A licença médica do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), coloca em dúvida a participação dele em um julgamento e na condução de uma investigação com potencial para mexer nos rumos da política brasileira. Estão em jogo a suspeição do ex-juiz Sergio Moro, a possibilidade de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltar a poder disputar eleições e a investigação sobre a suposta interferência do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal (PF).
O gabinete de Celso de Mello confirmou que ele tirou licença médica nesta quarta-feira (19). Não foi divulgado de quanto tempo será a licença nem o motivo específico. Mas o ministro do STF tem tido reiterados problemas de saúde e, em 2020, ficou afastado do Supremo durante alguns períodos entre janeiro e abril.
A possibilidade de a nova licença dele interferir em casos importantes da política brasileira existe porque, em novembro, Celso de Mello completa 75 anos e terá de se aposentar compulsoriamente – abrindo uma vaga no Supremo para Bolsonaro indicar. Ao se aposentar, o ministro pode não participar do desfecho do julgamento que envolve Moro e Lula e do inquérito que investiga Bolsonaro.
Como a licença de Celso de Mello pode afetar Moro e Lula
Celso de Mello integra a Segunda Turma do STF, onde tramita um recurso da defesa de Lula que pede para a Corte declarar a suspeição do ex-juiz federal Sergio Moro em julgamentos da Lava Jato que envolvem o ex-presidente. Ou seja, Lula argumenta que Moro foi parcial ao julgá-lo nos casos.
Caso isso ocorra, existe a possibilidade de que condenações do petista sejam anuladas e ele recupere o direito de disputar eleições. A suspeição de Moro também pode interferir em outros processos da Lava Jato.
O pedido de suspeição do ex-juiz foi apresentado pela defesa de Lula em 2018 e começou a ser julgado pelo STF no final daquele ano. Mas foi interrompido por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.
Já votaram os ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia. Ambos rejeitaram o pedido da defesa de Lula. Além dos dois, de Celso de Mello e de Gilmar Mendes, também compõe a Segunda Turma o ministro Ricardo Lewandowski. Mendes e Lewandowski já deram sinais claros de que irão declarar a parcialidade de Moro nos julgamentos envolvendo Lula.
Celso de Mello é a grande incógnita do julgamento. Ele tem sido pró-Lava Jato em determinados processos e contra a operação em outros.
Se o julgamento da suspeição de Moro for retomado e Celso de Mello não puder participar da sessão, o caso pode ser encerrado apenas com quatro votos, num empate de dois a dois. Nessa circunstância, o recurso de Lula tende a ser acatado pelo STF, pois o empate de votos beneficia o réu.
Além disso, a decisão de pautar o julgamento está nas mãos de Gilmar Mendes; basta ele liberar o caso de seu pedido de vista. Nos bastidores, especula-se que Mendes – ferrenho opositor da Lava Jato – está apenas esperando o melhor momento para colocar a suspeição de Moro em julgamento. E esse momento pode ter chegado.
O resultado do julgamento, dependendo da modulação estabelecida pelo STF, pode permitir que Lula readquira o direito de disputar eleições. Atualmente, ele está inelegível porque, além de sentenças de primeira instância, já foi condenado em segunda instância em dois processos da Lava Jato – do tríplex do Guarujá (SP) e do sítio de Atibaia (SP). A Lei Eleitoral determina que condenados em segunda instância não podem participar de eleições.
O pedido de suspeição de Moro refere-se apenas à sentença em que Moro que condenou Lula no caso do tríplex do Guarujá. Mas a defesa do ex-presidente também pede que, se Moro for considerado parcial nesse caso, os efeitos da decisão sejam estendidos aos processos do sítio e do Instituto Lula (este último ainda tramita na primeira instância de Curitiba).
Portanto, caso o STF decida que Moro foi parcial no caso do tríplex e estenda esse entendimento para o processo do sítio, as duas sentenças da primeira instância podem ser anuladas – o que também cancelaria as condenações de segunda instância e permitira uma eventual candidatura de Lula;
Embora haja controvérsia dentre os especialistas em Direito, há quem acredite que essa decisão também possa vir a ser usada por outros condenados por Moro na Lava Jato para pedir a anulação de seus processos.
Como a licença pode afetar a investigação contra Bolsonaro
Celso de Mello é o relator do inquérito que investiga se o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir politicamente na Polícia Federal (PF), conforme acusações feitas por Sergio Moro em abril, quando o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública deixou o governo. Em tese, essa investigação pode levar à cassação do mandato de Bolsonaro.
A investigação contra o presidente foi aberta em 27 de abril a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, com base na denúncia de Moro. Celso de Mello acatou o pedido. Por se tratar de um presidente, o STF é o responsável por conduzir o inquérito, que até agora não foi concluído.
Caso Celso de Mello se aposente antes de concluir o trabalho, teoricamente quem assumiria o caso seria seu substituto – um indicado pelo próprio Bolsonaro. Diante da possibilidade de o STF ser alvo de uma acusação de conflito de interesse de um indicado pelo presidente ser o responsável por investigá-lo, dentro da Corte já haveria negociações entre os ministros para designar outro nome.
Até agora, já foram colhidos uma série de depoimentos no inquérito – inclusive o de Moro. Mas Celso de Mello (ou seu substituto) tem ainda de definir como será o depoimento de Bolsonaro: por escrito ou presencial.
Em julho, Augusto Aras pediu ao STF que Bolsonaro possa escolher a forma como prefere depor no inquérito. Em decisão recente, Celso de Mello disse que autoridades investigadas não têm direito a depoimento por escrito – embora não tenha tratado especificamente do caso de Bolsonaro nessa manifestação. O depoimento do presidente é fundamental para que a investigação seja encerrada.
Quando o inquérito for concluído, Augusto Aras pode arquivar o caso, se entender que não há provas contra Bolsonaro. Ou pode denunciar o presidente.
Se isso ocorrer, a Câmara dos Deputados tem de aprovar a autorização para que o presidente seja processado. Para isso, são necessários os votos de dois terços dos 513 parlamentares. Se os deputados não concederem a autorização, a denúncia fica suspensa enquanto Bolsonaro for presidente. E ele só será processado após deixar o comando do país.
Caso os deputados autorizem o processo, ele segue para o STF. Então, o plenário da Corte tem de decidir se aceita ou não a abertura da ação penal.
Se não aceitar, o caso é arquivado. Se acatar, Bolsonaro é afastado da Presidência por 180 dias e quem assume é o vice, Hamilton Mourão.
O STF tem esse prazo para julgar o presidente. Em caso de condenação, Bolsonaro seria cassado e deixa em definitivo a Presidência. A absolvição significa que ele retorna ao comando do país. Há ainda a possibilidade de o Supremo não conseguir concluir o julgamento nos 180 dias. Nessa situação, o presidente volta ao cargo. Mas o processo segue até ser concluído.
Celso de Mello enfrenta problemas de saúde
Celso de Mello tem enfrentado problemas de saúde com frequência. Ele se afastou das atividades na Corte em janeiro deste ano por causa de uma cirurgia no quadril. Depois, foi internado em razão de um quadro infeccioso.
No fim de março, o ministro se submeteu ao teste para o novo coronavírus após ter contato com o infectologista David Uip durante internação em São Paulo. Uip foi diagnosticado com Covid-19 dias depois do encontro com o ministro. Segundo apuração do jornal O Estado de S. Paulo, o resultado do exame de Celso de Mello levou dez dias para ficar pronto e deu negativo para o coronavírus.
Em abril, o ministro retornou aos trabalhos no STF.
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