adotada pelo governo da época.

Hoje o BNDES enfrenta calote em parcelas do financiamento de Venezuela (integrante da Aladi), Moçambique e Cuba, que também tiveram a classificação de risco reduzida, mas em outra manobra governamental, cita o TCU. “Essa situação expõe a absoluta falta de critério com que foram concedidos financiamentos para viabilizar empreendimentos em países da África, da América Latina e do Sul entre os anos de 2005 e 2014, a serem realizados por construtoras brasileiras”, diz o relatório.

O que Palocci disse sobre a 'caixa-preta' do BNDES

Fora da Aladi, Angola também teve sua nota de risco rebaixada para facilitar a concessão de empréstimos do BNDES para obras no país. Quem confirmou a informação à CPI, em depoimento sigiloso, no dia 2 de julho, foi o ex-ministros da Fazenda Antonio Palocci.

Delator da Lava Jato, Palocci reafirmou, segundo deputados que participaram da audiência, o que já havia revelado para o Ministério Público Federal: a nota de risco de Angola teria sido rebaixada por decisão da Presidência da República, diminuindo as exigências para a concessão de empréstimo, bem como o valor do seguro, em troca de propina paga pela construtora Odebrecht ao PT. A manobra, segundo Palocci, teria permitido que um conjunto de empréstimos saltasse de R$ 600 milhões para R$ 1 bilhão, dos quais mais de R$ 60 milhões teriam sido repassados ao PT.

O que Joaquim Levy disse sobre a 'caixa-preta' do BNDES

A CPI também ouviu, no dia 26 de junho, o ex-presidente do BNDES Joaquim Levy. Além de relatar sua participação no comando da instituição no primeiro semestre, reforçando não haver mais informações sigilosas no BNDES, Levy narrou, também sua participação como ministro da Fazenda no governo Dilma, em 2015, dizendo ter sido dele a determinação para a revogação da resolução da Camex.

“Em todos os lugares houve grandes problemas que não tinham nada a ver com o BNDES e sim com as empresas que operavam lá. Há sinais que BNDDES foi empurrado para essas atividades quando, em 2007, se deixou de usar o Proex financiamento e se passou a contar diretamente com o BNDES, porque não havia restrições orçamentárias. O BNDES não cometeu nenhuma irregularidade, estava cumprindo uma medida do Ministério das Relações Exteriores ou do MDIC [Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços]”, justificou Levy em seu depoimento.

Outro problema levantado por Levy seria o desvirtuamento do destino dos recursos emprestados pelo banco. O BNDES justifica os empréstimos a obras de infraestrutura em outros países sustentando que os recursos são liberados apenas exclusivamente para a contratação de empreiteiras brasileiras, gerando riqueza e empregos no país. “Mas percebemos que grande parte dos recursos emprestados estavam sendo utilizados para a aquisição de bens de outros países. Infelizmente os itens de maior valor vinham de outros países. Havia um desequilíbrio. Em um empréstimo de US$ 3 bilhões, US$ 1 bilhão era de elementos importados de outros países e US$ 200 milhões eram serviços", afirmou.

Levy – que pediu demissão após críticas públicas de Bolsonaro – reafirmou que todas as informações que não requerem sigilo de mercado estão expostas no portal da transparência do banco e que as informações sigilosas já foram compartilhadas com o TCU, a CGU, o Ministério Público, a Justiça Federal e a própria CPI. “O BNDES, hoje, não tem nada a esconder. Algumas decisões podem ser questionadas, mas as informações sobre elas estão todas disponíveis”, concluiu.

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