A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (24), por 304 votos a 154, a admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que regulamenta a prisão de deputados federais e senadores. A admissibilidade corresponde a um primeiro passo para o avanço do projeto dentro da casa. A votação do mérito, que corresponde à discussão do texto propriamente dito, está prevista para a tarde da quinta-feira (25). Para que a PEC entre em vigor, precisa ser aprovada por três quintos dos deputados e três quintos dos senadores, com duas votações em cada uma das casas.
A redação inicial da PEC foi elaborada pelo deputado Celso Sabino (PSDB-PA) e despertou críticas por, na prática, dificultar a prisão dos congressistas. Entre outras medidas, o texto determinava que os deputados e senadores só poderiam ser presos em flagrante por crime inafiançável, que são vedadas prisões determinadas por decisões unilaterais de ministros e que operações de busca e apreensão contra membros do Congresso precisam ser aprovadas pelo STF. A proposta também alterava regras para a inelegibilidade de candidatos, tornando mais difíceis a aplicação de sanções previstas na Lei da Ficha Limpa.
As reações levaram a deputada Margarete Coelho (PP-PI), relatora da proposta, a anunciar, na noite da quarta, que está trabalhando em um texto "de consenso" que altera de forma significativa trechos da iniciativa. Os dispositivos que falam sobre a inelegibilidade, por exemplo, serão excluídos, segundo a deputada. Também haverá modificações no trecho da PEC que incide sobre o artigo 53 da Constituição - que é o que aborda a imunidade parlamentar e que está no centro das discussões da proposta.
"Esta casa está desenhando um instituto essencial para o exercício dos nossos mandatos. Deixo claro que vamos também rever as prerrogativas, aumentar as nossas responsabilidades, e identificar que excessos e abusos poderão ser punidos pelo nosso tribunal de ética", disse Coelho. A deputada acrescentou que o texto está "em aberto" e que pode ser modificado até a sua votação definitiva. Na manhã da quinta, líderes farão uma reunião para discutir o texto.
A PEC foi elaborada na esteira dos casos Daniel Silveira (PSL-RJ) e Flordelis (PSD-RJ). O deputado foi preso na última semana após ter divulgado um vídeo em que ameaçou integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF). Já a parlamentar teve sua prisão requisitada pelo Ministério Público, sob a acusação de ter sido a mandante do assassinato do marido, mas não foi detida, por conta das prerrogativas do mandato federal. Segundo congressistas, os episódios criaram uma insegurança jurídica em torno do que envolve a prisão dos membros do parlamento.
"PEC da impunidade" x defesa do Congresso
A PEC contou com o apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de defensores do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) e dos membros do Centrão. Já a oposição à iniciativa foi formada por uma inusitada aliança entre integrantes de Novo, PSOL, Cidadania, PCdoB, PT e alguns parlamentares que costumam ficar em lados opostos em outras votações, como Kim Kataguiri (DEM-SP) e Joice Hasselmann (PSL-SP).
Críticos da proposta apontaram que o projeto blinda os parlamentares e apelidaram a iniciativa de "PEC da impunidade". Kataguiri ironizou outro trecho do texto, o que prevê a reclusão, por 24 horas, do deputado ou senador no próprio Congresso até que o Supremo decida sobre sua prisão. O deputado chamou a ideia de "piada pronta" e disse que a sugestão contribuiria para piorar a imagem do Congresso diante da opinião pública.
Os deputados contrários à PEC contestaram bastante também o rito acelerado ao qual a proposição foi submetida. Geralmente, as PECs são debatidas na CCJ e em comissões específicas para a sua análise. A votação em plenário no mesmo dia de seu protocolo é uma situação rara no cotidiano do Congresso.
"Estamos atropelando os ritos que foram construídos para tentar, de forma rápida, estarmos estabelecendo condições diferenciadas. Porque um parlamentar, se cometer um homicídio, em flagrante, não pode ser preso?", questionou Érika Kokay (PT-DF).
Muitos deputados criticaram ainda o fato de o assunto ter ocupado a agenda da Câmara em meio à pandemia de coronavírus e também por ter passado à frente de outros temas que envolvem o universo jurídico, como a prisão em segunda instância e o fim do foro privilegiado.
Em defesa da proposta, o deputado Celso Sabino declarou que a iniciativa não aumenta "nem um milímetro de impunidade para nenhuma categoria neste país". O deputado expôs que sua PEC busca levar à Constituição ideias que já estariam consolidadas pelo sistema jurídico mas ainda não fariam parte da carta magna.
"O entendimento atual das cortes superiores já é de que o foro por prerrogativa de função, o dito foro privilegiado, deve atingir parlamentares apenas quando a conduta destes for relacionada à atividade parlamentar, tiver vinculação ao seu mandato. Esse já é o entendimento jurisprudencial atual. O que nós estamos trazendo é a literalidade desse texto para a Constituição, para evitar uma futura divergência de entendimento das Cortes. Nós estamos colocando na literalidade do texto constitucional o seguinte: que o parlamentar responderá apenas por processos relativos a condutas cometidas durante o exercício do cargo e relacionadas a funções parlamentares. Ou seja, na prática nós estamos restringindo o dito foro privilegiado", apontou.
Sabino foi um dos raros parlamentares que usou o microfone para defender a proposta. Isso, entretanto, não significa que ele esteve sozinho no suporte à ideia, já que a PEC venceu, ao longo da sessão, todas as ações de obstrução feitas pelos seus adversários.
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