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A decisão unânime do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de cassar o mandato do deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR) teve impacto significativo no cenário político, com protestos de parlamentares e movimentos ligados às ações anticorrupção. Em contrapartida, críticos dos supostos excessos da Lava Jato e ex-alvos da operação comemoram o resultado do julgamento.
Com o histórico de resistência nos meios jurídico e político contra a Lava Jato, a reação recente do TSE está sendo vista por analistas e políticos como novo capítulo da desmontagem da operação, após série de revisões de condenações na Justiça e de afrouxamentos da legislação.
Reações de deputados da oposição sugerem perseguição política contra parlamentares. Além de afirmar isso, Kim Kataguiri (União Brasil-SP) disse que o julgamento de Dallagnol reflete um país que pune os que combatem a corrupção. Ele também fez críticas ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Nikolas Ferreira (PL-MG) compartilhou a mesma visão sobre as intenções do tribunal no caso, questionando se a ideia era só calar opositores. Bia Kicis (PL-DF) lamentou o “profundo desprezo dos membros do Judiciário e de certos políticos pelo valor do voto”, ressalvando que o respeito à vontade popular parece ser dado só a aliados do “sistema”. Mario Frias (PL-SP) lembrou que a cassação partiu de um “pedido do PT”.
Outros deputados preferiram explorar o excesso de rigor na interpretação da lei. Para Evair Melo (PP-ES), houve vergonhoso excesso de zelo, o mesmo que não foi observado para o presidente Lula e seus ministros. “O TSE está prestando um desserviço ao país, até porque o requerente da cassação é o PT”, disse. Além deles, Zé Trovão (PL-SC) também questionou o mérito da decisão. “O que eles (TSE) estão querendo? Instabilidade jurídica e institucional?”, provocou.
Por sua vez, o comando das duas Casas do Congresso e a maioria dos líderes partidários evitaram contestar ou até mesmo comentar a medida radical do TSE contra Dallagnol, seja por concordarem com o castigo a uma suposta “criminalização da política” associada à Lava Jato, seja pelo receio de serem alcançados pelas mesmas investidas contra os simpatizantes da operação sediada em Curitiba.
Na tribuna do Senado, Hamilton Mourão (Republicanos-RS) cobrou do presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a interdição imediata da cassação de Dallagnol. Ele criticou a decisão do TSE e disse que era “ilegítima” e “evidência da interminável arbitrariedade que o país enfrenta”. Mourão expressou sua preocupação com a inação dos partidos e a direção do Senado diante de “atos que violam direitos”.
O senador e ex-vice-presidente da República ressaltou ainda o “assombro da sociedade” diante da perseguição aos responsáveis por desvendar “o maior caso de corrupção da história”, atribuindo tal perseguição ao “desejo de vingança do próprio presidente da República”. Mourão afirmou que a cassação do mandato do deputado é “um golpe fatal na última esperança do povo na democracia, representada pela sua expressão política nas urnas”.
Também houve indícios de medidas para evitar expressões de solidariedade ao deputado cassado e críticas à decisão judicial, como evidenciado pela decisão do presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), de cancelar a sessão agendada para esta quarta.
Ele alegou falta de quórum, mas membros da CCJ afirmaram que a ação visava impedir manifestações como a de Sergio Moro (União Brasil-PR), ex-juiz da Lava Jato, o que inevitavelmente provocaria debate acalorado sobre a decisão do TSE.
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Lira diz que decisão do TSE será analisada pela Corregedoria da Câmara
Já o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), disse que a perda de mandado de Dallagnol será analisada pela Corregedoria da Casa. Os procedimentos são regulamentados pelo Ato da Mesa 37/09, informou a Agência Câmara.
“A Mesa seguirá o que determina esse ato: a Câmara tem que ser citada, a Mesa informará ao corregedor, o corregedor vai dar um prazo ao deputado, o deputado faz sua defesa e sucessivamente”, disse Lira durante a sessão do plenário.
O presidente da Câmara respondeu a uma questão de ordem do deputado Maurício Marcon (Podemos-RS), para quem a Câmara deve se pronunciar sobre a decisão da Justiça Eleitoral. “O mandato deve ser cassado somente por esta Casa”, disse. A Constituição garante aos deputados cassados pela Justiça Eleitoral o direito à ampla defesa dentro da Câmara dos Deputados.
Conforme a Constituição, a perda de mandato será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação, assegurada a ampla defesa. O Ato da Mesa assegura ao deputado alvo de representação prazo de cinco dias úteis para a manifestação. Quando a representação é fundamentada em ato da Justiça Eleitoral, cabe apenas ao corregedor tratar dos aspectos formais da decisão judicial.
Dallagnol interpretou a decisão do TSE como "ato de retaliação contra os esforços de combate à corrupção". Seu partido, o Podemos, afirmou que não medirá esforços para defender o deputado, destacando que o Parlamento sai perdendo.
Embora possa recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), após a execução da decisão pelo TRE do Paraná, há consenso de ser extremamente improvável a reversão, até porque três dos sete ministros que o condenaram no TSE pertencem ao STF.
Há dúvida se a decisão do TSE torna Dallagnol inelegível, uma vez que a perda do mandato ocorreu devido à anulação da candidatura, o que permitiria que ele concorresse nas próximas eleições.
Moro é visto como provável próximo alvo de uma cassação
Baseados em pareceres emitidos por juristas renomados, como o professor Horácio Neiva, da Universidade de São Paulo (USP), políticos consideram que o TSE abandonou a leitura limitada das regras de inelegibilidade, dando margem para interpretações mais flexíveis. Com isso, o comentário mais ouvido dentro e fora do Congresso desde a terça-feira (16) é de que o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) seria a próxima vítima de uma suposta perseguição aos lava-jatistas. No caso dele, a cassação do mandato sob avaliação da Justiça Eleitoral foi pedida pelo PL, que o acusa de suposto caixa dois e abuso de poder econômico na campanha para o Senado. Como testemunha, o ex-juiz indicou Dallagnol.
No ano passado, Moro se manifestou sobre o pedido de cassação do PL. Segundo ele, “maus perdedores” resolveram “trabalhar pelo PT e para os corruptos”. “Da minha parte, nada temo, pois sei da lisura das minhas eleições. Agora, impressiona que tenham pessoas que podem ser tão baixas. O que não conseguem nas urnas, tentam no tapetão”, escreveu.
Para analistas próximos ao jogo político, a percepção de intercâmbio entre parlamentares e membros de tribunais para garantir autoproteção e buscar a estabilidade em suas prerrogativas tem produzido reveses contra a Lava Jato em decisões do Legislativo e do Judiciário. Moro tem buscado melhorar seus canais de comunicação e parcerias no Congresso, onde sempre sofreu resistências de parte da classe política.
Por outro lado, eles também avaliam que a percepção de um mundo político e jurídico unido no empenho para tirar o mandato de Dallagnol e avançar no desmonte da Lava Jato pode reforçar as críticas ao TSE e ao STF. A votação rápida e sem debate denotaria perfilamento em caso específico e indicativo a outros que porventura se encaixem no mesmo viés político. No terreno simbólico, ainda corroboram com tais interpretações situações associadas ao ministro Benedito Gonçalves, relator do processo contra Dallagnol no TSE, recebendo afagos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante a diplomação, em 2022, e reagindo com a frase “missão dada é missão cumprida”.
“Em 1 minuto e 6 segundos, após a leitura do voto do relator, o TSE, por unanimidade, cassou o mandato de Deltan Dallagnol. Foi um julgamento justo? Na democracia, todos esses questionamentos devem ser feitos aos tribunais superiores”, ponderou o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR).
Desdobramentos políticos do julgamento ainda são esperados
A cassação de Dallagnol terá consequências adicionais, de acordo com o professor do Ibmec-DF, Eduardo Galvão. Embora o especialista considere correta a decisão do TSE, ele lembra que não se pode ignorar o aspecto simbólico que o parlamentar representa para a sociedade e o meio político. “Dallagnol é um ícone da operação Lava Jato, e isso gera, em parte da opinião pública, a percepção de que a decisão é uma vitória do chamado "sistema" sobre o esforço nacional de combate à corrupção”, afirma.
No fim de 2021, o chamado “Partido da Lava Jato” começou a ganhar forma quando Moro e Dallagnol anunciaram as suas intenções de disputar cargos políticos nas eleições de 2022. Em meio a forte pressão, Dallagnol manteve a determinação de buscar vaga na Câmara pelo Paraná, enquanto Moro investia numa candidatura à Presidência, inicialmente pelo mesmo Podemos de Dallagnol e, depois, pelo União Brasil, que acabou não dando aval às suas pretensões. Moro tentou concorrer pelo novo partido ao Senado por São Paulo, mas foi impedido pela Justiça por não conseguir provar residência eleitoral no estado. Por fim, Moro foi eleito senador pelo Paraná, e Dallagnol conseguiu uma cadeira na Câmara dos Deputados.