Jair Bolsonaro, presidente da República| Foto: Evaristo Sá/AFP
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As eleições da Câmara estão concentradas nos esforços de Arthur Lira (PP-AL) e Baleia Rossi (MDB-SP) em vencer a disputa, mas a verdade é que ela antecede movimentos importantes para o pleito de 2022. E isso vale tanto para o grupo que apoia o presidente Jair Bolsonaro quanto para a oposição.

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Quando MDB, DEM e PSDB uniram forças em prol de Rossi, também deixaram clara a possibilidade de coligação para lançar uma candidatura de centro-direita em 2022, seja em torno do apresentador Luciano Huck ou do governador de São Paulo, João Doria (PSDB). O mesmo pode ser dito em relação ao presidente Bolsonaro com o apoio à Lira, que une partidos como PP, PL e Republicanos — ambos dispostos a filiá-lo —,  e que podem apoiá-lo no próximo ano.

A briga pelo comando da Câmara não muda a perspectiva em torno dos atores políticos, mas reforça as previsões e apostas entre analistas e até políticos, como a fragmentação de candidaturas da esquerda e o fortalecimento de Bolsonaro.

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Diferentemente das leituras de enfraquecimento do presidente da República após as eleições municipais, ele ainda se mantém fortalecido. E a tendência é que continue, independentemente de quem seja o vencedor – Lira, apoiado por Bolsonaro, ou Rossi, apoiado pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Caso Lira vença a disputa, o governo ganha ainda mais munição política para 2022. Em caso de derrota, precisará ter ainda mais habilidade para negociar com Baleia Rossi – mas isso não será sua pedra do sapato.

“Uma vitória do Baleia Rossi não torna Bolsonaro ‘carta fora do baralho’. As forças que um presidente da República tem, a da ‘caneta’, da mídia espontânea, a institucional da Presidência da República, tudo isso é muito forte”, destaca o cientista político Enrico Ribeiro, coordenador legislativo da Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais.

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Os impactos da eleição da Câmara a Bolsonaro

A eleição de Rossi, claro, mais atrapalharia do que beneficiaria  candidatura de Bolsonaro à reeleição. Ainda que partilhe de ideias reformistas da agenda econômica do governo, a tendência de uma presidência do MDB na Câmara seria semelhante à de Maia, de capitalizar as aprovações ao Parlamento, não ao governo.

“O governo encaminhou várias pautas, mas, no fim das contas, elas ficaram muito mais marcadas pelo protagonismo do Legislativo do que do Executivo. Se o Baleia vier a ser eleito, vai jogar para si a agenda econômica e isso pode enfraquecer o presidente, ainda que a pauta econômica seja muito parecida com a que o governo prega”, explica Ribeiro.

O poder da agenda do presidente da Câmara poderia garantir a Rossi autoridade o suficiente para ditar o ritmo da tramitação de reformas econômicas e, junto ao poder regimental, ele conseguiria brecar o andamento da pauta de costumes, tão cobradas pelo eleitorado de Bolsonaro.

Na contramão, a vitória de Lira tende, naturalmente, a favorecer mais a candidatura do presidente da República. “O Arthur Lira daria mais abertura para tocar a pauta econômica e a conservadora, como o voto impresso, que é tão valorizada para a base bolsonarista e para uma parcela da população mais de direita”, destaca Ribeiro.

Bloco de Arthur Lira pode inspirar coligação em 2022

Tão importante para 2022 quanto saber se o futuro presidente da Câmara será mais ou menos benevolente com o governo é o recado que os blocos partidários transmitem para o próximo ano.

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É difícil cravar agora que, no próximo ano, Bolsonaro capitaneará uma grande coligação com todos os partidos que apoiam Lira: PP, PL, PSD, Republicanos, Solidariedade, Pros, PSC, Avante e Patriota. Mas é possível que a composição com algumas dessas bancadas aconteça.

O presidente foi eleito sem apoio partidário e tempo de TV em 2018. Mas uma grande coligação pode garantir a ele mais musculatura política nos estados e municípios, além de tempo de propaganda. Uma possível filiação de Bolsonaro ao PP, como se cogita, facilitaria o cenário da construção de um bloco para 2022 com alguns dos principais partidos do Centrão.

“Para eles, é tranquilo apoiar o governo agora, dentro da Câmara e Senado, e, talvez, em 2022”, diz o cientista político Gianluca Benvenutti, especialista em poder Legislativo da BMJ Consultores Associados.

Para a candidatura de Bolsonaro, seria positivo ter partidos como o PP, que ecoaria sua voz inclusive nos menores municípios do interior do Brasil. "O partido cresceu muito nas últimas eleições. E aí, isso pode trazer importantes cabos eleitorais para as eleições de 2022”, afirma Benvenutti.

“Não podemos ignorar aspectos como o tempo de televisão, que ainda é extremamente importante e poderá ser aproveitado por Bolsonaro se tiver uma coligação maior”, acrescenta.

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A eleição da Câmara, no entanto, traz elementos mais indiretos do que diretos na opinião do cientista político. É muito improvável — para não dizer impossível — que PT e PCdoB, da esquerda, e o PSB e PDT, da centro-esquerda, topem coligar em uma candidatura com MDB, DEM e PSDB.

Todos os partidos estão no bloco de Baleia Rossi. “Difícil os partidos de esquerda ou centro-esquerda entrarem para a centro-direita em prol da democracia. Eu não vejo um PT apoiando o Luciano Huck, por exemplo”, diz.

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Esquerda pulverizada e centro-direita fortalecida

Sem perspectivas de união entre esquerda e a centro-direita, o desenho mais provável para PT, PCdoB, PDT, PSB, PSOL e Rede é de mais uma pulverização de candidaturas em 2022 no campo da oposição. A divisão da própria esquerda nas eleições da Câmara sugere isso.

A campanha de Lira contabiliza que abocanhará 14 votos do PDT, entre 15 a 18 votos do PSB e 23 votos do PT. Dividido, o PSOL ainda debate se lança uma candidatura própria ou apoia Baleia Rossi. O bate-cabeça na esquerda sugere que a probabilidade de os partidos se unirem em torno de um projeto único é baixa, reconhece o cientista político Enrico Ribeiro.

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“A esquerda carece de fazer uma autoanálise para saber o que quer da vida. O que afeta a esquerda é, justamente, o que ela vai colocar para a população e quem ela vai enfrentar em 2022”, diz o cientista político.

Já no campo da centro-direita, a candidatura de Rossi aponta para a construção de uma coligação que pode lançar talvez a mais forte candidatura desse campo político desde Fernando Henrique Cardoso, analisa Ribeiro. “É cedo dizer que a união de MDB, DEM e PSDB implica necessariamente em uma candidatura forte, mas é um sinal, um prelúdio, de que uma candidatura forte pode sair”, avalia.

Esse cenário seria impulsionado com a eleição do emedebista na Câmara, na visão de Ribeiro. “Esses partidos têm as ferramentas necessárias, com musculatura política nos municípios, para criar uma candidatura viável, que, até hoje, depois do Fernando Henrique, não conseguiram criar”, justifica.