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O empresário Airton Cascavel, que depõe nesta quinta-feira (5) na CPI da Covid do Senado, afirmou que sua atuação no Ministério da Saúde teve como principal atribuição o uso de seu "traquejo político" na interlocução da pasta com prefeituras, governos estaduais e membros do Congresso Nacional. Ele também falou que não participou diretamente de negociações para compra de vacinas, mas que teria comprado os imunizantes da Pfizer "se pudesse".
Cascavel foi chamado à CPI por ter sido identificado como uma espécie de "número 2 informal" do Ministério da Saúde quando a pasta estava sob o comando de Eduardo Pazuello, entre maio do ano passado e março de 2021. Ele atuou como assessor especial do Ministério por meses mesmo sem ter nenhum vínculo oficial com a pasta.
Segundo ele, a falta de oficialização se deu por conta de obstáculos burocráticos. Cascavel contou ter sido escolhido para a função por Nelson Teich, que ficou por pouco tempo na função de ministro da Saúde. Após a queda de Teich e a indicação de Pazuello para a função, o nome de Cascavel começou a tramitar mas a indicação travou pelo fato de ele ter vínculos com empresas, e a inatividade de cartórios no ano passado impediu sua descompatibilização.
O depoente falou também à CPI que a sua importância no Ministério da Saúde é "superdimensionada". Ele rebateu o relator da comissão, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), que declarou ter havido uma "terceirização" de funções de Pazuello para ele. "Eu tinha diálogo institucional com prefeituras, estados, municípios", declarou.
Ele ainda criticou o que chamou de "politização" em torno das negociações de vacinas. Cascavel foi questionado pelos senadores se o presidente Jair Bolsonaro seria o responsável pela politização, mas não respondeu.
Segundo ele, a comercialização de vacinas não esteve entre suas atribuições no Ministério, e por isso não teve envolvimento com o processo. A compra de vacinas é um dos temas prioritários da CPI; inicialmente, a comissão abordou um possível negacionismo e desinteresse do governo federal em adquirir os imunizantes. A partir do fim de junho, o foco passou para denúncias de corrupção, possível pedido de propina e privilégio a uma empresa em detrimento das demais.
Político entre os militares
Cascavel foi deputado federal, estadual, vice-governador de Roraima e prefeito de Mucajaí, município vizinho de Boa Vista. A experiência política, segundo ele, foi o que o levou a ser convidado por Teich e, posteriormente, por Pazuello para integrar a equipe do Ministério.
Ele relata que chegou ao Ministério e constatou que a pasta tinha muitos militares em postos-chave. "E os militares não têm traquejo político, não têm interlocução com o Congresso", disse.
Cascavel disse que parte de suas atribuições era ouvir demandas de parlamentares e tentar fazer a distribuição de equipamentos pelos estados e municípios, de acordo com as necessidades de momento. Ele mencionou conversas com o senador Jorge Kajuru (Podemos-GO) para municiar regiões de Goiás com respiradores, quando o estado vivia uma crise de desabastecimento. O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), também disse ter conversado com Cascavel para a busca de suprimentos.
Lockdown do Amazonas em pauta
Parte do depoimento de Cascavel foi marcado por uma espécie de desabafo de Omar Aziz, que abordou o colapso vivido no Amazonas no início do ano, quando a falta de oxigênio levou à morte de milhares de pessoas. Aziz questionou Cascavel sobre o conhecimento que ele teria sobre decisões tomadas pelo governo federal e também pelo governo local, administrado por Wilson Lima (PSC).
O presidente da CPI recordou então o impasse vivido ainda no fim de 2020 em torno da imposição do lockdown no Amazonas. Em 26 de dezembro, o governador decretou medidas para impedir a circulação de pessoas, buscando inibir a propagação do coronavírus. A ação despertou reações contrárias não apenas da população local, mas também de lideranças políticas nacionais, como os deputados federais Bia Kicis (PSL-DF) e Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o próprio presidente Bolsonaro. Com a reação, Lima recuou da medida - o que, na avaliação de Aziz, acabou sendo decisivo para que em janeiro a região vivesse um colapso.
"O governo federal boicotou o lockdown e insistiu com o Tratecov e o tratamento precoce", afirmou Aziz, em referência ao controverso aplicativo lançado pelo Ministério da Saúde e à política de tratamento da Covid-19 com base em medicamentos como cloroquina, cuja eficácia contra a doença não está comprovada.
Aziz também enfatizou a defesa que a CPI fez do afastamento da secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, a médica que é conhecida como "Capitã Cloroquina". "Essa senhora contribui com o quê? Com mortes", disparou o senador. Na terça-feira (3), a CPI aprovou o pedido de afastamento da médica, e a solicitação foi remetida ao ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.