O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello determinou a suspensão de dois processos do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) que poderiam tirar o procurador Deltan Dallagnol da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. Os casos iriam a julgamento na manhã desta terça-feira (18). Com a decisão liminar, ambos os processos serão retirados de pauta.
Os dois processos disciplinares foram apresentados pelos senadores Renan Calheiros (MDB-AL) e Katia Abreu (PP-TO). Renan acusa Deltan de tentar influenciar as eleições para a presidência do Senado, no início do ano passado, após manifestações públicas do procurador por meio das redes sociais. Já Kátia Abreu questiona, entre outros, a implementação de uma entidade para gerir R$ 2,5 bilhões fruto de um acordo firmado pela força-tarefa com a Petrobras recuperados por ação dos procuradores.
Segundo o ministro Celso de Mello, Deltan não pode ser punido simplesmente por exercer sua liberdade de expressão. “O direito de criticar, de opinar e de dissentir, qualquer que seja o meio de sua veiculação, representa irradiação das liberdades do pensamento, de extração eminentemente constitucional”, destacou o ministro do Supremo.
“Não se pode desconsiderar o fato de que o exercício concreto, por qualquer cidadão, por agentes estatais ou pelos profissionais da imprensa, da liberdade de expressão é legitimado pelo próprio texto da Constituição da República, que assegura, a quem quer que seja, o direito de expender crítica, ainda que desfavorável ou contundente, irônica ou corrosiva, contra quaisquer pessoas ou autoridades”, complementa Celso de Mello.
A decisão do decano do Supremo atende a um pedido impetrado pela defesa de Deltan, que alegou haver irregularidades no andamento dos processos em tramitação no CNMP. Uma das principais irregularidades, na visão de Deltan, é que não houve o respeito ao contraditório e ao seu direito de defesa.
Em relação ao processo impetrado pela senadora Kátia Abreu, o ministro Celso de Mello argumentou na liminar que a remoção de membro do Ministério Público de suas atribuições “deve estar amparada em elementos probatórios substanciais, produzidos sob o crivo do devido processo legal, garantido-se o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa”.
“Há que se considerar, por isso mesmo, que um Ministério Público independente e consciente de sua missão histórica e do papel institucional que lhe cabe desempenhar, sem tergiversações, no seio de uma sociedade aberta e democrática, constitui a certeza e a garantia da intangibilidade dos direitos dos cidadãos, da ampliação do espaço das liberdades fundamentais e do prevalecimento da supremacia do interesse social”, analisa o ministro do Supremo.
Julgamento que poderia afastar Deltan é mais um capítulo de cerco à Lava Jato
Na sessão desta terça-feira, os 11 conselheiros da instituição iriam deliberar sobre a abertura ou não de processos disciplinares contra o coordenador da Lava Jato no Paraná. Em uma das ações há um pedido expresso de remoção do procurador Deltan Dallagnol, que lidera a Lava Jato. O Conselho do MP é presidido pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, que tem defendido publicamente o estabelecimento de limites para o poder de investigação das forças-tarefas em todo o país, principalmente a Lava Jato.
Um eventual afastamento de Deltan traria consequências graves à operação. Há, dentro de setores do Ministério Público, um temor de que esteja em curso uma marcha com o objetivo de enfraquecer a força-tarefa. Semanas atrás, o procurador-geral criticou a Lava Jato, dizendo que a operação é uma “caixa de segredos” e que é necessária uma “correção de rumos” no MPF para que o “lavajatismo não perdure”.
O desentendimento entre Aras e a força-tarefa da operação veio a público no final de junho, com a visita surpresa da subprocuradora Lindôra Araújo a Curitiba. Aliada de Aras na Procuradoria-Geral da República (PGR), ela tentou acessar de maneira informal o banco de dados das investigações da Lava Jato no Paraná. Os procuradores liderados por Deltan resistiram e o caso foi parar na Corregedoria Nacional do Ministério Público Federal.
Mais tarde, Aras obteve uma liminar do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, no recesso do Judiciário, para obter o compartilhamento das informações. A decisão, porém, foi revogada semanas depois pelo ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato.
O julgamento no CNMP ocorreria há menos de um mês para o fim do prazo de vigência da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. Para que o grupo continue mobilizado e atuando exclusivamente na operação, é necessária uma autorização da PGR, renovada anualmente.
Na semana passada, um grupo de 25 procuradores da República que integram ou já integraram a Lava Jato no Paraná e na Procuradoria Regional da República da 4.ª Região saiu em defesa de Deltan. Os procuradores assinaram um abaixo-assinado em que manifestam preocupação com o julgamento no CNMP.
“Vem tomando corpo forte movimento de reação aos avanços contra a corrupção visando a impedir ou macular investigações”, dizem os procuradores signatários do abaixo-assinado.
Procuradores ouvidos pela Gazeta do Povo enxergam motivações políticas na tentativa de asfixiamento da operação. A ideia, segundo esses procuradores, seria impedir que a Lava Jato fosse usada como ativo eleitoral em 2022.
Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo antes da decisão de Celso de Mello, Deltan falou sobre a expectativa para o julgamento no CNMP. Para ele, o que estava em jogo é a independência do Ministério Público. “Há interesse de investigados na minha retirada do caso, mas esse interesse não pode ser qualificado como público ou social. Até hoje jamais sofri qualquer processo disciplinar por irregularidades nas investigações e processos. Então não é isso que estará em questão”, disse.
“Não se trata de Deltan apenas, mas da própria independência do Ministério Público e do trabalho de seus integrantes. A sociedade quer procuradores acovardados, com medo de vinganças e retaliações”, questionou o procurador.
Deltan consegue duas vitórias seguidas no STF no intervalo de poucas horas
A decisão do decano do STF foi a segunda vitória do coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Supremo na véspera do julgamento que ocorreria no Conselho do MP. Horas antes, o ministro Luis Fux, futuro presidente da Corte, decidiu que o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) deveria desconsiderar uma advertência aplicada contra Deltan Dallagnol no julgamento que ocorreria nesta terça-feira.
Na prática, a decisão liminar de Fux já tornava improvável um eventual afastamento de Deltan do comando da Lava Jato no Paraná. A penalidade anterior seria um agravante à conduta do procurador, podendo gerar uma penalidade mais severa no novo julgamento no CNMP.
A punição havia sido aplicada pelo próprio conselho em novembro do ano passado, por causa de uma entrevista de Deltan à rádio CBN em agosto de 2018. Na ocasião, o procurador criticou o STF, ao afirmar que três ministros do Supremo formam "uma panelinha" e passam para a sociedade uma mensagem de "leniência com a corrupção".
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