Você pode não saber, mas o governo federal possui um plano ambicioso para a área do turismo, que inclui não apenas quase dobrar o número visitantes, como também gerar mais empregos e quase triplicar a renda obtida com a atividade até 2022. O plano nacional de turismo está publicado desde maio e é mais ou menos por essa época que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) começou a falar da sua menina dos olhos para o setor: a transformação da região de Angra dos Reis na Cancún brasileira. E para fazer isso, o ministério do Turismo já elabora um plano de ações que vai exigir um investimento bilionário para fazer essa mudança.
A Cancún brasileira virou bandeira do governo para criticar a política ambiental aplicada na região, considerada muito restritiva, e lamentar o desempenho pífio do turismo brasileiro. O mar azul e verde e areia branca são o ponto em comum mais óbvio entre Angra e Cancún, e que também explicitam que, sim, a região tem potencial turístico. E esse parece um ponto pacífico entre todas as partes que se envolveram nesse debate. A grande questão é que tipo de turismo se quer promover na região: atividades que respeitem as características locais, com uma pegada ecológica, ou um modelo de instalação de grandes resorts?
Uma delegação do Ministério do Turismo esteve na cidade em agosto para mapear ações para desenvolver o potencial turístico da região. “O plano é uma matriz organizada em ações de infraestrutura, turismo, meio ambiente, segurança, política urbana, tecnologia e inovação”, respondeu a pasta por e-mail. Inicialmente, a previsão era apresentar o plano ao presidente Jair Bolsonaro em 13 de agosto, mas o projeto ainda não foi concluído e não há data para sua divulgação.
No entanto, a pasta já deu pistas sobre ações prioritárias e custos estimados. As ideias passam pela reativação de um trem turístico que passa pela região de Mata Atlântica, entre Rio Claro e Angra. Segundo a pasta, esse empreendimento está parado há mais de 20 anos e pode ficar pronto em até seis meses, a depender do aval da Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT). A FCA, antiga concessionária do trecho, teria assinado documento se comprometendo a investir mais de R$ 40 milhões no trecho.
Além disso, a pasta prevê ações de duplicação da BR-101, no acesso ao município, a construção de complexo turístico na Marina do São Bento, usina de dessalinização de água, criação de estações de tratamento de esgoto, ampliação da pista do aeroporto e construção de um novo terminal de passageiros. Em entrevista concedida em Angra dos reis, o diretor de infraestrutura do ministério, Marcelo Moreira, estimou que todas as ações mapeadas devem requerer pouco mais de R$ 1 bilhão em investimentos, dos setores público e privado.
O presidente do Instituto Municipal do Ambiente (Imaar) de Angra, Mário Reis, diz que o grande desafio para conciliar a expansão do turismo com a preservação da região é a legislação, já que um grande mosaico de unidades de conservação, mesclando unidades sustentáveis e áreas de proteção integral. “Dentro do turismo sustentável, precisamos uniformizar o aspecto legal para que as atividades de baixo impacto e impacto insignificante sejam viabilizadas”, afirma.
Reis também defende que é preciso permissão para atividades de ecoturismo, mas com quantidade controlada de pessoas. “Como não existe ecoturismo sem qualidade ambiental, Angra precisa investir em infraestrutura. A qualidade ambiental de Angra já é muito boa, mas ainda há alguns desafios. É preciso sanear todas as praias da região e aumentar a acessibilidade”, avalia.
Potencial incontestável
Dentre os principais atrativos de Angra dos Reis estão o turismo náutico, que engloba as praias e possibilidade de passeios de barco e mergulho na região, e a Ilha Grande, que recentemente se tornou patrimônio mundial da Unesco, juntamente com Paraty.
O professor de direito ambiental Rogério Rocco, que também é analista ambiental do ICMBio, comenta que é evidente o potencial turístico da região, também associado à pesca. Além disso, especificamente em Angra, há um potencial industrial pontual e o ponto fora da curva é a presença das usinas nucleares. “A perspectiva de potencializar o turismo é correta. Agora, a ideia de transformar numa Cancún é imprópria porque as regiões com potencial turístico não se igualam pelo simples fato de terem potencial turístico”, avalia.
No caso de Angra, o professor defende que o incentivo ao turismo na região deve estar associado à manutenção das características ambientais e resguardo às culturas tradicionais – há aldeias indígenas, quilombos e áreas de caiçaras na região. “A cultura local também é atrativo turístico”, defende.
Rocco também lembra que Angra pode seguir o exemplo da vizinha Paraty, que é referência não só pelo turismo de visitação, mas de eventos. Além da feira literária, a cidade oferece uma gama de festivais, de jazz a cachaça, o ano todo. A principal diferenças entre as duas cidades é que Paraty conservou seu centro histórico, que é patrimônio da Unesco, enquanto Angra não o preservou.
“É notório na fala do presidente, quando ele fala que quer abrir a área para a pesca e quer transformar em Cancún, que ele pretende atuar contra um sistema de conservação que já existe há décadas na área, que resguardou dezenas de ilhas de uma ocupação imprópria”, pondera Rocco.
Uma possibilidade de modelo para implementação de incrementos ao turismo, na opinião de Rocco, segue o que é feito no arquipélago de Fernando de Noronha, também na mira de Bolsonaro. A taxa de visitação cobrada por dia é associada à manutenção das áreas protegidas. “A Ilha Grande é uma área que mereceria um tipo de política local que ordenasse melhor o turismo, para potencializar e reforçar as características locais”, avalia.
Além disso, nas ilhas pernambucanas não se faz investimentos externos sem a parceria dos ilhéus. Para Rocco, esse é um exemplo muito bem sucedido, que foge à regra do restante do litoral brasileiro. “Em Fernando de Noronha, nenhum empreendimento é realizado na ilha sem estar associado a um ilhéu. Pessoas simples, mas empoderadas porque recebem aporte de capital externo”, explica.
Perfil do turista
Dados de um estudo de demanda turística internacional, divulgados pelo ministério do turismo em julho deste ano, mostram que Angra dos Reis foi o décimo destino mais procurado pelos estrangeiros que visitaram o Brasil a lazer no ano passado. Esses turistas, que têm entre 25 e 40 anos, vinham majoritariamente da Argentina (63,7%), seguidos por Chile (8,3%), França (5,7% e Nova Zelândia (3,4%). Ainda segundo a pesquisa, essas pessoas procuraram Angra por sol e praia (68,1%) e contato com natureza, ecoturismo ou aventura (21,4%). A maior parte fica em hotéis ou pousadas, além de albergues. O tempo de permanência na cidade é de 4,8 dias e o gasto médio é de R$ US$ 66,68 por pessoa a cada dia.