A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia defendeu, nesta quarta-feira (19), a suspensão de qualquer investigação do Ministério da Justiça relacionada à participação de servidores públicos federais ou estaduais em mobilizações consideradas antifascistas.
Relatora do caso, a ministra mandou vários recados ao governo durante o seu voto, afirmando que não é papel do Estado fazer "dossiês contra quem quer seja" e classificando como triste o fato de ainda se falar em produção de relatórios contra opositores em pleno regime democrático. "Nem a órgão estatal, nem sequer a particulares, compete fazer dossiês contra quem quer que seja, nem instaurar procedimentos de cunho inquisitorial", disse.
A expectativa no Supremo é que os outros ministros acompanhem o voto de Cármen Lúcia, mas com ajustes. O julgamento foi suspenso após o voto da ministra e será retomado nesta quinta-feira (19).
O Supremo começou a analisar uma Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) sobre um eventual dossiê feito pelo Ministério da Justiça relacionado a servidores. A ação foi movida pela Rede Sustentabilidade. O partido pediu ao STF a “imediata suspensão da produção e disseminação de conhecimentos e informações de inteligência estatal produzidos sobre integrantes do 'movimento antifascismo' e professores universitários".
O próprio ministério da Justiça, por meio da Secretaria de Operações Integradas (Seopi), admitiu a existência de um monitoramento de 579 servidores federais e estaduais, mas negou que o trabalho de inteligência se trate de um “dossiê”.
Durante o julgamento, Cármen Lúcia disse que era a favor das atividades de inteligência, mas, para ela, são necessários limites no monitoramento das ações dos servidores. Para ela, há uma diferença sensível entre investigação criminal, embasada após abertura de ação penal contra cidadãos, e a concepção de relatórios que possam servir, no futuro, para perseguições aos servidores.
Para Cármen, a produção desse tipo de documento pelo Estado pode afetar, em último caso, a liberdade de expressão desses funcionários públicos. “O proceder de dossiês, pastas, relatórios, informes, sobre a vida pessoal de cidadãos brasileiros, sobre suas escolhas, não é nova no nosso país. E não é menos triste termos que voltar a esse assunto, quando já se acreditava que era apenas uma fase mais negra da nossa história”, disse a ministra. “O Estado não pode ser infrator. Menos ainda em afronta a direitos fundamentais, que é sua função garantir e proteger”, afirmou.
Cármen Lúcia ressaltou, em vários momentos do voto, que os informes do Ministério da Justiça são dúbios sobre a existência ou não dos relatórios e o objetivo deles. Para a ministra, não ficou claro qual era o objetivo do ministério em fazer esse tipo de monitoramento.
“No Direito Constitucional, o uso ou o abuso da máquina estatal, mais ainda para a colheita de informações de servidores com postura política contrária a qualquer governo, caracteriza sim desvio de finalidade”, asseverou a ministra, que ainda questionou a exoneração do diretor do Seopi, o coronel Gilson Libório de Oliveira Mendes.
Antes de Cármen votar, Aras minimiza dossiês antifacistas
Do outro lado, o procurador-geral da República, Augusto Aras, minimizou o material produzido pelo ministério. Para ele, os integrantes do Seopi realizaram apenas um cruzamento de dados sobre informações dos servidores com base em fontes abertas, como páginas de redes sociais e pesquisas de portais de internet. No mérito, Aras defendeu o indeferimento da ação alegando que ela foi embasada basicamente em notícias veiculadas pela imprensa.
A afirmação de Aras teve como base a conclusão dos trabalhos da Comissão Mista de Controle da Atividades de Inteligência (CCAI) do Congresso que teve acesso ao relatório sobre os antifascistas. “Pela análise da comissão do Senado, parece ter havido um alarme falso, talvez um exagero. É relevante dizer que o Senado fez sua avaliação técnica e a conclusão é que os chamados relatórios de inteligência, representam, na realidade uma compilação de dados e informações extraídas de fontes abertas”, disse Aras.
Embora tenha minimizado o material do Ministério da Justiça, Aras ressaltou que o Ministério Público defende a liberdade de expressão. “O Estado brasileiro é plural e não total”, alegou. “É compreensível que os órgãos de inteligência permaneçam atentos a grupos policiais que se organizam em movimentos sociais, sobretudo após o incidente que envolveu tiros que alvejaram um parlamentar. Ânimos acirrados podem ocasionar tragédias coletivas ou individuais”, analisou o procurador, em referência ao ataque que feriu o senador Cid Gomes (PDT-CE), em Sobral, durante um motim de policiais em fevereiro deste ano.
Já o advogado-geral da União, José Levi, defendeu a confecção do relatório alegando ser ele uma atividade de inteligência preventiva e que o documento foi elaborado a partir de fontes abertas. Além disso, ele alegou que a própria União rejeita “toda forma de totalitarismo, incluindo o facismo”.
“Sem a garantia do sigilo, ficariam expostas as próprias pessoas citadas, mencionadas em ambiente de análise, apenas informativo e não investigativo. Muitas vezes ali referidas por simples vínculo circunstancial e objetivo em relação a determinado assunto. Ou seja, sem nenhum juízo de valor. É informação. Não é investigação. Não há dados para além de dados de alcance público”, descreveu o advogado-geral da União.
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