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O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), convocou para esta quarta-feira (17) a sessão que irá referendar ou não a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ). O plenário da Casa deve se reunir após as 16h. Antes disso, Lira irá discutir a situação de Silveira com o Colégio de Líderes e com a Mesa Diretora da Casa. Já o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), reunido desde às 14h, decidiu por unanimidade manter a prisão, determinada de forma individual pelo ministro Alexandre de Moraes na noite de terça-feira (16).
A Constituição Federal determina que a prisão de parlamentares federais seja confirmada ou rejeitada em votação no plenário da Câmara (no caso da detenção de deputados) ou do Senado (no caso da prisão de senadores). “Os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão”, diz a Constituição.
A votação que vai decidir o futuro de Daniel Silveira será aberta e nominal. Ou seja: o voto de todos os deputados que estiverem na sessão será público.
A decisão de mantê-lo preso ou libertá-lo será decidida por maioria simples entre os parlamentares presentes. Ou seja, caso os 512 deputados registrem presença na sessão (ao todo são 513, somando o próprio Daniel Silveira, mas ele obviamente não poderá votar), serão necessários ao menos 257 votos pela manutenção ou não da prisão. No ano passado, por exemplo, a Câmara teve uma votação semelhante, mas que envolvia o afastamento de um deputado. Na ocasião, o plenário anulou decisão do STF que afastou do mandato o deputado federal Wilson Santiago (PTB-PB).
Nas redes sociais, Arthur Lira pediu “tranquilidade” para todos os deputados na avaliação da prisão de Daniel Silveira. "Nesta hora de grande apreensão, quero tranquilizar a todos e reiterar que irei conduzir o atual episódio com serenidade e consciência de minhas responsabilidades para com a Instituição e a Democracia. Para isso, irei me guiar pela única bússola legítima no regime democrático, a Constituição. E pelo único meio civilizado de exercício da Democracia, o diálogo e o respeito à opinião majoritária da Instituição que represento", afirmou o presidente da Casa.
Já no STF, a validação ou não do mandado de prisão de Daniel Silveira foi decidida pelo plenário porque a detenção do deputado foi decretada de forma monocrática (individual) por Alexandre de Moraes. O presidente do Supremo, Luiz Fux, incluiu o assunto na pauta de julgamentos desta quarta-feira.
A maioria dos ministros do STF referendou a decisão de Moraes, como já se esperava. Segundo reportagem do jornal O Globo, o ministro ligou para todos os demais membros da Corte para pedir um aval antes de decretar a prisão de Silveira. O entendimento foi de que o Supremo precisava se posicionar contra os ataques que sofreu de Daniel Silveira.
Argumentos da prisão de Daniel Silveira e o que ele disse
No decreto da prisão, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que chegou ao conhecimento do STF um vídeo publicado pelo deputado em que ele "durante 19 minutos e 9 segundos, além de atacar frontalmente os ministros do Supremo Tribunal Federal, por meio de diversas ameaças e ofensas à honra, expressamente propaga a adoção de medidas antidemocráticas contra o Supremo Tribunal Federal, defendendo o AI-5". O Ato Institucional nº 5 foi decretado no dia 5 de dezembro de 1968 e é considerado o mais duro dispositivo do período do regime militar.
Moraes argumenta que Silveira defendeu "a substituição imediata de todos os ministros [do STF]" e instigou "a adoção de medidas violentas contra a vida e segurança dos mesmos, em clara afronta aos princípios democráticos, republicanos e da separação de Poderes".
Além da prisão, Moraes determinou que o YouTube fosse comunicado para providenciar o imediato bloqueio do vídeo em que Silveira ataca o STF, sob pena de multa diária de R$ 100 mil. A Polícia Federal irá preservar o conteúdo da gravação para uso das investigações.
Daniel Silveira é alvo de dois inquéritos que são conduzidos por Alexandre de Moraes dentro do STF, um que apura a disseminação de fake news contra integrantes do STF e outro que investiga a organização de atos antidemocráticos. Após a chegada da PF em sua casa, o deputado do PSL voltou a gravar um vídeo onde criticou a decisão do ministro do STF.
O inquérito das fake news foi aberto em 2019, sem alvo determinado, e por iniciativa do próprio STF. Usualmente, o Supremo age quando é provocado, seja a pedido do Ministério Público, da Procuradoria-Geral da República ou de autoridade policial. A investigação também é amparada pela Lei de Segurança Nacional (LSN) – dispositivo herdado do regime militar que foi constantemente criticado por vários juristas por poder abrir precedentes perigosos de perseguição política.
Em relação à punição de parlamentares, o artigo 53 da Constituição determina que deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. O texto constitucional também estabelece que eles não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. "Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão", diz a Constituição.
São inafiançáveis os crimes considerados hediondos, os de racismo, tortura, tráfico de drogas, terrorismo, a participação de ações em grupos armados – civis ou militares – contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (conforme previsão da LSN). Moraes cita em sua decisão cinco artigos da LSN para justificar a prisão, assim como os artigos 5º, 34 e 60 da Constituição, que falam sobre propagação de ideias contrárias à ordem constitucional e o ao Estado Democrático e a separação de Poderes.
Silveira declarou após a prisão que a decisão que fundamenta sua prisão é "louca" e que não existe "flagrante de crime" ou "crime algum". A defesa do parlamentar diz que a prisão é um “violento ataque” à liberdade de expressão, com teor político. "Ministro [Alexandre de Moraes], eu quero que você saiba que você está entrando numa queda de braço que você não pode vencer. Não adianta você tentar me calar", afirmou Silveira.
Repercussão entre os parlamentares
Logo após a prisão de Daniel Silveira, alguns parlamentares se manifestaram sobre o assunto. Vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), classificou como "reprováveis" as declarações do deputado do PSL.
"As declarações são absolutamente reprováveis com o Judiciário que tem seus defeitos, mas que simboliza a Democracia em conjunto com o Legislativo e o Executivo, esses também imperfeitos. A questão a ser debatida é sobre a caracterização do flagrante que justificou a prisão", defendeu.
Aliada de Silveira, a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) criticou a decisão de Moraes e afirmou que a Câmara será “soberana”. “Se houve um mandado, não houve flagrante. Se há flagrante, não há necessidade de mandado. Que bom termos um Presidente da Câmara sereno e firme. Plenário é soberano”, afirmou.
A decisão monocrática de Moraes pela prisão do deputado do PSL também foi criticada pelo líder do Cidadania no Senado, senador Alessandro Vieira (SE). “Não concordo com nenhuma das afirmações do deputado Daniel Silveira, reincidente em atos ofensivos contra pessoas e instituições, mas não se deve admitir que, a pretexto de combater abusos verbais, se cometa grave abuso judicial. Mais uma vez Moraes rasga a lei que jurou defender”, argumentou.
Já o deputado do Psol Glauber Braga (RJ) argumentou que a prisão é suficiente para cassar o mandato de Silveira. “O deputado bolsonarista buscou essa exposição. Temos é que cassar o mandato. Só assim terá prejuízo político real. Sobram motivos”, disse.
Especialista em Direito questiona a prisão do deputado
Doutor em Direito e Processo Penal pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da PUC-Campinas, Matheus Falivene diz que a prisão do deputado Daniel Silveira é ilegal, pois não respeita princípios constitucionais que a validem.
“A prisão tem fundamento na Lei de Segurança Nacional, sob o crime de subversão da ordem pública. Uma lei que vem da época da ditadura e que contém nítidos aspectos antidemocráticos. Trata-se de uma tipificação penal muito aberta, o que acaba ampliando a extensão deste crime e, além disso, o ministro [Alexandre de Moraes], para justificar a prisão preventiva, destacou a conduta como crime inafiançável, o que foge ao conceito do delito”, diz Falivene.
Segundo o professor, sob a análise fria e rígida do Direito, a Constituição destaca que os crimes inafiançáveis devem ser a exceção bem caracterizada, o que não é o caso do deputado. Ele ressalta que o político não poderia ser preso em flagrante, além de gozar de imunidade parlamentar, que deveria ter sido considerada, mesmo havendo um óbvio e compreensível clamor contra as falas de Silveira.
De acordo com Falivene, se a Câmara dos Deputados decidir pela manutenção da prisão do deputado e se o STF referendar a decisão de Moraes, Daniel Silveira terá ainda o direito de passar por uma audiência de custódia.