A aposentadoria do ministro Celso de Mello no Supremo Tribunal Federal (STF) e a sua substituição por Kassio Nunes Marques aumentam a incerteza sobre julgamentos e investigações que têm potencial para mexer nos rumos da política brasileira. Celso de Mello é responsável pela condução de um inquérito que investiga o presidente Jair Bolsonaro, peça importante em um julgamento envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), além de geralmente ter participação decisiva em casos envolvendo a Lava Jato.
A saída de Celso de Mello e a provável entrada de Kassio Nunes Marques no STF embaralham o desfecho desses casos por dois principais motivos: não se sabe exatamente qual será a posição do novo ministro, e tampouco se ele vai herdar todos os processos que hoje estão com Celso de Mello.
Além disso, é provável que processos e inquéritos que fiquem com Kassio Nunes Marques sofram um atraso em seu trâmite. Primeiramente, seu nome terá de ser aprovado pelo Senado – num procedimento que tem de seguir determinados ritos, que podem ser lentos. Além disso, após tomar posse, ele terá de se inteirar de detalhes desses casos para tomar decisões.
A investigação contra Bolsonaro
Celso de Mello é o relator do inquérito que apura a suposta interferência de Bolsonaro na Polícia Federal, conforme denúncia feita pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro. Esse caso, em tese, dependendo das conclusões da investigação, pode levar à cassação de Bolsonaro.
Até agora, já foram colhidos uma série de depoimentos no inquérito – inclusive o de Moro. Ministros do governo, delegados da PF e até a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) também prestaram depoimento durante as investigações.
Ainda falta o depoimento de Bolsonaro para que as investigações possam ser encerradas. Em decisão recente, Celso de Mello determinou o depoimento presencial de Bolsonaro, contrariando pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) de que a oitiva fosse por escrito. Aliados do presidente veem o depoimento presencial como mais danoso à imagem do presidente do que o por escrito.
A Advocacia Geral da União (AGU) recorreu pedindo o depoimento por escrito. Como Celso de Mello restava de licença médica, o recurso ficou com o ministro Marco Aurélio Mello – que decidiu adiar o depoimento, que deveria ocorrer entre 21 e 23 de setembro. Uma nova data não foi marcada.
Quando a licença de Celso de Mello se encerrou, ele decidiu levar a decisão – se o depoimento de Bolsonaro será presencial ou por escrito – ao plenário virtual do STF. Mas, pouco depois, voltou atrás e decidiu que o caso será julgado no plenário real, por videoconferência.
A questão é que faltam menos de duas semanas para ele se aposentar (a data que Celso de Mello agendou para sair do STF é 13 de outubro). E o julgamento no plenário ainda tem de ser agendado pelo presidente do Supremo Luiz Fux.
Ainda que o STF decida logo como e quando será o depoimento de Bolsonaro, é muito improvável que o inquérito sobre a suposta interferência na PF seja concluído por Celso de Mello.
O regimento interno do Supremo prevê que o ministro que vai substituí-lo – no caso, Kassio Nunes Marques – herde todos os casos de Celso de Mello. Ou seja, um ministro indicado por Bolsonaro assumiria a relatoria do inquérito que investiga o presidente.
No entanto, é possível que o presidente da STF, Luiz Fux, sorteie outro ministro para o caso. Nos bastidores do Supremo existe a preocupação de que a Corte sofra desgaste caso o inquérito contra Bolsonaro seja conduzido justamente por um ministro indicado por ele.
O regimento interno do STF prevê que o presidente do Tribunal pode determinar a redistribuição de casos urgentes a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) ou de outras partes interessadas. Mas isso, em tese, só pode ocorrer se o cargo estiver vago por mais de 30 dias.
A aprovação do nome de Kassio Nunes Marques pelo Senado, contudo, pode ser mais rápida do que o normal. Isso porque Bolsonaro formalizou a indicação de seu escolhido nesta sexta-feira (1.º), antes mesmo da aposentadoria de Celso de Mello – o que não costuma ser a praxe.
Além disso, Bolsonaro hoje é aliado do presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), responsável por agilizar ou travar o andamento de qualquer matéria no Senado. E a Gazeta do Povo apurou que a sabatina de Kassio Nunes Marques no Senado, primeira etapa antes da aprovação definitiva no plenário, será em 14 de outubro – apenas um dia após a aposentadoria de Celso de Mello.
Isso indica uma intenção política de apressar a efetivação de Kassio Nunes Marques como ministro do STF. Mas, novamente, Luiz Fux também pode desacelerar esse trâmite. Também é o presidente do Supremo quem agenda a posse de novos ministros da Corte.
A família Bolsonaro também tem outro caso de seu interesse que hoje é de responsabilidade de Celso de Mello e que, eventualmente, poderá vir a ser herdado por Kassio Nunes Marques: as queixas do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente, no caso que ficou conhecido como “rachadinhas”. Celso de Mello já enviou para o plenário do STF a ação que questiona se o senador tem direito a foro privilegiado nas investigações.
Futuro político de Lula também será afetado
A aposentadoria de Celso de Mello e a sua substituição por Kassio Nunes Marques também afetarão o julgamento da ação que pede que seja declarada a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro para julgar o ex-presidente Lula. Dependendo do resultado desse julgamento, as sentenças da Lava Lato contra Lula podem ser anuladas e o ex-presidente poderia voltar a poder concorrer em eleições.
O caso da suspeição de Moro está em análise na Segunda Turma do STF, composta por Celso de Mello, Edson Fachin, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Fachin e Cármen já votaram e são votos contrários à tese de que o ex-juiz da Lava Jato foi parcial na análise das ações penais envolvendo o petista. Já Lewandowski e Gilmar já indicaram, em votos de outros julgamentos, que vão considerar Moro parcial.
Dessa forma, o voto de minerva caberia à Celso de Mello, o quinto membro da Segunda Turma. Ainda não se sabe como o ministro votaria nesse caso. Celso costuma ser o fiel da balança no colegiado nos temas referentes à Lava Jato, ora votando a favor da operação, ora contra. Em outras ocasiões, Celso de Mello já considerou Moro parcial na condução de processos envolvendo o caso Banestado.
Kassio Nunes Marques em tese vai assumir a vaga de Celso de Mello na Segunda Turma. Se isso ocorrer, ele será ele quem decidirá o destino de Lula e manchará (ou não) a reputação de Moro. Curiosamente, ambos – Lula e Moro – são hoje adversários de Bolsonaro. E qualquer decisão que Marques venha a tomar poderá ser criticada por ele ter sido indicado pelo presidente.
O provável futuro ministro do STF é visto como um juiz "garantista" – ou seja, mais preocupado com os direitos e garantias fundamentais dos réus. Esse posicionamento é parecido com o de Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, por exemplo. Esse cenário é positivo para Lula.
Kassio Nunes Marques, inclusive, já foi responsável por uma decisão favorável ao petista como desembargador do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF-1). Em 2017, ele votou pela extinção de uma ação popular que pedia a anulação da nomeação do ex-presidente, em 2016, para o cargo de ministro-chefe da Casa Civil, com pedido de ressarcimento aos cofres públicos dos gastos decorrentes do ato da ex-presidente Dilma Rousseff.
Como ficam os casos da Lava Jato na ausência de Celso de Mello
Como Celso de Mello costuma ser o voto de minerva nos casos da Lava Jato na Segunda Turma do STF e não apenas nos processos de Lula, sua aposentadoria também terá efeitos nas ações judiciais decorrentes da operação. Justamente por causa da posição "garantista" de Kassio Nunes Marques – mais alinhada à ala do Supremo que é crítica da Lava Jato.
Internamente, os integrantes do STF afirmam que a chegada de um novo garantista ajudaria a trazer um equilíbrio de forças entre os garantistas e a ala dos "legalistas", que defende respostas mais efetivas da Justiça em processos envolvendo casos de corrupção. A ala dos legalistas é composta por ministros como Cármen Lúcia, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso.
Advogados que atuam no Supremo também viram com bons olhos uma futura indicação de Kassio Marques.
*Com informações de Estadão Conteúdo
Triângulo Mineiro investe na prospecção de talentos para impulsionar polo de inovação
Investimentos no Vale do Lítio estimulam economia da região mais pobre de Minas Gerais
Conheça o município paranaense que impulsiona a produção de mel no Brasil
Decisões de Toffoli sobre Odebrecht duram meses sem previsão de julgamento no STF
Deixe sua opinião