A aposentadoria do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello marca o fim de uma era na Corte. Historicamente, ele foi responsável por liderar a chamada ala garantista do tribunal (aquele grupo de juízes que exige um nível maior de provas antes de uma condenação de réus) e por fazer uma transição progressista dentro da Suprema Corte brasileira.
Apesar de internamente ser um dos juízes mais respeitados pelos colegas, Celso de Mello deixa o STF no próximo dia 13 sob fortes críticas. Principalmente pela forma como conduziu o inquérito que apura a suposta interferência do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal (PF).
Celso de Mello chegou ao Supremo Tribunal Federal em 1989, nomeado pelo então presidente José Sarney (MDB). A história do decano se confunde com a história da Constituição Brasileira. Ele é o único integrante da Corte a participar do processo de implementação da atual Constituição, atuando no STF já durante a primeira eleição direta para presidente da República após o regime militar.
Na transição para o atual regime democrático, Celso de Mello foi assistente do Consultor Geral da República do governo Sarney, Saulo Ramos. Por isso, o atual decano não somente ajudou a elaborar a Constituição, como ficou responsável por mais de 30 anos a interpretá-la do jeito que imaginavam os redatores do texto original.
“Ele é uma das pessoas de inteligência mais brilhante, de uma memória enorme e de um conhecimento histórico que nos enche de orgulho em com ele conviver”, disse o ministro Dias Toffoli em agosto do ano passado, quando Celso de Mello completou 30 anos como integrante da Corte. “Seus votos são por todos respeitados, suas posições e a sua vida completamente honrada e ilibada honram esta Casa”, complementou o ex-presidente do Supremo. "Celso de Mello se aposenta, mas deixa no STF uma rica herança: centenas de decisões e votos memoráveis em defesa da moralidade pública, das minorias e da liberdade de expressão. Sua integridade serve de exemplo para todos os cidadãos que querem o bem do Brasil", disse o ministro Luís Roberto Barroso à Gazeta do Povo.
A carreira jurídica de Celso de Mello começou em 1969, quando ele se formou pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. No ano seguinte, ingressou no Ministério Público Estadual paulista, onde permaneceu por 20 anos. Depois, trabalhou na Consultoria Geral da República até ser nomeado ministro do STF. No biênio 1997/1999, Celso foi presidente do STF sendo, na época, o sexto magistrado paulistano a assumir o cargo máximo da Justiça Brasileira.
Garantismo de Celso de Mello livrou políticos da prisão
Celso de Mello passou a ser considerado líder da chamada ala garantista do Supremo ao defender, em diversos julgamentos históricos, que uma pessoa somente pode cumprir sua pena após esgotadas todas as possibilidades de recursos. Por causa dessa visão, o decano enfrentou diversas críticas e foi acusado de ser complacente com a corrupção. Principalmente em casos famosos.
Um exemplo disso foi durante a análise das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44, em que o STF proibiu a prisão após decisão de segunda instância. A decisão do STF beneficiou, entre outros condenados, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que na época cumpria condenação da Operação Lava Jato na carceragem da Polícia Federal (PF) em Curitiba.
“Todos os cidadãos da República têm direito à livre expressão de suas ideias e pensamentos, torna-se necessário advertir que, sem prejuízo da ampla liberdade de crítica que a todos é garantida por nosso ordenamento jurídico-normativo, os julgamentos do Poder Judiciário, proferidos em ambiente de serenidade, não podem deixar-se contaminar, qualquer que seja o sentido pretendido, por juízos paralelos resultantes de manifestações da opinião pública”, disse o ministro na época, sobe as críticas relacionadas às suas decisões.
Durante o julgamento do mensalão, mais conhecido como Ação Penal 470, Celso de Mello foi o voto decisivo para que o Supremo pudesse admitir os chamados “embargos infringentes”, que permitiram um novo julgamento a condenados no Supremo por placares apertados. Por conta dessa decisão, dez dos 25 condenados foram beneficiados com um novo julgamento de um mesmo processo.
“É simples dizer que o sistema político é corrupto, que a corrupção está na base das instituições. E, quando se tem a oportunidade de usar o sistema jurídico para coibir essas nódoas, parte para a consolidação daquilo que aponta como destoante”, criticou,em 2014, o então presidente do STF, Joaquim Barbosa, sobre a admissibilidade dos embargos infringentes.
Outra decisão considerada controversa do ministro Celso de Mello ocorreu em 1994, quando ele votou contra a condenação do hoje senador Fernando Collor de Mello (Pros-AL) pelo crime de corrupção passiva. Na época, Celso alegou que não havia o chamado “ato de ofício”, ou seja, uma ordem governamental que comprovasse ação do então presidente da República para obter vantagens ilícitas. Essa tese do ato de ofício, inclusive, foi utilizada pela defesa de diversos réus do mensalão.
Decano defendeu liberdade de expressão, mas excedeu limites do STF
Se do ponto de vista penal Celso de Mello sempre justificava que não poderia fugir dos limites constitucionais, em outras áreas, o hoje decano do STF votou por interpretações que suplantavam o poder do próprio Supremo sobre o Congresso Nacional.
Durante o julgamento de um Mandado de Injunção (MI) e uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), que discutiu o enquadramento da homofobia e da transfobia como crimes de racismo, Celso de Mello alegou que há uma “necessidade transitória de o Poder Judiciário suprir omissões do Poder Legislativo ou do Poder Executivo que são lesivas aos direitos das pessoas em geral ou da comunidade como um todo”.
“O fato irrecusável no tema em exame é um só: os atos de preconceito ou de discriminação em razão da orientação sexual ou da identidade de gênero não podem ser tolerados, ao contrário, devem ser reprimidos e neutralizados, pois se revela essencial que o Brasil dê um passo significativo contra a discriminação e contra o tratamento excludente que tem marginalizado grupos minoritários em nosso país, como a comunidade LGBT”, justificou o ministro em seu voto.
Em varias decisões, Celso de Mello se manifestou em defesa do direito de reunião e de liberdade de manifestação de pensamento. Durante julgamento da Lei de Imprensa, ele foi uma das principais vozes a defender que a liberdade de manifestação de pensamento é um dos princípios fundamentais da Constituição. “O interesse social, que legitima o direito de criticar, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar as figuras públicas, independentemente de ostentarem qualquer grau de autoridade”, defendeu o ministro.
Despedida em plenário deve ser marcada por derrota de Celso de Mello
Apesar de ser reverenciado por seus pares, a despedida de Celso de Mello em julgamentos em plenário deve ser marcada por uma derrota. Na próxima quinta-feira (8), o STF vai se manifestar sobre a possibilidade de o presidente Jair Bolsonaro prestar depoimento presencialmente ou não no inquérito que apura suposta interferência do chefe do Poder Executivo na Polícia Federal.
Em setembro, Celso de Mello determinou que Bolsonaro preste depoimento pessoalmente — e não por escrito conforme já ocorreu com o ex-presidente Michel Temer em dois inquéritos que tramitavam contra o emedebista na época. Entretanto, durante a licença médica de Celso, o ministro Marco Aurélio Mello acatou recurso da Advocacia-Geral da União (AGU) e suspendeu a tramitação do inquérito até definição do plenário do STF sobre o depoimento do presidente da República.
No julgamento de quinta, a tendência é que pelo menos os ministros Marco Aurélio de Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli votem a favor de que o presidente tenha autorização para prestar depoimento por escrito e não pessoalmente conforme deseja a defesa do ex-ministro da Justiça Sergio Moro. Além disso, há a expectativa de que os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso também acompanhem o voto contrário a Celso. Os dois autorizaram que Temer prestasse informações à Polícia Federal por escrito.
O julgamento deveria ocorrer no plenário virtual do STF, mas Celso pediu que o processo fosse analisado no plenário, por videoconferência. Segundo assessores do STF, a tática de Celso de Mello visava uma tentativa de influenciar os votos dos demais colegas. Mas isso, conforme integrantes da Corte, dificilmente deve ocorrer. Por esse tipo de comportamento, Celso tem sido criticado por juízes, assessores e até colegas internamente. “Ele se contaminou por esse processo e isso não é uma boa despedida do decano”, admitiu um dos interlocutores dos ministros do Supremo.
2ª Turma homenageia Celso de Mello em sua última sessão no colegiado
O ministro Celso de Mello foi homenageado nesta terça-feira (6) pelos colegas da Segunda Turma do STF, ao final de sua última sessão jurisdicional no colegiado.
Com a voz embargada, o presidente do colegiado, ministro Gilmar Mendes, disse que todos nutrem por Celso de Mello um "sentimento abundante de gratidão" pelo convívio amigo com uma “personalidade histórica, um jurista cuja densidade intelectual iluminará gerações” e uma figura unanimemente louvada pela comunidade jurídica nacional não apenas pelas suas contribuições para o Direito, mas, sobretudo, “pelo primor ético, cortês e agregador” da sua atuação como membro do Tribunal.
“Esse momento representa o marco da carreira de um juiz que dedicou uma vida à defesa da integridade institucional desta Corte, dedicação essa firmada na renovação permanente do compromisso de devoção aos pilares da nossa democracia constitucional”, pontuou Mendes, que se emocionou.
Segundo Mendes, Celso de Mello, nomeado para o STF menos de um ano após a promulgação da Constituição de 1988, construiu no tribunal um rico legado jurisprudencial de defesa irrestrita das garantias processuais penais, além de exercer um papel-chave no recém-instalado período democrático, com contribuições significativas na busca de soluções inovadoras dentro do sistema constitucional de proteção de direitos.
O ministro Ricardo Lewandowski lembrou um ditado romano segundo o qual não basta conquistar a sabedoria, é preciso usá-la. Ele afirmou que, nos 15 anos em que teve o privilégio de acompanhar, no STF, a atuação do decano, percebeu que Celso de Mello soube usar a sabedoria em “prol do avanço civilizatório da nação brasileira”.
Para a ministra Cármen Lúcia, o decano do STF é um grande sábio que ensina permanentemente não apenas lições de Direito, mas também lições de vida, em sua forma gentil, mas firme, de se conduzir e de argumentar. Segundo ela, Celso de Mello fez de sua vida um exemplo de luta pela democracia e direitos fundamentais.
O ministro Edson Fachin afirmou que a contribuição do ministro Celso de Mello como juiz do Supremo aparece não apenas nos votos proferidos, mas também no caráter verdadeiramente humano de sua atuação. Ele lembrou que ficarão registrados na memória da Corte “votos memoráveis” sobre o princípio da laicidade e da dignidade humana e os que contribuíram para “retirar o entulho autoritário da nossa legislação”, destacadamente o julgamento da Lei de Imprensa.
Emocionado, Celso de Mello agradeceu a homenagem e despediu-se sob aplausos dos colegas. “Palavras tão generosas me tocam profundamente e atingem muito meu coração, especialmente nestes dias em que se esvai o tempo e me aproximo do final da jornada neste augusto Supremo Tribunal Federal”, disse. O decano afirmou que o STF, mais que o órgão de cúpula do Poder Judiciário incumbido da defesa da Constituição, representa para ele “um verdadeiro estado de espírito”.
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