A polarização entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (sem partido) não é um cenário garantido para a disputa presidencial do ano que vem. E, nesse contexto, a candidatura do humorista Danilo Gentili pode ser uma alternativa competitiva de "terceira via". A análise é de Renan Santos, coordenador do Movimento Brasil Livre (MBL).
Santos falou com a Gazeta do Povo sobre as metas do movimento e disse ser real a possibilidade de Gentili se candidatar à Presidência da República. "A gente não ia jogar a credibilidade nossa, o projeto no lixo para falar: 'Ah, eles estão numa brincadeira'. Não estamos numa brincadeira", declarou.
O nome de Gentili começou a ser cogitado como alternativa após o MBL pedir a inclusão do apresentador de TV como opção em uma pesquisa eleitoral. No levantamento, ele empatou com o governador João Doria (PSDB-SP), com o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta e com o também apresentador de TV Luciano Huck.
Santos disse que vê o MBL "bem forte" para as eleições do ano que vem e confirmou a intenção do movimento em lançar o deputado estadual Arthur do Val, o "Mamãe Falei", como candidato ao governo de São Paulo.
O coordenador do MBL reforça a posição do movimento como antagonista tanto do PT quanto de Jair Bolsonaro, e diz que o governo atual, que considera um "fracasso", revitalizou as bandeiras defendidas pelo grupo. "O nosso grande teste era sobreviver ao bolsonarismo. E a gente sobreviveu."
Leia abaixo a entrevista que Renan Santos concedeu à Gazeta do Povo.
O cenário eleitoral para 2022 indica ser pouco provável uma corrida presidencial que não seja liderada por Lula e Bolsonaro, ambos indesejados pelo MBL. Se for assim mesmo, como se posicionará o movimento?
Renan Santos: Eu não acho que seja tão pouco provável assim [uma eleição sem a polarização Bolsonaro-Lula]. As pessoas não estão polarizando com o Lula. O Lula está quieto e os fatos estão beneficiando ele. O Lula está virando um fato dado no segundo turno, praticamente. É um fato dado. Quem não é um fato dado, e justamente é quem corre risco também de ir para o segundo turno, e quem está se polarizando, é o Bolsonaro. O que acontece? O Lula lidera. Mas o Lula não é o governo. Então o Lula está numa posição muito confortável, porque ele não está no centro da discussão. Ele nem sequer está polarizando com o Bolsonaro. Eu acho que vai haver uma polarização contra o Bolsonaro e o que vai haver é uma desconstrução do voto tradicional antipetista, que o Bolsonaro dava como certo e não é mais certo, perante esses caras que vão tentar buscar esse voto. E quem vai buscar esse voto? O Ciro [Gomes], que está fingindo que é de direita, e uma candidatura que espero que surja logo, que tire votos do Bolsonaro. Mas não vejo essa dualidade [Lula x Bolsonaro] como certa.
O MBL está completando sete anos. Qual o balanço o movimento faz de sua trajetória?
Renan Santos: Extremamente proveitoso. A gente conseguiu firmar uma linguagem política clara. No começo, entre 2014 e 2017-18, a gente construiu uma coisa mais aberta e amorfa no campo da direita, que é uma oposição ao petismo, e a imposição de certos valores como a agenda de mercado e o combate à corrupção. Graças ao bolsonarismo, que era a doença dentro do nosso universo político, a gente conseguiu, por conta do contraste com ele, reafirmar nossas verdadeiras qualidades. E criar, aí sim, um nicho político e um fenômeno político de qualidade muito maior, e que é muito mais duradouro do que o que a gente tinha naquele processo que envolveu as manifestações. Eu acho que o mérito nosso, de 2019 para cá, é maior até do que o de 2014-15-16. Porque, via de regra, o Bolsonaro tem a máquina, e ele poderia nos destruir. E ele não conseguiu. E hoje a gente está ajudando a construir uma alternativa, a gente está com nomes que participam do centro do debate público. Todo mundo achou que o MBL já era. Mas o papo tá rolando. E, no ano que vem, a gente vai estar muito bem no jogo, e bem forte.
Quais são, em síntese, as bandeiras e propostas do MBL?
Renan Santos: O MBL trabalha com teses. Mais do que propostas específicas. Quando o Arthur [do Val] concorreu a prefeito [de São Paulo], trouxe um conjunto de propostas para a gestão municipal aqui. E, no campo federal, a ideia nossa de redução da interferência do governo na economia e na vida das pessoas, diminuição da concentração de poder em determinadas lideranças, revisão de pacto federativo, reformas estruturantes, defesa da democracia, ficaram mais atuais que nunca com o fracasso do governo Bolsonaro. Porque ele entrou lá como alguém que representaria essa agenda e ele destruiu ela, aviltou ela. O Bolsonaro fez campanha no segundo turno falando que nós não podíamos deixar o Brasil virar uma Venezuela. Ora, ele está nos "venezuelizando", e num ritmo insano. "Ah, ele vai fazer reformas." Mas não anda porcaria nenhuma, em termos de reformas! E isso em todas as outras áreas. Até no combate à criminalidade. Os números da violência e homicídio diminuíram em 2019, e voltaram a subir em 2020. Então toda a agenda que fez parte do processo histórico de 2014-15-16-17-18 está toda em aberto. E o que cabe ao MBL agora é, num termo em inglês, o "cut the bullshit". Cortar o "bullshit", o discurso amalucado. Saem também as grandes expectativas, para colocar essas teses dentro de propostas mais pé no chão, mais realizáveis. Porque é isso que a gente tem que olhar. Olhar o que é uma agenda anticorrupção possível; o que é – e eu acho que esse é o grande desafio nosso – criar um modelo de governabilidade que, por se necessitar de coalizão no Brasil, mais sem ser de cooptação. Eu acho que esses são os desafios e as coisas que a gente defende.
A saída do Fernando Holiday é um episódio já superado? [O vereador paulistano Fernando Holiday, que por muito tempo foi um dos principais expoentes do MBL, deixou o movimento em janeiro, por divergir da agenda dele
Renan Santos: Foi "sussa" [sossegado, tranquilo]. Ele quis sair, quis tocar as coisas do jeito dele. Não somos inimigos.
Também falando em episódios antigos: e o caso de Guarulhos? Foi realmente um erro? O que ficou de aprendizado daquilo? [Em abril, Kim Kataguiri e Arthur do Val, além de outros políticos, fizeram um ato de fiscalização no Hospital Geral de Guarulhos. O episódio foi interpretado inicialmente pela Secretaria de Saúde de São Paulo como uma "invasão", especialmente porque a área visitada tinha pacientes de Covid-19. A pasta depois mudou seu entendimento, mas os membros do MBL publicaram vídeos se dizendo arrependidos do ocorrido.]
Renan Santos: Uma coisa que é importante colocar em perspectiva é que a Secretaria de Saúde depois reconheceu que ninguém tentou entrar lá nas UTIs. A visita foi super pacífica. O que houve foi o seguinte: não queriam deixá-los entrar porque é um comportamento recorrente, o de não querer deixar entrar. E assim, locais públicos, da administração pública, são objetos de fiscalização de agentes públicos. Isso é natural. Um exemplo é: uma semana depois daquela fiscalização, o Arthur foi fazer uma outra fiscalização, em um equipamento público em Santo André, e pegou casos bizarros, de funcionários, de diretores do hospital que mal trabalhavam e já tinham sido vacinados enquanto os funcionários da ponta não eram vacinados.
Ou seja: eles [Arthur do Val e Kim Kataguiri] faziam isso numa boa. Eu sei que tem pessoas que fazem coisas espetaculosas em termos de fiscalização. Mas a gente tem um histórico enorme de visitar equipamentos públicos. Se você procurar no Youtube do Kim, vai achar vídeos e mais vídeos de ele visitando hospitais. O que teve [em Guarulhos] foi que não deixaram entrar; e o Arthur entrou. E aí o pessoal do hospital, com a Secretaria de Saúde, divulgaram o vídeo e deram uma intepretação para o vídeo. E aí depois voltaram atrás. Olhando hoje, o que acho que nós erramos: erramos em nos colocar no risco de sermos mal-interpretados, e num momento em que nós não podemos errar, porque estamos enfrentando o bolsonarismo e o petismo. Então a gente não tem direito de errar. Esse é o ponto.
A candidatura do Arthur do Val ao governo de São Paulo é um processo irreversível?
Renan Santos: É. Ele é um cara que cresce nas pesquisas, um cara que começou as primeiras pesquisas para governador com 4% e pouco, e nas últimas já está com 7,9%. Ele terminou com 10% para prefeito e começou com 1% [Arthur foi o quinto colocado na disputa pela prefeitura de São Paulo no ano passado, com 9,78% dos votos válidos].
Pelo Patriota? [partido pelo qual Arthur concorreu em 2020 e está filiado]
Renan Santos: Preferencialmente. Mas acho que o Arthur tem que ser compreendido no jogo como um agente político em ascensão, sem marcas, com um projeto muito diferente de tudo o que vem sendo tratado aqui no estado de São Paulo. E ele tem que ser tratado dessa forma, inclusive pelos partidos grandes, que ainda querem ficar presos a, por exemplo… "o Alckmin vai sair", "fulano vai sair". São Paulo é um estado de vanguarda em muitos pontos. É um lugar que vai estar aberto a novidades. E o Arthur é a novidade nesta eleição.
E para a disputa presidencial? Em termos práticos, o que o MBL tem feito para fomentar a terceira via? Tem conversado com candidatos, se reunido, etc?
Renan Santos: A gente conversa. Até saiu uma matéria na Veja, muito deselegante, não por parte da Veja, mas de quem vazou. A matéria dizia: "O MBL não quer mais fazer reuniões com todos os candidatos da terceira via". Fui consultado pelo jornalista e disse: "não quer mesmo". A matéria já demonstra, e deixamos claro, que nós conversamos com eles. E eu deixei claro na resposta que dei que não vai se juntar… o [João] Doria não vai dar as mãos para o [Luiz Henrique] Mandetta, com o [João] Amoêdo, e todo mundo vai cantar no Rubayat [churrascaria frequentada por políticos]. Não vai ter. O que vai ter é: a gente tem que sentar com os candidatos com quem temos afinidades e que tenham apelo e gerem militância. Esse discurso não é o discurso do "presidentaço". Não é o discurso do Eduardo Leite, não é o discurso do Doria. É um discurso que vem sendo feito por determinados agentes do debate público, e aí eu incluo o Amoêdo e o Danilo [Gentili], com os defeitos e acertos de cada um, que é o mesmo discurso nosso, do Arthur, do Kim, que é um discurso que tem tração e tem demanda. Ninguém está falando: "Taí, eu quero um presidentaço porque estão falando que ele parece o Biden". A galera nem sabe quem é o Biden. O "presidentaço" não é o Tasso Jereissati, ele não é nada. O Doria, com todo o respeito, se queimou demais. O Mandetta tá lá, diz que conversa com o Ciro, "temos que conversar com a UNE [União Nacional dos Estudantes]"… Que UNE? A UNE já está na campanha do Lula! A UNE tem dono.
Como você avalia a ótica dos partidos tradicionais sobre o MBL? O respeito destinado ao movimento, nos últimos anos, tem aumentado ou diminuído?
Renan Santos: Eu acho que sim [tem aumentado]. A gente não prioriza mais movimentos de rua, só que a gente tem um trabalho institucional bem mais sério, e um trabalho dos parlamentares respeitado. O nome mais óbvio é o do Kim. Eu não conheço estreia de um deputado no Brasil igual à do Kim. Com relatórios aprovados, já está no quarto projeto de lei aprovado na Câmara… Isso para um deputado de dois anos e pouco é assombroso. Com um detalhe: é um parlamentar de oposição ao governo. E a curiosidade que gerou nos políticos em relação ao desempenho do Arthur e à eleição de três vereadores aqui [em São Paulo], sem usar discurso eleitoral, sem discursinho de Partido Novo, e brigando no campo da direita. Isso é uma coisa que todo mundo começa a olhar: "Opa, tem algo aí".
Em relação a Danilo Gentili: por que ele, que é um humorista e nunca disputou uma eleição, é visto pelo MBL como uma alternativa na corrida presidencial?
Renan Santos: Vamos entender como a gente enxerga essa lógica. Existe um universo que renega o bolsonarismo e o petismo e, ao mesmo tempo, é legatário do processo histórico que derrubou a Dilma, que fechou a rua pelo combate à corrupção, que convulsionou o Brasil nos últimos anos, e nós somos parte disso também. Entre todos os formadores de opinião e agentes do debate público, o Danilo Gentili é o maior de todos e não se furta de se posicionar o tempo todo sobre isso. A ponto de ser um cara que, um pouco antes de ter seu nome citado para presidente, o Arthur Lira [presidente da Câmara] pediu a prisão dele. A Maria do Rosário [deputada federal pelo PT-RS] também, o que é sintomático.
Ele tem posições políticas extremamente pé no chão, extremamente sensatas. Só que ele não é esse centro, esse "centro de boutique" que estão tentando vender, o "olha como eu sou de centro, como eu gosto de democracia". Ele é o centro aguerrido de quem está se vendo comprimido entre uma direita aguerrida e radical e uma esquerda radical e dizendo "não quero essa droga pra mim". É esse discurso que se tem que ter, porque você vai ter que gerar empatia, e gerar aproximação com esse eleitor, que é um eleitor mais desmobilizado.
Não é igual um eleitor do Bolsonaro, que é um eleitor assíduo. O cara tá tomando cloroquina e falando de terra plana – esse eleitor está mobilizado. E nem o eleitor petista, que é um eleitor, nos grandes centros urbanos, muito ligado ao Psol, e é um eleitor fiel, que não participa do debate público, mas é um voto cativo ao PT, especialmente no Nordeste. Então para a gente ativar esse eleitorado, que hoje está desiludido com a política, você vai ter que dar uns choques na galera. E a função do Danilo é essa.
Conheço o Danilo há muitos anos. É um cara muito pé no chão. Só que ele é barulhento. Ele fala as coisas. Mas é um cara pé no chão, e a gente não ia jogar a credibilidade nossa, o projeto no lixo para falar: "Ah, eles estão numa brincadeira". Não estamos numa brincadeira. O Danilo e o [João] Amoêdo [presidenciável do Partido Novo em 2018] estão conversando, e acho que o Danilo e o Amoêdo juntos representam uma força e uma capacidade de agregar agentes que é formidável, que os outros candidatos da terceira via não têm. E isso é uma novidade.
Essa pergunta que você me fez outros jornalistas já fizeram e eu falo: pergunte ao Amoêdo, que é um cara que não é um dos jovens serelepes do MBL; que é um empresário de sucesso Aliás, o [Sergio] Moro afirmou isso também [que votaria em Gentili].
Você se arrepende de ter apoiado Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições presidenciais de 2018? [no primeiro turno daquela eleição, o MBL não apoiou formalmente nenhum candidato. No segundo, os integrantes se mobilizaram em favor de Bolsonaro]
Renan Santos: Eu teria, hoje, anulado [o voto]. Por quê? Para não ter a marca de "eu votei nesse cara". Mas, ao mesmo tempo, eu não nego. Eu entendo por que votei [em Bolsonaro]. E entendo por que as pessoas votaram. E outra coisa: um governo petista teria sido desastroso. Seria um desastre de outra natureza. Outro tipo de desastre, mas seria. Tentam vender algo como "vocês votaram no Bolsonaro, mas se tivessem votado no Haddad estava tudo bem". Estava tudo bem uma ova! Estaria um caos. O caos institucional ia prosseguir, e tudo o que esses caras conseguiram fazer com o Bolsonaro na maciota, na conversa mole, trabalhando no STF – porque o Bolsonaro é um Judas do próprio eleitor –, o PT teria que fazer de forma conflituosa. Então o Brasil estaria em outro nível de crise institucional. Então eu teria ficado feliz com meu voto nulo. Mas ninguém que votou no Bolsonaro precisa se arrepender por conta disso.
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