O projeto que institui o semipresidencialismo no Brasil teve um avanço na Câmara dos Deputados na última terça-feira (18). O grupo de trabalho que discute o assunto aprovou um relatório que recomenda a adoção do novo sistema de governo a partir de 2030. A tendência é de que uma proposta dessa dimensão – que reduziria os poderes do presidente e criaria um primeiro-ministro – não seja votada no plenário ainda em 2022, especialmente porque em fevereiro do ano que vem tomam posse os parlamentares eleitos. Mas líderes da Câmara sugerem que o resultado da eleição presidencial pode mudar essa tendência.
A líder do Psol na Câmara, deputada Sâmia Bomfim (SP), não acredita na possibilidade avanço do projeto ainda em 2022. "Não há acordo e o projeto não é prioridade", diz ela. "É bem pouco provável que ocorra a votação neste ano."
Mas outras duas lideranças da Câmara sugerem que a proposta pode avançar após o segundo turno. "Muitas decisões na Câmara serão tomadas adiante, a partir da definição de quem será o presidente da República", afirma o vice-presidente da Casa, deputado Lincoln Portela (PL-MG), em referência ao segundo turno disputado entre Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A avaliação é semelhante à do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR): "Eu não acho que existe ambiente [para votar o semipresidencialismo]. Terminada a eleição, isso pode mudar".
Tanto Barros como Portela são aliados de Bolsonaro. E deputados do PT já vinham se posicionando contra o projeto do semipresidencialismo argumentando de que seria uma forma de tentar enfraquecer Lula se ele for eleito presidente. Embora a proposta preveja que a adoção seria em 2030, os petistas argumentam que isso poderia ser modificado durante a tramitação.
O semipresidencialismo foi contestado publicamente tanto por Lula quanto por Bolsonaro. O petista disse, em março, que a medida retiraria poderes do presidente para concedê-los ao Congresso: "Você elege um presidente, pensa que vai governar, mas quem vai governar é a Câmara, com orçamento secreto para comprar o voto dos deputados, para fazer todas as desgraceiras que estão fazendo". Já Bolsonaro, no ano passado, qualificou a ideia como "idiota".
Discussão foi patrocinada por Arthur Lira
A discussão sobre o semipresidencialismo na Câmara é estimulada pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Ele criou, em março, o grupo de trabalho que debateu o assunto e produziu o relatório aprovado no dia 18. O grupo foi formado por 10 membros, sendo que nenhum deles pertencia aos partidos de oposição formal a Bolsonaro, como PT e PCdoB. O colegiado contou ainda com um conselho consultivo composto por especialistas do Direito, como os ex-ministros Nelson Jobim e Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal (STF), e o ex-presidente Michel Temer (MDB) – que é advogado constitucionalista
Apesar do apoio inicial, Lira não indicou uma eventual intenção de priorizar o tema e submetê-lo a votação no curto prazo. O relatório aprovado pelo grupo de trabalho no dia 18 não tem nenhum peso regimental – é apenas um texto que pode servir de apoio aos parlamentares em discussões futuras sobre o tema.
O grupo de trabalho foi coordenado pelo deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), que também foi o responsável pela elaboração do relatório. Já o deputado Enrico Misasi (MDB-SP) foi um dos integrantes mais atuantes do grupo e o único deputado a participar presencialmente da sessão de aprovação do relatório, além de Moreira.
Tanto Moreira quanto Misasi não foram reeleitos deputados. Apesar de não exercerem a partir do ano que vem o mandato na Câmara, os dois parlamentares acreditam que o assunto não "morrerá" a partir de 2023, quando eles não estarão mais na Câmara.
"Os deputados estão convictos da necessidade [do semipresidencialismo]. Não vi divergências profundas entre os membros do grupo. E tem outros que foram eleitos agora que podem continuar contribuindo", diz Moreira. "A causa sempre vai ter deputados, sempre teremos lideranças conscientes para abordar os problemas do presidencialismo", afirma Misasi.
Segundo Misasi, a meta em relação ao tema agora é "evitar que o assunto caia no esquecimento". O deputado acredita que a condução da discussão sobre o semipresidencialismo não pode se resumir ao Congresso. "Espero que a mídia e o Poder Executivo também se engajem no debate."
O que prevê a proposta do semipresidencialismo
O relatório do grupo de trabalho indicou a adoção do semipresidencialismo a partir de 2030 para tentar descolar o tema da atual disputa eleitoral. Se a proposta avançar, deixaria aberta a possibilidade de Lula ou Bolsonaro conduzirem seus mandatos sem serem afetados pela modificação.
O semipresidencialismo manteria a figura do presidente da República eleito pelo voto direto e popular. A principal novidade seria a criação do cargo de primeiro-ministro. Essa primeir-ministro seria indicado pelo presidente, mas teria que desfrutar de apoio do Congresso para permanecer no cargo. O Legislativo teria a prerrogativa de votar para destituí-lo. Além disso, haveria a separação das funções de chefe de Estado, que ficaria com o presidente, e a de chefe de Governo, a cargo do primeiro ministro. O chefe de Estado é quem representa o país no exterior – uma função mais simbólica. E o chefe de governo é quem efetivamente governa.
De acordo com o relatório do deputado Samuel Moreira, a implantação do semipresidencialismo seria precedida de um plebiscito, para que a população opine se concorda ou não com o modelo.
Os defensores do semipresidencialismo alegam que o modelo funciona em países como Portugal e França e permite uma composição mais eficaz entre o parlamento e o governo. "O sistema atual elege um presidente da República, com o seu programa de governo, e os parlamentares, com outras responsabilidades", diz Moreira.
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