Agentes do Ministério Público do Rio de Janeiro cumpriram 24 mandados de busca e apreensão, nesta quarta-feira (18), em consequência da investigação que apura a suposta prática de "rachadinha" no gabinete do então deputado estadual e atual senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ). A prática consiste em coagir funcionários empregados no gabinete a devolver parte do salário para o parlamentar. São investigados crimes de peculato, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e organização criminosa.
A operação desta quarta foi autorizada pelo juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio, com base em novos indícios apresentados pela Promotoria, um ano depois das primeiras denúncias que apontam o policial militar Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio, como operador da rachadinha. A ação do MP foi cumprida em endereços ligados a familiares de Queiroz, de outros ex-assessores e da ex-esposa do presidente Jair Bolsonaro, Ana Cristina Siqueira Valle, além de uma loja de chocolates que tem como sócio Flávio Bolsolnaro. Itabaina autorizou a quebra dos sigilos fiscal e bancário de todos os envolvidos nessa nova fase da investigação.
Veja tudo que se sabe até agora sobre as acusações que embasaram a operação desta quarta:
Queiroz recebeu R$ 2 milhões em depósitos, diz MP
O ex-assessor Fabrício Queiroz recebeu R$ 2.062.360,52 por meio de 483 depósitos feitos por assessores subordinados ou indicados pelo então deputado Flávio Bolsonaro, aponta quebra de sigilo bancário obtida pelo Ministério Público do Rio de Janeiro.
Os valores foram transferidos por 13 servidores do gabinete do parlamentar e constam no relatório da Promotoria sobre a operação desta quarta-feira. As informações foram divulgadas pela revista Crusoé.
O relatório aponta que chegou ao valor após analisar as movimentações financeiras de Queiroz após afastamento do sigilo bancário do ex-assessor parlamentar, decretada em abril deste ano e que atingiu, inclusive, o próprio senador Flávio Bolsonaro.
Segundo a promotoria, a maior parte dos valores (69%) foi repassado por depósito bancário de dinheiro em espécie, mas também foram utilizados transferências e depósitos de cheques. Queiroz é apontado pelos promotores como o "arrecadador dos valores desviados da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro".
Além dos depósitos, o Ministério Público afirma que o ex-assessor parlamentar "executou uma intensa rotina de saques em sua própria conta corrente", chegando ao total de R$ 2,9 milhões em espécie.
"Essa predominância de transações em dinheiro vivo na conta corrente de Fabrício Queiroz não decorre de acidente, nem de mera coincidência. Pelo contrário, essa incomum rotina de depósitos em espécie seguidos de saques também em dinheiro na mesma conta decorre de uma opção deliberada do operador financeiro, com o propósito específico de tentar não deixar rastros no sistema financeiro acerta da origem e do destino dos recursos que transitaram pela conta de sua titularidade, os quais passaram então a circular por fora do sistema financeiro", aponta a promotoria.
O Ministério Público alega ainda ter identificado outros R$ 900 mil em depósitos em espécie para a conta de Queiroz "cuja procedência não foi possível precisar pelo cruzamento de valores". A promotoria afirma ainda que ocorreram "centenas de saques nas contas bancárias de ex-assessores" de Flávio Bolsonaro que foram destinadas a operadores financeiros mediante entrega em mãos, sem passar pela conta de Queiroz.
Familiares empregados como "fantasmas"
Além de arrecadar o dinheiro dos salários dos servidores de Flávio Bolsonaro, Queiroz também tinha a função de indicar familiares e pessoas de sua própria confiança para cargos no gabinete do então deputado estadual.
Entre os indicados estavam a esposa de Queiroz, Márcia Oliveira de Aguiar, que atuava como cabeleireira, mas tinha cargo no gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio. Ela, no entanto, jamais retirou o crachá funcional para acessar as dependências da Alerj.
A filha de Queiroz, Nathália Melo de Queiroz, também foi nomeada para cargo na Assembleia mesmo cursando educação física na Universidade Castelo Branco, a 38,7 quilômetros da Alerj e mantinha emprego em outras três academias de ginástica. Assim como a mãe, Nathália também nunca pegou o seu crachá de funcionária de Flávio. A sua irmã, Evelyn Melo de Queiroz, foi nomeada enquanto exercia a profissão de manicure e pedicure.
A família Queiroz integra o grupo de 12 servidores que teria recebido cerca de R$ 6,1 milhões da Assembleia Legislativa do Rio e repassado ao menos R$ 1,8 milhões para a conta de Fabrício Queiroz e sacado cerca de R$ 2,9 milhões em espécie para entrega em mãos, aponta o MP.
MP divide a investigação em quatro núcleos
A promotoria dividiu a investigação contra Queiroz em quatro núcleos: o primeiro é voltado para as indicações e manutenção de assessores em cargos na Assembleia em troca de repasse de parte dos salários, prática conhecida como "rachadinha".
O segundo núcleo seria composto por operadores financeiros responsável por recolher os recursos e garantir o cumprimento de carga de trabalho de funcionários fantasmas. É neste núcleo que se encontra Fabrício Queiroz.
O terceiro núcleo era formado por pessoas que concordavam em serem nomeadas como servidores fantasmas ou como assessores com o compromisso de garantir o repasse mensal do salário que receberia pela função na Alerj.
O quarto núcleo é voltado à empresa Bolsotini Chocolates e Café Ltda, de Flávio Bolsonaro e sua esposa, que tinha atribuição de "lavar parte dos recursos desviados da Alerj" por meio de depósitos e inseridos no patrimônio do então deputado estadual como lucros superestimados da atividade empresarial.
"Os elementos de prova dos autos permitem vislumbrar a existência de uma organização criminosa com alto grau de permanência e estabilidade, formada desde o ano de 2007 por dezenas de servidores da Alerj destinada à prática de crimes de peculato através do desvio de verbas orçamentárias do Poder Legislativo, bem como de lavagem de dinheiro, com clara divisão de tarefas", afirma o MP.
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Outro policial militar teria ajudado a lavar dinheiro da "rachadinha"
Até então inédito nas investigações do Ministério Público do Rio que miram o senador Flávio Bolsonaro, um policial militar investigado por oferecer serviços ilegais de segurança pagou uma prestação, no valor de R$ 16.564,81, para quitar a compra de um apartamento feita pelo parlamentar.
Diego Sodré de Castro Ambrósio pagou de sua própria conta um boleto bancário, emitido em nome de Fernanda Antunes Bolsonaro, esposa de Flávio, que ajudou a concluir a compra de um imóvel em Laranjeiras, na zona sul do Rio. Na época, em outubro de 2016, Ambrósio era cabo da PM. Hoje promovido a terceiro sargento, seu salário ainda é de menos de um terço do valor pago naquele boleto: R$ 4.771,80.
A suspeita contra Ambrósio é de que ele tenha ajudado no suposto esquema de lavagem de dinheiro de Flávio Bolsonaro. Isso porque, além desse boleto, a Promotoria fluminense também encontrou outras provas de que o PM tinha relações com o então deputado estadual.
Também em 2016, Ambrósio efetuou transferência financeiras para pelo menos dois assessores de Flávio no Palácio Tiradentes: Fernando Nascimento Pessoa, que ainda trabalha com Flávio, e Marcos de Freitas Domingos.
O policial e uma empresa em seu nome também transferiram dinheiro para a empresa Bolsotini Chocolates e Café LTDA, da qual Flávio é sócio e que também foi alvo da operação desta quarta-feira. As transferências se deram entre 2015, ano em que o político abriu a sociedade, e 2018.
Assessora que antecedeu Queiroz teria iniciado esquema de "rachadinha"
A ex-assessora parlamentar de Flávio Bolsonaro Mariana Lúcia da Silva Ramos Mota teria participado e comandado esquema de rachadinha dentro do gabinete do então deputado estadual antes mesmo de Fabrício Queiroz assumir a função, em 2008.
Segundo relatório do Ministério Público apresentado à Justiça, Mariana Lúcia teria recebido R$ 39,4 mil de um ex-servidor de Flávio como parte do esquema de ‘rachadinha’. Ela foi chefe de gabinete do deputado estadual até dezembro de 2007, quando foi substituída por Miguel Ângelo Braga Grillo e transferida para a Comissão de Defesa Civil da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, onde ficou lotada até dezembro de 2008.
Quebra de sigilo bancário e fiscal aponta que a ex-chefe de gabinete recebeu R$ 39,4 mil entre janeiro de 2007 e março de 2008 por meio de 15 transferências bancárias feitas pelo ex-assessor Jorge Luis de Souza. O valor corresponderia a 45% do salário do servidor. Quando Mariana Lúcia deixou o cargo, os repasses passaram a ser destinados à conta de Fabrício Queiroz.
“Aponta-se, deste modo, que Mariana Lúcia exerceu a função de arrecadação dos valores repassados por assessores, à época em que ocupava a Chefia do Gabinete do Deputado Flávio Bolsonaro, antes da referida função ser assumida por Fabrício Queiroz”, pontua o MP.
De acordo com a promotoria, a própria Mariana Lúcia também participava do esquema de ‘rachadinha’ por ter sacado, durante seu período no gabinete de Flávio Bolsonaro, cerca de 40% do seu próprio salário. O valor chega a R$ 134 mil.
Outro ponto destacado pelo Ministério Público é o fato da filha de Mariana Lúcia, Catarina Ramos Mota, ter sido nomeada assessora no gabinete do deputado estadual e ter participação societária na empresa Siscomp Sistema de Telefonia Computadorizada, de Ana Cristina Siqueira Valle, ex-madrasta de Flávio e ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro.
A filha dela, Catarina Ramos Mota, também foi nomeada assessora no gabinete de Flávio Bolsonaro e tinha participação societária na empresa Siscomp Sistema de Telefonia Computadoriza de Ana Cristina Siqueira Valle, ex-madrasta de Flávio e ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro.
Familiares da ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro sacaram R$ 4 milhões em salários
Relatórios do Ministério Público do Rio mostram que parentes de Ana Cristina Valle, ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro, sacavam em espécie quase todo o valor que recebiam de salário. Dez familiares dela foram empregados no antigo gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio no período investigado pelo MP.
O pai de Ana Cristina, José Candido Procópio da Silva Valle, sacou 99,7% da sua remuneração no período em que esteve lotado na Alerj, entre 2003 e 2004. Além dele, outros cinco parentes dela chegaram a sacar mais de 90% de seus rendimentos.
Apesar de viverem em Resende, no Sul fluminense, esses familiares da segunda esposa de Bolsonaro foram nomeados para diversos cargos nos gabinetes da família durante o período em que os dois viveram em união estável, entre 1998 e 2008. Coincidentemente, a relação acabou no mesmo ano em que o Supremo Tribunal Federal (STF) produziu uma súmula sobre nepotismo, criminalizando a prática.
Entre esses parentes acusados de serem funcionários fantasmas e de colaborarem com a prática de “rachadinha”, estão ainda irmã, tias e primos de Ana Cristina.
Ao todo, no período investigado (entre 2008 e 2018), o núcleo denominado “família Siqueira” sacou R$ 4 milhões do dinheiro público. O núcleo é um dos seis esmiuçados pelo MP na investigação. Os outros envolvem o miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega e sua família; o ex-assessor Fabrício Queiroz, suposto operador do esquema, e sua família; o policial militar Diego Sodré de Castro Ambrósio, acusado de ajudar na lavagem de dinheiro; uma loja de chocolate da qual Flávio Bolsonaro é sócio; e o empresário Glenn Howard Dillard, também envolvido no esquema de lavagem por meio de negócios com imóveis.
No pedido de quebra de sigilo e de busca e apreensão produzido pelo MP que resultou na operação de hoje, a Promotoria diz que “a análise dos dados bancários desses assessores corrobora a versão noticiada pela mídia de que haveria devolução parcial dos salários, pois os integrantes da ‘família Siqueira’, de forma peculiar, costumavam sacar em espécie percentuais elevados dos seus rendimentos em datas próximas aos pagamentos mensais da Alerj, chegando a superar 90% dos rendimentos auferidos pelos assessores.”
Outro lado
A reportagem entrou em contato com o gabinete do senador Flávio Bolsonaro e aguarda resposta e busca contato com a defesa de Fabrício Queiroz. O espaço está aberto a manifestações.