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Polêmica

Celular do presidente da República deve ser inviolável, como sugere Bolsonaro?

Bolsonaro disse que não entregaria o seu telefone celular de jeito nenhum e ameaçou desrespeitar decisão judicial. Mas nem foi preciso. Ministro do STF Celso de Mello negou pedido de apreensão.
Bolsonaro disse que não entregaria o seu telefone celular de jeito nenhum e ameaçou desrespeitar decisão judicial. Nem foi preciso: ministro do STF Celso de Mello negou pedido de apreensão. (Foto: Alan Santos/PR)

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Investigado em inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar uma suposta interferência política na Polícia Federal, o presidente Jair Bolsonaro elevou a tensão com a Corte ao sugerir que poderia descumprir decisões judiciais que o desagradassem. O presidente disse que “jamais entregaria” seu telefone celular caso houvesse uma decisão do ministro Celso de Mello, relator do inquérito, nesse sentido, porque o telefone guarda "segredos de Estado". Afinal, o telefone do presidente da República, ou de qualquer outro chefe de poder, deve ser inviolável?

A polêmica em torno do celular do presidente começou quando, no dia 22 de maio, Celso de Mello pediu um parecer do Ministério Público sobre pedidos de apreensão do aparelho celular de Bolsonaro e do filho dele, Carlos Bolsonaro. O ministro do STF apenas cumpriu uma formalidade processual.

PDT, PSB e PV pediram ao Supremo a apreensão dos aparelhos dentro das investigações sobre interferência política na PF. De forma procedimental, Celso de Mello encaminhou os pedidos para análise da Procuradoria-Geral da República (PGR) e pediu que o procurador-geral Augusto Aras emitisse um parecer.

A movimentação processual, porém, causou alvoroço. Em nota, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, disse que a apreensão do celular do presidente poderia ter "consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional". “O pedido de apreensão do celular do Presidente da República é inconcebível e, até certo ponto, inacreditável”, afirmou.

“Caso se efetivasse, seria uma afronta à autoridade máxima do Poder Executivo e uma interferência inadmissível de outro Poder, na privacidade do Presidente da República e na segurança institucional do país”, disse Heleno. “O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República alerta as autoridades constituídas que tal atitude é uma evidente tentativa de comprometer a harmonia entre os poderes e poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”, finalizou.

Bolsonaro disse que não entrega seu celular de jeito nenhum

O presidente também se manifestou sobre o assunto, e disse em entrevista a rádio Jovem Pan, no mesmo dia (22 de maio), que “jamais” entregaria seu celular. “Espera aí: um ministro do Supremo Tribunal Federal querer o telefone institucional do presidente da República, que tem contato com alguns líderes do mundo, por causa de fake news? Tá de brincadeira comigo”, disse.

Em frente ao Palácio da Alvorada, Bolsonaro voltou a falar sobre o assunto. "Me desculpe senhor ministro Celso de Mello. Retira o seu pedido, que meu telefone não será entregue. O que parece que o senhor quer com isso? É que fique cozinhando agora lá a entrega do meu telefone. Ninguém vai pegar o meu telefone", reiterou.

Tanta retórica acabou sendo em vão. O ministro Celso de Mello negou o pedido de partidos de oposição para apreensão do aparelho, mas diante do comportamento do presidente deixou alguns recados a Bolsonaro sobre o risco de se desobedecer uma ordem judicial.

Presidente alegou que aparelho tem segredos de Estado

Em transmissão ao vivo nas redes sociais no dia 28 de maio, Bolsonaro alegou que seu celular deveria ser segredo de Estado. “O meu telefone não é meu, eu não comprei em uma loja no shopping. Quem forneceu foi o GSI”, disse o presidente, que no fim de maio trocou o número do celular pela sexta vez desde que assumiu o governo.

Ele continuou: “é um telefone que eu falo de vez em quando, eu falo por ‘zap’, por exemplo, com o presidente do Paraguai. Com alguns presidentes, como o [Sebastian] Piñera no Chile. Já falei com o [Maurício] Macri, da Argentina. Eu troco ‘zap’ com várias pessoas. Isso não pode cair em domínio público, na mão de quem quer que seja”.

Bolsonaro disse, ainda, que não está sendo investigado por corrupção ou tráfico de drogas, mas que mesmo que esse fosse o caso o celular deveria ser inviolável. “Mesmo se fosse dessa maneira, esse telefone é um segredo de Estado”.

Para o advogado Bruno Di Marino, sócio da Basílio Advogados, a análise em torno da inviolabilidade do celular do presidente deve ser feita com muita cautela. “A persecução criminal é titularizada pelo Ministério Público, até pelo fato da prerrogativa de foro do cargo exercido pelo presidente. Só o MP, no limite, poderia requerer instauração do inquérito no qual fosse solicitada a apreensão do celular”, explica.

“Não há ninguém no Estado de Direito fora ou isento à lei. Não há ninguém, nem o presidente da República, que está acima da lei ou que por isso não está sujeito a nenhuma eventual persecução criminal”, frisa o advogado Bruno Di Marino.

Mas o fato de o tema implicar uma instituição — a Presidência da República —, segundo Marino, isso exige prudência por parte do Poder Judiciário. “O presidente, materializado na pessoa do Jair Bolsonaro, é um cidadão como outro qualquer, sujeito ao Estado de Direito. Agora, a Presidência, que é a instituição que ele encarna, que também é uma instituição do Estado de Direito, essa sim, precisa ser preservada, de modo que eventual ingerência mais aguda sobre ela tem que se dar dentro de um contexto de muitas evidências e com muito equilíbrio e prudência”, opina o advogado.

Segundo o advogado, a apreensão do celular de um presidente da República só deve ser autorizada em último caso, se houver um contexto probatório que justifique a medida e a partir de evidências claras do cometimento de um crime.

Mesmo assim, é preciso cautela em relação ao conteúdo do aparelho. “Um celular pode tratar de vários assuntos e várias questões. Então, o primeiro corte a ser feito é delimitar muito objetivamente aquilo que poderia ser objeto de investigação, com descarte e ausência de qualquer publicização do resto”, alerta o advogado.

PGR foi contra apreensão do celular do presidente

Augusto Aras emitiu um parecer em que disse que não há necessidade de apreensão dos aparelhos. A manifestação da PGR foi entregue ao STF no dia 27 de maio. Na manifestação, Aras diz que cabe apenas aos investigadores decidir que medidas são necessárias na apuração, e não a partidos políticos.

"Quanto às diligências requeridas pelos noticiantes, como sabido, a legislação processual não contempla a legitimação de terceiros para a postulação de medidas apuratórias sujeitas a reserva de jurisdição, relativas a supostos crimes de ação penal pública", afirma a manifestação.

"Cabe ao procurador-geral da República o pedido de abertura de inquérito, bem como a indicação das diligências investigativas, sem prejuízo do acompanhamento de todo o seu trâmite por todos os cidadãos", reforçou o PGR.

O ministro do STF Celso de Mello, ao que parece, seguiu o entendimento de Aras e negou o pedido para apreensão dos aparelhos. Mas, no despacho em que anunciou a decisão, na última terça-feira (2), ele deu duros recados ao presidente da República.

"Contestar decisões judiciais por meio de recursos ou de instrumentos processuais idôneos, sim; desrespeitá-las por ato de puro arbítrio ou de expedientes marginais, jamais, sob pena de frontal vulneração ao princípio fundamental que consagra, no plano constitucional, o dogma da separação de Poderes", diz trecho da decisão, em referência às declarações de Bolsonaro de que não entregaria o celular.

Celso de Mello ainda ressaltou que, caso descumprisse qualquer decisão judicial, Bolsonaro estaria incorrendo em crime de responsabilidade — que pode embasar pedidos de impeachment.

"É tão grave a inexecução de decisão judicial por qualquer dos Poderes da República (ou por qualquer cidadão) que, tratando-se do Chefe de Estado, essa conduta presidencial configura crime de responsabilidade, segundo prescreve o art. 85, inciso VII, de nossa Carta Política, que define, como tal, o ato do Chefe do Poder Executivo da União que atentar contra "o cumprimento das leis e das decisões judiciais" (grifei)".

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