O ministro Celso de Mello, o mais antigo em atividade no Supremo Tribunal Federal, decidiu adiantar sua aposentadoria da Corte. Ele entregou nesta sexta-feira (25) um pedido formal para deixar o STF em 13 de outubro, pouco mais de duas semanas antes de completar 75 anos e ter de se aposentar de forma compulsória, em 1º de novembro.
Segundo integrantes do STF, Celso de Mello vai adiantar sua aposentadoria para dedicar-se a seus problemas de saúde. O próprio ministro confirmou isso ao jornal O Estado de São Paulo. Ele voltou de licença médica nesta sexta e, recentemente, se submeteu a uma cirurgia para colocar uma prótese no quadril. O ministro tem dificuldades de locomoção.
Além disso, a pessoas próximas, o decano tem se queixado de cansaço após dedicar-se a investigações consideradas sensíveis, como o inquérito que apura a suposta interferência do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal, conforme denúncia feita pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro.
O ministro, conhecido pelos colegas do tribunal como "bússola" e "farol", tamanha a admiração por sua opinião jurídica, foi indicado ao STF pelo ex-presidente José Sarney, em 1989. Celso de Mello presidiu o STF entre 1997 a 1999.
Após a confirmação de que ele pediu para antecipar a aposentadoria, Celso de Mello divulgou um comunicado por meio da assessoria de imprensa: “O Supremo Tribunal Federal , responsável pelo equilíbrio institucional entre os Poderes do Estado e detentor do 'monopólio da última palavra' em matéria de interpretação constitucional , continuará a enfrentar (e a superar), com absoluta independência, os grandes desafios com que esta Nação tem sido confrontada ao longo de seu itinerário histórico!
Tenho absoluta convicção de que os magistrados que integram a Suprema Corte do Brasil, por mais procelosos e difíceis que sejam (ou que possam vir a ser) os tempos (e os ventos) que virão, estão, todos eles, à altura das melhores tradições históricas do Supremo Tribunal Federal na proteção da institucionalidade, no amparo das liberdades fundamentais, na preservação da ordem democrática, na neutralização do abuso de poder e, como seu mais expressivo guardião, no respeito e na defesa indeclináveis da supremacia da Constituição e das leis da República ! Sem que haja juízes íntegros e independentes, jamais haverá cidadãos livres.”
Quem será o substituto de Celso de Mello na Corte
O anúncio da aposentadoria antecipada deve acelerar o processo de escolha de um novo ministro para a Suprema Corte, tarefa que cabe ao presidente da República, Jair Bolsonaro, e posterior aval do Senado Federal.
Hoje, o favorito para a cadeira do decano Celso de Mello é o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira. Mas há outros nomes ventilados nos bastidores, como o do ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, e o ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha.
Inquérito que investiga Bolsonaro causou desgaste a Celso de Mello
No dia 27 de abril deste ano, já em meio à pandemia de coronavírus, o ministro Celso de Mello autorizou a abertura de inquérito no STF a pedido da Procuradoria-Geral da República para apurar uma suposta interferência de Jair Bolsonaro na PF. A denúncia havia sido feita três dias antes pelo ministro demissionário Sergio Moro.
De lá para cá, a investigação causou bastante desgaste ao decano da Suprema Corte. Celso de Mello determinou que ministros militares do governo, como Augusto Heleno (GSI) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), prestassem depoimento e "debaixo de vara" se fosse necessário. O uso da expressão, que é sinônimo de condução coercitiva, causou desconforto no Planalto e nas Forças Armadas.
O decano também determinou que o vídeo da polêmica reunião ministerial do dia 22 de abril, que, segundo Moro, demonstraria a suposta interferência de Bolsonaro, fosse divulgado publicamente, a contragosto do governo. As imagens causaram desgaste a ministros palacianos, como o da Educação, Abraham Weintraub, que chamou os ministros do STF de "vagabundos".
A última decisão do decano antes da licença médica foi justamente nesse inquérito. Ele rejeitou pedido da Advocacia-Geral da União para que o presidente Bolsonaro prestasse depoimento por escrito e não presencialmente. O ministro Marco Aurélio, atendendo a recurso impetrado pela AGU, decidiu suspender o depoimento por enquanto e remeter o caso para análise do plenário. No próximo dia 2 de outubro, o plenário virtual do STF vai começar a analisar a possibilidade ou não do presidente prestar depoimento por escrito.
Substituto do decano vai herdar o 5º maior acervo processual do STF
Pelo regimento interno do STF, o substituto de Celso de Mello herdará todos os processos que hoje estão sob os cuidados do decano da Corte. De acordo com informações da Corte, o substituto de Celso herdará 2,2 mil processos. É o quinto maior acervo processual entre os ministros do Supremo. Apenas a presidência do STF, e os ministros Marco Aurélio Mello, Edson Fachin e Rosa Weber têm mais processos que o decano.
No caso específico da investigação sobre a interferências na PF, a expectativa é que o presidente da Corte, Luiz Fux, sorteie um ministro substituto que ficaria responsável pelo deferimento ou não de medidas cautelares sobre o caso. Isso é para evitar que o futuro indicado de Bolsonaro para a Corte assuma um processo em que o chefe do Executivo figura como investigado.
A aposentadoria de Celso de Mello também afetará o julgamento da ação que trata da parcialidade do ex-juiz Sergio Moro. O caso está em análise na Segunda Turma do STF, composta por Edson Fachin, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Fachin e Cármen são votos contrário à tese de que Moro foi parcial na análise das ações penais envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva; Lewandowski e Gilmar já indicaram em votos de outros julgamentos que vão considerar Moro parcial.
Dessa forma, o voto de minerva caberia à Celso de Mello, o quinto membro da Segunda Turma. Há a expectativa ainda de que ele participe desse julgamento, mas dependerá do ministro Gilmar Mendes, o responsável por pautar o caso na Segunda Turma.
A trajetória de Celso de Mello
Celso de Mello é natural de Tatuí, cidade do interior de São Paulo. Ele se formou pela Universidade de São Paulo (USP) em 1969, foi membro do Ministério Público de São Paulo (MPSP) e chegou ao Supremo em 1989 indicado pelo ex-presidente José Sarney. Neste período, Celso assumiu a presidência do STF em 1997, aos 51 anos de idade. Na época, foi o presidente mais novo do tribunal.
Durante sua passagem pelo STF, Celso notabilizou-se por liderar a chamada “ala garantista” da Corte, que entende ser necessário um volume maior de provas para ratificar uma condenação de instâncias inferiores. Apesar disso, nos últimos dois anos, Celso teve uma ligeira mudança de perfil e passou a defender de forma mais enfática pautas relacionadas ao combate à corrupção, como a Operação Lava Jato.
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