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Os deputados aprovaram, nesta quarta-feira (13), a urgência e o texto-base do projeto de lei que trata da minirreforma eleitoral. A agilidade na tramitação representa um retrocesso para a lei eleitoral, e tem provocado críticas entre a sociedade civil e entidades que atuam na área. O texto-base passou na Câmara dos Deputados com 367 votos favoráveis, 86 contrários e uma abstenção. Os destaques, que podem alterar a medida, serão analisados nesta quinta-feira (14).
Depois de uma tramitação relâmpago - que começou no final de agosto, e durou pouco mais de duas semanas - as propostas do Grupo de Trabalho que debateu alterações para as Eleições Municipais de 2024 têm pouco avanço e muitas críticas. O relator, deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA), tem repetido que seriam feitas "apenas alterações pontuais" e defendeu que a legislação deveria ser modernizada. Mas, na prática, não é isso que ocorreu.
De acordo com a diretora de programas da Transparência Brasil, Marina Atoji, a minirreforma eleitoral impõe graves retrocessos à transparência do financiamento e de gastos em campanhas, como a eliminação da prestação de contas parcial antes das eleições. "Os eleitores não saberão uma informação relevante para escolher a quem darão seu voto, como cada candidato pagou sua campanha e como gastou os recursos", alerta.
Na avaliação da Transparência Brasil, há outros pontos no projeto que abrem grandes brechas para partidos burlarem regras de gasto mínimo em candidaturas de mulheres, fragilizando os esforços para fomentar a igualdade na política partidária.
Já a diretora-jurídica do Diretório Nacional do Novo, Carolina Sponza, classifica a minirreforma eleitoral como "inteira ruim", mas chama a atenção para dois pontos, como o que trata da distribuição de vagas.
"Hoje vigora o chamado modelo 80/20 onde candidatos bem votados de partidos que não conseguiram atingir o quociente eleitoral ainda podem ter sua vaga garantida, já que poderiam entrar com votos que somem 20% do quociente, assumindo que o partido faça pelo menos 80%. A reforma prevê o modelo 100/10, ou seja, favorece partidos maiores e candidatos com menos votos".
Isso, segundo ela, além de prejudicar os partidos menores e novos candidatos, vai contra a lógica democrática de eleger quem conseguiu mais votos nas urnas.
Outro ponto que preocupa, segundo a diretora do Novo, é que o texto do Projeto de Lei Complementar da minirreforma trata da necessidade de dolo para a inelegibilidade, ou seja, vontade livre e consciente de cometer a ação de má-fé. De acordo com a advogada, a mudança já havia sido feita na lei de improbidade, e foi a interpretação recentemente aplicada inclusive no caso das pedaladas fiscais da ex presidente Dilma. "A minirreforma vem então reafirmar esse retrocesso no combate à corrupção no país", critica.
A minirreforma eleitoral precisa ser aprovada no plenário da Câmara , depois passar pelo Senado Federal e ser publicada no Diário Oficial da União até 05 de outubro deste ano para que tenha validade ainda nas eleições de 2024.
Especialistas avaliam pontos da minirreforma
Um dos pontos que avançaram no texto da minirreforma eleitoral, na avaliação da advogada Bianca Gonçalves e Silva, é o que amplia o rol de casos que serão abarcados pelo crime de violência política contra a mulher. Segundo ela, pode ser considerado um avanço tímido na legislação. Setores progressistas da sociedade consideram o texto ruim por colocar a palavra "mulheres" no lugar de gênero.
Em outros aspectos que também tratam da questão de gênero e raça, a advogada avalia que o texto relatado pelo deputado Rubens Pereira Júnior impacta a representatividade feminina na política. Antes havia a exigência de 30% de candidaturas de mulheres para cada partido que integrasse uma federação, e agora esse percentual passou a ser cobrado de toda a federação. Ou seja, de acordo com a nova regra, uma legenda de uma mesma federação não necessariamente precisa apresentar uma candidatura feminina.
Outro ponto crítico seria a limitação de repasse de recursos de 20% para pessoas negras, que antes era proporcional à quantidade de candidaturas de negros e mulheres.
Já o especialista em direito eleitoral Vitor Silva de Araújo critica a redução do período pelo qual um político pode ficar inelegível quando perder o mandato, basicamente, por quebra do decoro parlamentar. Nesses casos, a atual legislação estabelece que o político ficaria inelegível até o fim do mandato e pelos 8 anos subsequentes, mas a minirreforma fixa a inelegibilidade apenas em 8 anos desde a perda do mandato.
Além dessas questões, o especialista cita a previsão que somente se torna inelegível aquele que já for cassado por prática de abuso de poder se o comportamento for considerado “grave”. "Com isso, todos os políticos condenados por abuso de poder poderão se candidatar, alegando que os fatos praticados não foram graves e que eles não estão inelegíveis", critica.
Ainda na opinião de Vitor Silva, a minirreforma traz uma represália à atuação da Justiça Eleitoral. Isso porque para avaliar se um indivíduo cometeu ato doloso de improbidade administrativa com enriquecimento ilícito, a Justiça Eleitoral analisa a decisão condenatória do Tribunal de Justiça como um todo, e não apenas a parte final da decisão. Mas o texto restringe essa atuação, prevendo expressamente que a inelegibilidade somente pode incidir quando o Tribunal de Justiça deixar isso claro “na parte dispositiva da decisão”.
PEC da Anistia: entidades entregam carta alertando sobre riscos aos presidentes da Câmara e Senado
Além disso da urgência da minirreforma eleitoral, havia outra questão importante prevista para ser discutida nesta quarta: a PEC da Anistia. Mas a matéria não avançou. A Comissão Especial tentou aprovar o texto do relator, deputado Antônio Carlos Rodrigues (PL-SP), mas um pedido de vista adiou a votação. A PEC da Anistia isenta partidos do pagamento de multas por descumprirem normas de inclusão de mulheres e negros entre os candidatos. O texto já foi aprovado em maio pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.
Sobre a questão, Marina Atoji lembra que a Transparência Brasil enviou carta aberta aos presidentes da Câmara e do Senado alertando sobre os perigos do texto. O documento foi assinado por outras 49 organizações, como o Instituto Não Aceito Corrupção e a Associação Contas Abertas, para dizer que a proposta “compromete de maneira insanável o aprimoramento da democracia brasileira”.
O documento afirma que "A Proposta de Emenda à Constituição nº 9, que tramita em Comissão Especial da Casa, impede que a Justiça Eleitoral aplique penalidades a partidos políticos por irregularidades identificadas nas prestações de contas próprias e eleitorais ocorridas até este ano (caso seja promulgada em 2023). O texto também isenta de punições os partidos que não tenham aplicado os valores mínimos definidos por lei em campanhas de pessoas negras e de mulheres nas eleições de 2022".
As organizações consideram ainda que a aprovação da PEC seria “inaceitável irresponsabilidade do Congresso Nacional diante de tantos e recentes episódios – dentre os quais, o mais lamentável ocorrido em 08 de janeiro deste ano".
Para o jurista Belisário dos Santos Júnior, a PEC da Anistia significa um retrocesso ao diminuir a verba eleitoral para pretos e pardos, conforme prevê o texto do relator, deputado Antônio Carlos Rodrigues (PL-SP). "O grande problema do Brasil é a educação. Quando se constrói um projeto que cria incentivos para mulheres e negros participarem do sistema eleitoral, é para que ele seja cumprido", diz Santos Júnior. Para ele, se promulgado o texto da forma como está, deverá ser vetado pelo presidente da República.
O cientista político Jorge Mizael reafirma que desde o início dos trabalhos do grupo de parlamentares que debateu a minirreforma vem alertando sobre os perigos de discutir alterações na legislação eleitoral de forma tão apressada. "Isso mostra que o corporativismo político ainda tem o poder de inverter a ordem de prioridades da sociedade", lamenta.
A PEC da Anistia ainda terá que ser aprovada pela Comissão Especial e depois passar pelo Plenário da Câmara dos Deputados, com pelo menos 308 votos em dois turnos. Se for aprovada, seguirá para o Senado.