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A PEC do voto impresso auditável será rejeitada no plenário da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (10). É o que apostam lideranças independentes, de oposição e até governistas defensores do voto impresso. Os mais otimistas da base acreditam que a proposta de emenda à Constituição (PEC) 135/19 tenha cerca de 257 votos favoráveis, ou seja, maioria simples da Câmara, o suficiente para aprovar projetos de lei, mas não emendas à Constituição (nesse caso são necessários pelo menos 308 votos).
Um site lançado pela deputada Carla Zambelli (PSL-SP) que mensura o placar de votos pela PEC 135 aponta um total de 206 votos favoráveis até 22h30 desta segunda-feira (9). Mas governistas explicam à Gazeta do Povo que é forte a movimentação e cobrança de presidentes de partidos para que seus filiados votem contrariamente ao texto. "Tenho até medo de o resultado ser um vexame", diz reservadamente uma liderança da base que votará a favor do texto.
Na reunião de líderes desta segunda-feira (9), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sentiu a disposição dos dirigentes em "saldar" a pauta e avisou nos bastidores à base governista que não há muito o que ser feito. Por isso mesmo, pautou a votação já para esta terça, mesmo sem o governo ter os votos necessários para aprovar a PEC 135.
"Não tem muito o que o Lira possa fazer. O próprio [Luís Roberto] Barroso [presidente do Tribunal Superior Eleitoral, o TSE] atuou junto a ele para derrubar e não levar a votação ao plenário. O Lira resistiu e disse que colocaria para votar e ponto. Jogou para a torcida mesmo sem ter os votos, mas manteve o compromisso com o presidente [Jair Bolsonaro] e os líderes", explica uma liderança do governo.
O que esperar da votação da PEC do voto impresso
A previsão feita na Câmara é que a votação não será muito diferente em relação à da sessão de quinta-feira na comissão especial, quando o substitutivo da PEC 135 foi rejeitado por 23 votos contrários e 11 favoráveis. Ou seja, apenas PSL, PP, Republicanos, PTB e Podemos devem orientar voto favorável.
Outros partidos devem liberar suas bancadas, a exemplo do Novo — onde o governo aposta em cinco dos oito deputados —, e o Pros. O restante das legendas, segundo contas feitas por governistas, deve orientar voto contrário à PEC. Incluindo o PL, partido da base que, inclusive, tem a ministra-chefe da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, como representante no Palácio do Planalto.
A rejeição do PL ao voto impresso segue como o caso mais sintomático da resistência de partidos à PEC 135 por orientação de seus dirigentes. Na comissão especial, seus dois representantes votaram contra a proposta. O ministro Luis Roberto Barroso é acusado por lideranças da base de ter negociado com presidentes de partidos a tramitação de processos de interesse das legendas no TSE, apontam deputados à reportagem ao justificar a previsão de derrota.
O dirigente do PL, Valdemar Costa Neto, é um dos que está bem irredutível à PEC 135, segundo teria dito a ministra Flávia Arruda a parlamentares da base. Deputados do partido dizem que a ordem é orientar voto contrário, mas Valdemar liberou nos bastidores sua bancada para que cada deputado vote de acordo com sua convicção. "O problema é que votar contra o presidente é um ônus partidário", analisa um parlamentar.
O ministro do Trabalho, Onyx Lorenzoni, foi outro que trabalhou para convencer o presidente de seu partido (DEM), ACM Neto, a liberar a bancada. Ele buscou essa ponte ainda na votação da última quinta-feira, mas sem êxito. A legenda até mudou os deputados titulares para garantir dois votos contrários na comissão especial.
Mesmo partidos que, historicamente, são defensores do voto impresso, como o PDT, devem votar contra. "Não tem ala a favor do partido pelo voto impresso do jeito que está, quase 100% vai votar contra", afirma o deputado Eduardo Bismarck (PDT-CE), primeiro-suplente da mesa diretora da Câmara. O presidente do partido, Carlos Lupi, é favorável ao conceito de auditagem pela impressão do voto, mas tem dito que o momento político está muito acirrado e não faria bem aprovar a matéria agora.
Desfile de tanques atrapalha aprovação; Lira minimiza
Outro ponto que tende a atrapalhar a aprovação do voto impresso é o desfile de blindados da Marinha, que ocorrerá nesta terça, na Esplanada dos Ministérios. A chamada Operação Formosa despertou muitas críticas de opositores do governo, que atribuíram como uma tentativa de "demonstração de força" e elevou o clima pela rejeição, embora estivesse prevista no calendário militar. Arthur Lira minimizou o fato e disse tratar-se de uma “coincidência trágica”.
“Bolsonaro já vem subindo o tom e essa escalada piorou hoje [por conta do desfile]. A notícia de hoje é a ‘cereja do bolo’”, avalia Eduardo Bismarck. A expectativa é que um comboio de blindados percorra a Esplanada e estacione em frente ao Planalto. Lá, o comandante da operação desembarcará para protagonizar uma cerimônia de entrega ao presidente do convite para presenciar um treinamento militar, organizado pela Marinha.
A grande diferença da edição deste ano é a entrega do convite e o desfile dos carros de combate. Os militares das Forças Armadas explicam que isso não partiu do presidente, sendo um gesto da Marinha a Bolsonaro. Outra novidade deste ano será a participação do Exército e da Força Aérea, além da Marinha. A explicação dada nas demais forças é a possibilidade de aproveitar a oportunidade e otimizar os custos.
Os militares explicam que trata-se de um exercício operacional de tiro de um conjunto de armas e aeronaves de alta tecnologia e que fazem parte de projetos estratégicos das Forças Armadas. Em nota, a Marinha disse que a entrega do convite a Bolsonaro foi planejada para "valorizar e apresentar à sociedade brasileira o aprestamento dos meios operativos" da instituição.
Sem voto impresso, o que partidos aceitam votar
O relator da PEC 135 na comissão especial, Filipe Barros (PSL-PR), confirma a expectativa de que a base governista não chegará aos 308 votos para se aprovar a proposta, e acredita que o voto impresso não teria votos para ser aprovada mesmo se a votação ficasse para outro dia.
"Os partidos já têm posição fechada, qualquer alteração que eu fizesse [no texto] não seria suficiente para que aprovassem", afirmou à Gazeta do Povo. A maioria dos presidentes, líderes e demais dirigentes partidários se posicionou contra a discussão de auditagem pelo voto impresso nas eleições de 2022.
Muitas propostas foram apresentadas nos bastidores ao longo do último mês. Uma delas foi que não se discutisse voto impresso para as próximas eleições, e deixasse o debate para após o pleito de 2022 — e o que fosse acordado e aprovado seria respeitado. Outros sugeriram alternativas de auditagem sem a impressão do voto, como defende o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira.
Outra sugestão é a de ampliar o número de urnas que passam pelo teste de integridade, uma votação paralela à oficial feita em algumas urnas. É uma das etapas de auditagem feita pelo TSE para garantir que o voto digitado pelo eleitor é o mesmo armazenado pelo sistema. Essa proposta vem sendo costurada por Arthur Lira, Ciro Nogueira e o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), e pode ser a proposta “vencedora” a ser conduzida no Parlamento após a iminente derrota da PEC 135.
Alguns aventam a possibilidade de essa redação ser inserida dentro da reforma do Código Eleitoral discutido na Câmara. Já Lira sugeriu que essa ideia seja apresentada pelo TSE e pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como alternativa para a derrota do voto impresso. “Não legislar é também legislar. Essa discussão passou de todos os limites. Após o resultado, se for de não aceitar o seu prosseguimento, é importante que o STF e o TSE possam encontrar uma maneira administrativa para serenar as dúvidas mais firmes”, afirmou Lira em entrevista à Rádio CBN.
Quais as estratégias para manter vivo o debate
Uma vez derrotada a PEC 135, a tendência é que Bolsonaro respeite a decisão da Câmara e recue em relação à pauta. Arthur Lira disse em entrevista ao site O Antagonista que o presidente da República prometeu respeitar o resultado da votação em plenário. Bolsonaro admitiu nesta segunda que a proposta tende a ser derrotada.
A tendência é que isso ocorra até por alerta de Ciro Nogueira a Bolsonaro. O ministro da Casa Civil afirmou ao presidente que é difícil reverter o cenário este ano após ter falado com líderes e presidentes partidários. A leitura feita por governistas é que o fato de ele estar há menos de duas semanas no governo também não ajudou a distensionar o clima político e buscar um acordo pela pauta.
Mesmo que Bolsonaro fique fora do debate, governistas apontam que há outras propostas para manter viva a discussão do voto impresso. Uma delas é insistir com a instalação da chamada "CPI do TSE", uma Comissão Parlamentar de Inquérito proposta pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para investigar a invasão hacker ao sistema do Tribunal Superior Eleitoral em 2018 e os riscos que um ataque cibernético podem acarretar à integridade das urnas eletrônicas.
A ideia tem poucas chances de vingar caso se confirme a rejeição da PEC 135 por ainda manter aceso o clima de acirramento com o Judiciário, avaliam governistas. Uma outra alternativa seria resgatar o debate no Senado através da PEC 113/2015. Trata-se de uma reforma eleitoral relatada na Câmara pelo deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), ex-presidente da Casa, em que parte de sua redação fala sobre voto impresso. O dispositivo foi aprovado pela quase totalidade da Casa.
O debate do voto impresso também poderia prosperar no Senado, onde tramita na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) a Sugestão 9/2018, que propõe a adoção do voto impresso em 100% das urnas eleitorais. Trata-se de uma oportunidade de o cidadão opinar sobre o conteúdo da sugestão por meio do e-Cidadania. Caso aprovada pela CDH, a proposta pode virar um projeto de lei. A matéria está sob a relatoria do senador Humberto Costa (PT-PE).
Uma vez rejeitada a PEC 135, entretanto, qualquer debate sobre o voto impresso no Congresso tende a ser resgatado somente após as eleições de 2022. Governistas não acreditam que conseguirão manter viva e com força política a pauta em qualquer uma das duas Casas este ano. O próprio MDB, que tem maior força no Senado, se mostrou disposto a discutir o voto impresso a partir de 2024, não para o pleito do ano que vem.