Cem dias após a posse, governadores de estados em grave crise fiscal e em calamidade financeira ainda parcelam salários, renegociam com fornecedores, tentam cortar custos básicos, como energia e telefone, e buscam apoio para vender estatais. Veja como alguns deles estão lidando com a falta de dinheiro:
Atraso de salários no Rio Grande do Sul
Com déficit estimado em R$ 7 bilhões para 2019, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), ainda parcela salários — desta vez, ao contrário do antecessor José Ivo Sartori (MDB), o servidor recebe um calendário no fim do mês com as datas dos depósitos do mês seguinte.
Leite pagará 15 folhas de salário para 12 meses de exercício fiscal, porque Sartori não terminou de pagar os salários de dezembro e o 13º de 2018. No total, a nova gestão herdou R$ 15 bilhões em dívidas, com a União e fornecedores. A saúde é uma das áreas que mais sofrem, com atraso para hospitais e medicamentos.
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No primeiro dia de governo, Leite fez uma série de decretos para economizar cerca de R$ 530 milhões, suspendendo concursos e renegociando contratos. O estado também tenta vender 78 imóveis para arrecadar R$ 22,7 milhões. Sem privatizar o Banrisul, o estado tenta aderir ao Regime de Recuperação Fiscal — programa federal de socorro aos estados.
O governador oferece à União três companhias: de energia elétrica, de gás e de mineração. Porém, quer privatizar sem consultar a população em plebiscito, como determina a lei. Leite pretende excluir a obrigatoriedade com ajuda da Assembleia.
Para aumentar a arrecadação por meio da emissão da Nota Fiscal Gaúcha, o governo lançou um aplicativo para o consumidor controlar variação de preços. Em Porto Alegre, o preço de meio quilo de lentilha pode variar de R$ 2,99 a R$ 11,50, uma diferença de 285%. O app já soma 84,3 mil pesquisas.
Folha vira fonte de receita no RN
No Rio Grande do Norte, para tentar reverter um passivo de R$ 2,6 bilhões, incluindo uma dívida de R$ 950 milhões com o funcionalismo público e de R$ 1,3 bilhão com fornecedores, um plano emergencial está em curso. O estado já obteve autorização do Legislativo para antecipar royalties do petróleo de maio até dezembro de 2022. Com o edital da licitação pronto, o lance mínimo por meio de pregão eletrônico será de R$ 315 milhões.
A governadora Fátima Bezerra (PT) autorizou a venda da folha de pagamento, o que pode gerar uma entrada de R$ 250 milhões no caixa. Por causa da crise, o estado zerou investimentos com receita própria. Novas obras serão feitas com empréstimos do Banco Mundial.
"Tem servidor que não recebeu ainda o 13º de 2017, não recebeu novembro de 2017. Há alguns com quatro folhas atrasadas", disse o secretário de Planejamento do Rio Grande do Norte, Aldemir Freire.
Entre outras medidas, estão revisão de contratos com fornecedores, corte de despesa com custeio, teto para empenhos e reforço na fiscalização de comércios para aumentar a arrecadação.
Greve de professores em Goiás
Com déficit de R$ 6,3 bilhões nas contas de Goiás, o governador Ronaldo Caiado (DEM) determinou economia em gastos com energia, água e telefone e estima economia de R$ 502 milhões em 2019 só com revisão de contratos. A medida deve provocar a paralisação de obras de infraestrutura e de concessionárias de serviços no estado. O governo ainda não divulgou a relação das obras afetadas.
Em meio à crise, parte dos professores da rede estadual está em greve desde o dia 3, cobrando salários e auxílio-alimentação atrasados. São 157 (14%) das 1.121 escolas paralisadas total ou parcialmente, diz o governo. O sindicato dos professores estima 40% de adesão.
O governo goiano quer reforçar as ações fiscais para recuperação de créditos de devedores e combate à sonegação. Também está em vigor lei para revisar incentivos fiscais a usinas sucroalcooleiras, montadoras de veículos, atacadistas e empresas beneficiárias de programas estaduais.
Caiado tem feito viagens a Brasília em busca de auxílio federal do programa de equilíbrio fiscal que deverá ser lançado pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), ainda sem data definida. "Tenho certeza de que as pessoas já sentiram as mudanças dos cem dias do meu governo. Está latente que elas sabem a gravidade [da situação das contas públicas] com a qual iniciei o mandato", disse Caiado à reportagem.
Minas se apega a plano de reformas
Romeu Zema (Novo) assumiu Minas Gerais com salários parcelados e 13º em atraso, uma dívida de R$ 6 bilhões com os municípios e uma das piores situações fiscais do país. A tônica, ao tomar posse, foi de austeridade e eficiência.
Além de focar Minas no Regime de Recuperação Fiscal, Zema aposta em duas reformas para apertar o cinto: fiscal e administrativa. A primeira ainda não foi apresentada. A segunda prevê redução de secretarias e projeta uma economia de R$ 1 bilhão em quatro anos. Seriam, anualmente, R$ 30 milhões em pessoal, R$ 56 milhões em serviços terceirizados cortados (como seguranças em escolas) e cerca de R$ 140 milhões em "ganhos de eficiência", com base em estudo da Universidade Harvard. As medidas dependem, porém, do Legislativo.
Enquanto isso, os ajustes têm sido modestos. O governador abriu mão de morar na residência oficial, vendeu duas aeronaves (uma por R$ 2,2 milhões, a outra por R$ 690 mil), leiloou 67 veículos (somando R$ 471 mil) e parou de imprimir o Diário Oficial (economia de R$ 2,2 milhões ao ano). Ele ainda alterou a licitação de alimentação em unidades prisionais, prevendo redução de R$ 20,2 milhões em 60 meses.
Rio aperta cerco a sonegadores
No Rio de Janeiro, as primeiras ações do governo Wilson Witzel (PSC) têm se concentrado na revisão de benefícios fiscais e no aperto a sonegadores. A Secretaria de Fazenda realizou dez operações para coibir fraudes.
O governo, porém, ainda não avançou na proposta de rever o plano de recuperação fiscal acordado com a União, uma das promessas de campanha. A avaliação é que o modelo atual tornará a dívida do estado impagável.
Como resultado da suspensão dos pagamentos da dívida com a União e de receitas extraordinárias, o estado fechou 2018 com superávit primário de R$ 1,97 bilhão. Tem ainda, porém, R$ 16 bilhões em restos a pagar herdados da gestão anterior.