Dois colegiados da Câmara dos Deputados entraram em conflito, nesta terça-feira (1º), por causa da proposta de excludente de ilicitude para policiais que matem em serviço. A proposta, que está prevista no pacote anticrime do ministro da Justiça, Sergio Moro, foi retirada do relatório final do grupo de trabalho (GT) criado para discutir as propostas de Moro na semana passada. Nesta terça, um projeto parecido, de autoria do deputado Fausto Pinato (PP-SP), foi pautado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa.
A manobra para ressuscitar o excludente de ilicitude incomodou os membros do GT, que interromperam a reunião para protestar na CCJ. O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), que faz parte dos dois colegiados, disse que a oposição pode passar a obstruir as votações da CCJ se o presidente da comissão, Felipe Francischini (PSL-PR), insistir em pautar temas que já foram discutidos no grupo de trabalho.
A votação da proposta na CCJ foi adiada por causa de um pedido de vista coletivo de deputados do PT e PSOL. Deputados do GT se reuniram a portas fechadas com Francischini para reclamar da pauta do colegiado. Segundo Orlando Silva, a sinalização do presidente da comissão é de que não vai pautar o tema, apesar de estar sendo pressionado por deputados favoráveis ao excludente.
"Todo deputado no plenário vai poder fazer emenda, vai poder votar a favor, contra. Você não pode, em outras comissões, tentar atalhos, porque aí não é razoável", reclamou o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ), membro do GT. Para ele, a atitude dos deputados da CCJ foi desrespeitosa. “Não pode fazer com que duas comissões votem a mesma coisa ao mesmo tempo”, disse.
Relator do pacote anticrime, o deputado Capitão Augusto (PL-SP), apoiou a manobra para votação do excludente de ilicitde na CCJ. Segundo ele, a discussão está prevista no regimento. “Não é ilegal, nem ilícito, nem imoral”, disse.
O presidente da CCJ disse que as votações do GT têm sido apertadas e questionou a representatividade do colegiado. "Deveria haver uma proporcionalidade maior no grupo de trabalho. Há partidos com oito deputados na Casa e tem um representante [no GT] e o PSL tem 53 deputados e apenas um representante."
Francischini pediu ao GT um relatório sobre os pontos de acordo e projetos parecidos que tramitam na CCJ. "Nós decidiremos o que fazer. Mas não posso travar a CCJ em virtude de outras comissões e grupos que funcionam na Casa”, disse.
Insatisfação dura semanas
A insatisfação de membros do GT com os temas pautados na CCJ já dura semanas. Além do excludente de ilicitude, a CCJ também voltou a discutir a criação do Banco Nacional de Perfis Genéticos – tema que foi votado com unanimidade no grupo de trabalho.
Na reunião do GT no dia 18 de setembro, Freixo chegou a pedir à presidente do grupo, Margarete Coelho (PP-PI), que marcasse uma reunião com Francischini para que a CCJ parasse de pautar temas que já estão sendo discutidos no grupo.
A reunião não chegou a acontecer oficialmente, mas Freixo afirma que conversou com Francischini, que teria dado sua palavra de que não pautaria mais temas discutidos no GT na CCJ. Segundo Freixo, o presidente da comissão descumpriu a promessa. “Isso só mostra uma incompatibilidade com o cargo que ele ocupa”, disse o deputado do PSOL.
O deputado Lafayette Andrada (REP-MG) tentou baixar a temperatura da crise. Segundo ele, os deputados entraram em acordo com o presidente da CCJ para que situações como essa não voltem a acontecer. Ele também disse que a culpa do projeto ter sido pautado na CCJ não é de Francischini, já que o colegiado votou um requerimento do autor para que o projeto entrasse na pauta.
Embate promete ser tenso
O embate em torno do excludente de ilicitude deve ser intenso nas próximas semanas, até que o tema seja votado no plenário. O relator do pacote anticrime afirma que vai tentar ressuscitar o tema na votação em plenário.
Para Capitão Augusto, o requerimento para inclusão do tema na pauta da CCJ mostra que há maioria para aprovar a proposta de Moro. “Ficou claro que tem voto na CCJ e no plenário”, disse. “A preocupação é porque eles [oposição] sabem que será aprovado”, provocou. O otimismo do relator, porém, não é unânime. Deputados acreditam que no plenário a votação sobre o excludente de ilicitude será apertada.
O relator tem apostado todas as fichas no plenário porque diz que foi abandonado pelo governo e pelos apoiadores de Moro no GT. Na semana passada, o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO) chegou a ir a uma reunião do GT para prestar apoio ao relator. Vitor Hugo também reclamou da composição do GT, que segundo ele não respeita a proporção das bancadas partidárias na Câmara e atribuiu a isso as várias derrotas que o pacote de Moro vem sofrendo no colegiado.
A presidente do GT rebateu, dizendo que a participação é voluntária e que deputados do PSL e outros apoioadores de Moro não demonstraram interesse em participar da discussão. O deputado Fabio Trad (PSD-MS) também defendeu o GT, dizendo que, embora a proporção partidária não seja respeitada, há uma proporção ideológica no GT que espelha o restante da Câmara - inclusive com a esquerda em desvantagem.
Meio termo foi votado hoje
Na reunião do GT dessa terça-feira, os deputados incluíram na proposta a previsão para que o Estado seja responsável por fornecer advogado à policiais que matam em serviço. A defesa deverá ser providenciada pelo Estado em investigações em inquéritos policiais militares em casos em que o objeto da investigação seja “fatos relacionados ao uso da força letal praticados no exercício profissional, de forma consumada ou tentada”. Militares que atuam em missões de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) também estão contemplados na proposta.
Os deputados acreditam que, assim, fazem um aceno aos policiais e, ao mesmo tempo, impedem a inclusão de uma “licença para matar” no pacote.
O relatório final do grupo de trabalho deve ser enviado para votação no plenário da Câmara. A decisão sobre quando o tema será pautado cabe ao presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
O que já está previsto em lei
O artigo 23 do Código Penal diz o seguinte:
“Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:
I - em estado de necessidade;
II - em legítima defesa;
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo”.
O artigo 25 do Código Penal diz o seguinte:
“Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.
O que prevê o projeto de Moro, rejeitado no GT
Moro propõe acrescentar dois parágrafos ao texto no artigo 23:
“§ 2º O juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção.
§3.º O disposto no parágrafo anterior não se aplica a crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor”.
Além disso, Moro propõe alterações no artigo 25. O ministro quer incluir no artigo um parágrafo único, com a seguinte redação:
“Parágrafo único. Observados os requisitos do caput, considera-se em legítima defesa:
I - o agente de segurança pública que, em conflito armado ou em risco iminente de conflito armado, previne injusta e iminente agressão a direito seu ou de outrem; e
II - o agente de segurança pública que previne agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes”.
O relator da proposta, Capitão Augusto, já dava como certo que esses pontos seriam retirados do relatório pelo grupo.
O que prevê o projeto pautado na CCJ
O projeto incluiu o uso progresso da força na hipótese de exclusão de ilicitude e especificar que a invasão injusta da propriedade configura causa de legítima defesa. Ele também altera os artigos 23 e 25 do Código Penal.
A proposta para o artigo 23 é acrescentar dois parágrafos ao texto:
§2º- O juiz poderá reduzir a pena de 1/3 (um terço) até a metade ou deixar de aplicá-la, desde que, em face das circunstâncias, verifique ter o excesso resultado de escusável medo, surpresa, susto ou perturbação de ânimo do agente;
§3º- Não é punível o agente público que, a fim de cumprir um dever do seu cargo, utiliza ou ordena o uso de armas ou outros meios de coerção física quando necessário para repelir a resistência armada à execução de ato legal e, em qualquer caso, para evitar a consumação dos crimes de homicídio, sequestro e roubo circunstanciado pelo emprego de arma, de naufrágio, desastres aéreos e destruição de veículo de transporte coletivo.
Já a proposta para o artigo 25 é acrescentar um parágrafo único:
Parágrafo único. Considera-se agressão injusta a entrada indevida ou invasão da casa ou de suas dependências, em área urbana ou rural.