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O governo federal nomeou nos últimos dias duas pessoas indicadas pelo PP, um dos maiores partidos do chamado Centrão. Fernando Leão foi colocado como diretor-geral do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) e Tiago Pontes Queiroz passou a ser o chefe da Secretaria Nacional de Mobilidade e Desenvolvimento Regional e Urbano, vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Regional.
Leão e Queiroz são vinculados a dois expoentes do PP, o deputado Arhur Lira (AL) e o senador Ciro Nogueira (PI), e a chegada deles ao governo federal faz parte da estratégia de aproximação entre o bloco e a gestão de Jair Bolsonaro. Outras nomeações de "indicados" do Centrão estão ocorrendo a todo vapor.
O presidente venceu a eleição de 2018 com, entre outros discursos, a rejeição ao modelo consagrado como "velha política". A ideia constava no programa de governo do então candidato Bolsonaro: "Propomos um governo decente, diferente de tudo aquilo que nos jogou em uma crise ética, moral e fiscal. Um governo sem toma lá-dá-cá, sem acordos espúrios. Um governo formado por pessoas que tenham compromisso com o Brasil e com os brasileiros. Que atenda aos anseios dos cidadãos e trabalhe pelo que realmente faz a diferença na vida de todos".
No entanto, no último mês Bolsonaro se aproximou de lideranças do Centrão do Congresso Nacional, e promoveu reuniões com representantes de partidos como PP, PSD, Republicanos, Solidariedade e outros.
Apoiadores de primeira hora do presidente no Congresso descartam que o diálogo de Bolsonaro com partidos de centro represente uma retomada do "toma-lá-dá-cá". Para eles, as negociações com o Centrão são essenciais para a manutenção da governabilidade dentro do Congresso.
"Vejo isso com naturalidade. Qualquer governo, seja de direita, esquerda ou centro, precisa de apoiadores. E isso [aproximação] faz com que o governo ganhe mais apoiadores", declarou o deputado federal Bibo Nunes (PSL-RS).
Também deputado federal pelo PSL, Daniel Silveira (RJ) disse que a aproximação com o Centrão não é resultado de uma "vontade" de Bolsonaro, e sim de uma "necessidade" do presidente. "Nós tivemos várias MPs que caducaram, e o Brasil perdeu com tudo isso. Então precisamos nos aproximar do centro para garantir governabilidade. A conversa tem que existir. A conversa, a indicação", disse.
Tanto Nunes quanto Silveira estão no grupo de parlamentares que migrará para o Aliança Pelo Brasil, o novo partido de Bolsonaro.
A "diferença" de Bolsonaro para governos passados
Mas qual é exatamente a diferença entre a "conversa" promovida por Bolsonaro e o "toma-lá-dá-cá" dos antecessores do presidente? "Os governos anteriores faziam troca: 'pegue o cargo para apoiar o governo'. Atualmente, nós disponibilizamos espaço, mas sem essa preocupação. Quem é indicado precisa ter condições técnicas", disse Nunes.
Silveira acrescentou: "a indicação não representa um 'faça o que quiser'. A pessoa pode até indicar um amigo, mas tem que ser um amigo com gabarito técnico. Antes, era o 'amigo do primo do tio'. O Centrão foi acostumado com essa maneira", disse.
Os deputados bolsonaristas alegam que não detêm cargos no governo, mesmo sendo apoiadores "fiéis" do presidente. Silveira é atualmente um dos vice-líderes do governo na Câmara e Nunes foi vice-líder do PSL antes de o partido rachar entre os bolsonaristas e os alinhados com o presidente da legenda, deputado Luciano Bivar (PE). "Bolsonaro me falou que se eu quiser indicar alguém, tenho que trazer currículo, e a pessoa precisa ter condições", afirmou Silveira.
O deputado não mostrou preocupação quanto a uma eventual mudança de perfil na gestão por conta da adesão de pessoas que não acompanhavam o projeto Bolsonaro desde seu início. "Pode ser que um ou outro não atenda às especificações, mas depois isso vai se ajustar", apontou.
Ex-bolsonaristas condenam acordos com Centrão
A abordagem de que o governo Bolsonaro exige qualificações técnicas e que, por isso, não repete o "toma-lá-dá-cá" de gestões anteriores não é endossada por lideranças que apoiaram o presidente e passaram a criticar a gestão.
O grupo de deputados do PSL que rompeu com o presidente, por exemplo, trata as negociações com o Centrão como um dos principais focos de crítica. "Imaginem os fanáticos fazendo campanha em 2022 sem poder usar essas afirmações: 'ele vai combater a corrupção!', 'Não vai ter “toma lá, dá cá!'", postou no Twitter a deputada Dayane Pimentel (BA).
Na mesma rede, o deputado Junior Bozzella (SP) ironizou, em referência à nomeação de Tiago Pontes Queiroz: "Os critérios republicanos foram todos enterrados no 'novo' governo do 'toma lá da cá'. Parabéns, Bolsonaro!".
Palavras ainda mais firmes vieram da ex-líder do governo no Congresso, deputada Joice Hasselmann (SP): "Bolsonaro começou a ratear o governo com o Centrão. Já entregou o primeiro pacote. Mas auto [sic] lá! Não é qualquer Centrão, é a banda BARRA PESADA do Centrão. Os primeiros agraciados foram da turma do petrolão. Vivemos o mensalão, o petrolão e agora entramos a era do RACHADÃO!".
O presidente também tem sido criticado por integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL), que apoiaram Bolsonaro no segundo turno de 2018. O vereador paulistano Fernando Holiday escreveu: "Com Bolsonaro é assim, em público ataca o Centrão e nos bastidores negocia cargos, emendas e afins. É muita hipocrisia e canalhice com o eleitorado. Infelizmente elegemos um presidente que faz uso dos métodos petistas de Governo".
O deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) recordou que Ciro Nogueira, de quem Bolsonaro tem se aproximado recentemente, é investigado na Lava Jato e foi aliado de Lula e Dilma em eleições anteriores.