O Censo 2020 pode sofrer uma redução de 25% no orçamento. Isso impacta diretamente o planejamento das cidades, estados e União. (Foto: Antônio More / Arquivo / Gazeta do Povo)| Foto: Gazeta do Povo

A megaoperação do Censo 2020, que seria o mais amplo estudo já realizado no país, pode sofrer uma redução de até 25% no orçamento, inicialmente estimado em R$ 3,4 bilhões pelo IBGE. A pressão parte do governo, mais especificamente do ministro da Economia, Paulo Guedes, que chegou a declarar que “quem pergunta demais acaba descobrindo coisa que nem queria saber”, em fevereiro, na cerimônia de posse da nova presidente do órgão, Susana Cordeiro Guerra.

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Agora, em abril, o instituto anunciou que tem o objetivo de realizar uma pesquisa muito custosa e revisa o orçamento para reduzir em um quarto a previsão de gastos – o que daria R$ 850 milhões a menos. Mas o que isso significa?

Por enquanto, o IBGE não tem essa resposta. Apenas garante que vai garantir a qualidade da pesquisa sem perda de informação. A operação inicialmente prevista contaria com a contratação de 250 mil trabalhadores temporários, inclusive os recenseadores que ficariam responsáveis pela coleta de dados.

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O questionário brasileiro tem cerca de 150 perguntas – reduzir o número de questões foi uma sugestão de Guedes, como forma de otimizar o trabalho de cada recenseador. Ou ainda reduzir a amostragem, ou seja, a quantidade de pessoas entrevistadas. O problema, no entanto, é bem mais complexo.

Pesquisa densa

O professor Paulo Bracarense, do Departamento de Estatística da Universidade Federal do Paraná (UFPR), pondera que nas condições atuais do IBGE será difícil realizar a pesquisa. Ele comenta que a previsão inicial de contratação de recenseadores já é apertada – supondo que fossem 240 mil contratados temporários para essa função, haveria uma média de 50 profissionais para cada cidade do Brasil.

Bracarense lembra que o pré-censo de 2020 foi feito na cidade de Poços de Caldas (MG). O município, que tem 170 mil habitantes, contou com 150 funcionários para essa prévia. “Em uma projeção razoável, seriam necessários de duas ou de três vezes mais funcionários de campo do que os atuais previstos”, pondera.

A redução de pessoal invariavelmente implicaria em outros cortes: da amostragem ou do questionário. A hipótese de reduzir o tamanho da amostra, por exemplo de 10% para algo equivalente a 7,5%, é razoável, aponta Bracarense. Isso porque o IBGE tem experiência com pesquisas de amostras reduzidas que compreendem continuamente a realidade socioeconômica brasileira, como é o caso das PNADs.

“Mas isto não pode ser feito sem um colossal planejamento que implicaria em estudos de vários anos. Propor no ano que antecede o Censo qualquer mudança desta ordem tem todas as condições de dar errado”, alerta o professor.

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Já a possibilidade que foi levantada por Paulo Guedes, a de reduzir o tamanho do questionário, é vista com muitas ressalvas pela comunidade acadêmica. “Diminuir o tamanho do questionário, seja o reduzido, seja o completo, significa perder informações preciosas. Não se pode trabalhar com esta hipótese”, afirma Bracarense.

Para Marcelo Marchesini, coordenador do Programa Avançado em Gestão Pública do Insper, a impressão é de que o governo assume que, com um questionário menor, o trabalhador temporário fará mais entrevistas, embora não haja nenhuma comprovação de que isso vai ocorrer. “O recenseador não funciona como um relógio, que cortou um quinto das questões e vai cobrir proporcionalmente mais endereços”, argumenta.

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Prejuízo para as próximas décadas

A situação fiscal temerária do governo até explica em partes as razões para enxugar qualquer orçamento possível. O problema de mexer com o Censo é que ele não é uma pesquisa qualquer. “O censo é um instrumento de planejamento fundamental para governos de todos os níveis, não só o federal, mas também estaduais e municipais, que têm grande dificuldade de implementar pesquisas completas como o Censo, e que podem utilizar desse instrumento para implementar suas ações. E empresas e organizações privadas também”, pondera Marchesini.

O professor Paulo Bracarense concorda. “Os resultados do Censo norteiam, com segurança, a formulação das políticas públicas para os próximos dez anos. Os resultados do Censo não são para um governo federal. Eles ajudarão a pelo menos mais três governos que se sucedem em uma década. Mas, mais do que isto, estes resultados são a fonte de realização de políticas públicas estaduais e municipais, e também matéria prima valiosa para toda e qualquer pesquisa que tenha como foco as pessoas e suas relações com os territórios em que vivem. Não é possível fazer de forma correta políticas públicas ou pesquisas nas áreas de Saúde, Educação, Moradia, Transporte, Abastecimento, Assistência Social, Previdência, Trabalho ou qualquer outra área sem as informações trazidas por um recenseamento cuidadoso”, argumenta.

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Marchesini, do Insper, dá um exemplo prático da importância da pesquisa. Embora muitas vezes esteja associada apenas a uma ‘contagem’ da população, a função do Censo é muito maior. “Uma prefeitura não consegue dimensionar adequadamente a rede de escolas, postos de saúde, se ela não sabe como as famílias estão crescendo: com mais ou menos filhos, quantas pessoas vivem em cada residência, se a cidade atrai pessoas ou manda pessoas para outras regiões. São informações fundamentais para qualquer ação pública”, comenta.

O Censo de 2020 vai trazer, por exemplo, dados mais apurados sobre o perfil do brasileiro: já é sabido que a taxa de fertilidade vem caindo e que a expectativa de vida está aumentando. “A pirâmide etária diminuiu fortemente a sua base nas últimas décadas e aumentou a sua altura. Precisamos ter dados precisos e reais que só o Censo pode fornecer”, explica Bracarense.

Erros para não serem repetidos

As metodologias do Censo são complexas, o que explica em partes seu custo elevado. Mas também não dá para comparar com os modelos adotados em outros países sem levar em conta as realidades diferentes. O professor Paulo Bracarense lembra que, no Brasil, temos problemas em relação à qualidade dos registros civis, o que aumenta a importância do Censo.

Ele também lembra de erros que foram cometidos no Brasil e não podem ser repetidos, como o adiamento do Censo de 1990 para 1991, o que nos traz prejuízos metodológicos até hoje. “A recomendação é de que os Censos sejam feitos de dez em dez anos. E é assim que se faz no mundo todo. No nosso caso, como houve uma quebra no tamanho dos intervalos, os modelos matemáticos de previsão ficam muito mais complexos. O que ocorreu naquela época é que o intervalo de 1980 para 1991 foi de 11 anos e depois o intervalo de 1991 a 2000 foi de nove anos. Faltou na época maior sensibilidade dos governantes para compreender a importância deste levantamento. Foi um prejuízo irreparável que não pode se repetir”, aponta.

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