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Jogos de azar

Pandemia vira argumento para legalizar cassinos no Brasil. Entenda por quê

Cassinos podem ser legalizados no Brasil por causa da pandemia de coronavírus
Defensores da liberação dos jogos de azar citam o potencial econômico e turístico dos cassinos e outras casas de aposta. (Foto: Rasto Belan)

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A necessidade de estimular a atividade econômica depois que a pandemia de coronavírus passar virou argumento para membros do governo e do Congresso defenderem a legalização de jogos de azar no Brasil. O ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, é um entusiasta da ideia. Ele defende a instalação de cassinos no país como forma de reativar o turismo, um dos setores mais afetados pela crise sanitária.

Mas essa não é uma discussão fácil. No fim do ano passado, a proposta de legalização causou um racha entre os apoiadores do presidente Jair Bolsonaro e voltou a ficar em banho-maria na Câmara. Um projeto de lei com relatório apresentado em 2016, autorizando a exploração de jogos de azar em todo o território nacional, está pronto para votação em plenário.

Álvaro Antônio chegou a mencionar os cassinos, mesmo reconhecendo que o assunto é polêmico, na reunião ministerial do dia 22 de abril, tornada pública após decisão do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal.

“O Ministério do Turismo agora tem que ter um planejamento, um plano de atração de investimentos, que é o que gera emprego, renda, é o que ajuda, obviamente, a economia do Brasil. E pra isso, presidente, eu acredito que o momento é propício, nesse planejamento da retomada, para discutir os resorts integrados [a cassinos]”, disse o ministro a Bolsonaro e outros colegas da Esplanada que estavam presentes.

Potencial econômico dos cassinos

Segundo Álvaro Antônio, a instalação de cassinos no Brasil, dentro de resorts integrados, que também ofereceriam outros tipos de serviços, tem o potencial de atrair investimentos de US$ 40 bilhões “só de outorgas, de investimentos imediatos com essa pauta”.

O projeto de lei da exploração de jogos de azar no Brasil que está pronto para votação na Câmara prevê que cassinos só poderão existir em estabelecimentos hoteleiros integrados, tipo resorts, com áreas múltiplas de hotelaria, lazer e espaços culturais.

Poderão funcionar, no máximo, três cassinos por estado – mesmo assim em unidades da federação que tiverem mais de 25 milhões de habitantes. Nos estados com população menor que 15 milhões de habitantes só poderá funcionar um cassino. E onde o número de habitantes for de 15 milhões a 25 milhões, dois.

No ano passado foi criada na Câmara uma frente parlamentar que defende a regularização do jogo no Brasil. O coordenador da frente, deputado Bacelar (Pode-BA), diz que não há razão para proibir jogos de azar. “Não há um país desenvolvido no mundo, nenhum país sequer, desenvolvido e democrático, em que o jogo seja ilegal”, disse.

“Se nós liberarmos jogo do bicho, cassinos, jogos eletrônicos, jogos online, caça níqueis e bingos, esse conjunto de jogos pode gerar 600 mil empregos para o país e cerca de R$ 15 bilhões anualmente de impostos”, afirmou Bacelar.

Bancada evangélica é contra "jogatina"

O governo pode ter dificuldade para avançar nessa pauta. A bancada evangélica no Congresso deve se opor ao tema, como já ocorreu em outras ocasiões. O deputado Marco Feliciano (Podemos-SP) disse que conversou com o presidente Jair Bolsonaro na quarta-feira (27) sobre o tema.

“Para um governo que se pretende conservador nos costumes, seria esquizofrenia política legalizar a jogatina. Por isso mesmo, no dia de hoje, estive em audiência com o presidente Bolsonaro e ele me reafirmou ser contra a legalização dos jogos de azar, e disse que irá vetar proposta nesse sentido que seja aprovada pelo Congresso, reafirmando assim seu compromisso com o povo evangélico”, disse o deputado, que é pastor.

O deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), também da bancada evangélica, é outro a reprovar a legalização de cassinos. “Continuo sempre sendo contra”, afirmou. “O momento é de cuidar, de salvar vidas, por causa do coronavírus; e não de matá-las com essa praga de jogos de azar e/ou cassinos”, completou.

Feliciano reforçou ainda o peso da base evangélica no eleitorado do presidente. “O evangélico não está em peso nas redes sociais, mas é uma das fortes bases de sustentação social do governo Bolsonaro. E não é sustentação virtual. Somos um terço do eleitorado nacional e um quinto do Congresso. E, para nós, a legalização da jogatina é uma questão que sequer deva ser discutida”, afirmou.

Bancada do jogo considera erro liberar só cassinos

Na reunião ministerial, Marcelo Álvaro Antônio ressaltou o desejo de liberar apenas os cassinos. “Não é legalização de jogos, não é bingo, não é caça-níquel, não é. São resorts integrados”, reforçou. “Obviamente, presidente, uma pauta que precisa de ser construída... a Damares tá olhando com cara feia pra mim. Uma pauta que precisa de ser construída com as bancadas da Câmara, tanto a evangélica quanto a católica, mostrando ou desmistificando vários mitos que giram em torno disso”, reforçou o ministro.

Na reunião, a ministra Damares Alves, da Família, Mulher e Direitos Humanos, reagiu: “pacto com o diabo”, disse.

Coordenador da bancada do jogo, Bacelar considera que a lógica de Álvaro Antônio está errada. “Não posso deixar de aplaudir a intenção do ministro de legalizar uma modalidade de jogos de azar no Brasil. Mas, infelizmente, o ministro escolheu a opção errada. Os cassinos integrados a resorts demandam altos investimentos e não são grandes geradores de mão de obra”, diz Bacelar.

Para ele, a solução é a liberação de todos os jogos.

Agora governista, Centrão vê a ideia com bons olhos 

A reação da ministra Damares e dos deputados da bancada evangélica ouvidos pela reportagem mostra como o governo pode ter dificuldade para avançar na legalização dos cassinos.

No final do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro chegou a ser consultado para saber se o governo apoiaria um projeto com esse teor, mas não deu resposta definitiva. Bolsonaro disse aos interlocutores que, antes, seria preciso consultar a bancada evangélica. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é favorável à legalização de cassinos, mas restrita a resorts.

“Sou um defensor da legalização dos jogos. Não só dos cassinos, mas também sou favorável a que a gente inclua bingo”, defende o deputado Paulinho da Força (SD-SP). “Cassino é importante. Se a gente fizesse pelo país afora com certeza daria uns milhares de empregos. Mas acho que fazer cassinos e fazer bingos poderíamos gerar, aí sim, milhares de empregos”, completa.

Paulinho da Força acredita ser possível avançar na legalização dos jogos no Brasil ainda neste ano, a partir do segundo semestre. Para ele, é possível construir um entendimento com a bancada evangélica sobre o tema. “Acho que este é o momento de discutir. O Brasil vai precisar disso. Vamos entrar na maior crise econômica da história do Brasil. Então precisamos pensar em projetos agora que gerem emprego e arrecadação para o governo. Se incluir bingos e cassinos, estamos falando em coisa de R$ 20 bilhões de arrecadação para o governo”, afirma.

Argumentos pró e contra os cassinos

Em janeiro deste ano, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente, viajou a Las Vegas para uma reunião com o empresário Mario Guardado, diretor de cassinos nos Estados Unidos.

O principal argumento a favor da permissão para instalação de cassinos no Brasil é o potencial econômico e turístico. Os favoráveis à liberação dos jogos mencionam casos de sucesso em outros lugares e recordam que o Brasil é um dos poucos países de seu porte a não permitir os jogos legais. Também costuma ser enfatizado o fato de que vizinhos do Brasil, como Uruguai e Argentina, mantêm cassinos, o que contribui para a movimentação da economia e a geração de empregos.

Na reunião ministerial do dia 22 de abril, o ministro do Turismo defendeu a proposta enfaticamente. “Tem que ser um projeto muito bem feito, que eu acredito que pode ser e nesse processo da retomada, uma grande oportunidade pro Brasil atrair grandes complexos dos quais apenas três por cento são utilizados para os cassinos. E outra [razão]: isso não tem impacto diretamente nenhum na família dos trabalhadores brasileiros”, argumentou Álvaro Antônio.

Os opositores à ideia relatam que o vício em jogos de azar é um problema recorrente e que pode impactar na vida de muitas famílias. Outro elemento citado é que a "indústria" dos jogos de azar é costumeiramente relacionada com a lavagem de dinheiro e o tráfico de drogas, e a regularização dos cassinos poderia impulsionar esses crimes.

Na reunião do dia 22 de abril, o ministro do Turismo pediu ajuda para “desmistificar” o tema. “O que precisa ser feito, presidente, é realmente desmistificar a questão de evasão de divisas, de lavagem de dinheiro, de tráfico de drogas. E, pra isso, eu sugeriria que nesse debate pudéssemos contar com o Ministério da Justiça, através da Polícia Federal, o Ministério Público na mesa, a Receita Federal, os órgãos de controle”, disse Marcelo Álvaro Antônio.

Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro disse ser contrário à legalização. “Vou legalizar cassinos no Brasil? Dá para acreditar em uma mentira dessas? Nós sabemos que o cassino aqui no Brasil, se tivesse, seria uma grande lavanderia, serviria para lavar dinheiro. E também para destruir famílias. Muita gente iria se entregar ao jogo, e o caos se faria presente junto ao seio das famílias”, disse.


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